E esse nojo de gente, quando é que vai passar?

Nunca achei normal um monte de gente conversando em cima da salada que viria para o meu prato

  • D
  • Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2021 às 07:00

- Atualizado há um ano

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Tá todo mundo sequelado, é melhor assumir logo pra tratar ou dar risada do que for possível. Eu não sei se tá passando, mas, sob o sol da primavera, as portas vão - oficialmente - se abrindo e tamos botando a cara na rua, cada um/a com seus problemas. Tem de tudo, né? Tem quem brigou com a família toda, tem quem perdeu as amizades por incompatibilidade de comportamento pandêmico, tem quem engordou 50 quilos de tanto fazer e comer pão, compulsivamente. 

Há quem esteja preso nas lives até hoje, há quem tenha enchido a casa de planta e agora não sabe o que fazer, tem quem ficou alcoólatra, adquiriu tiques nervosos ou covid, diversas vezes, porque não conseguiu se adaptar ao protocolo. Tem quem se adaptou demais e tá, igualmente, sequelado. Meu caso. Tô rindo, mas com respeito a mim mesma e a todo mundo que está se perguntando, dentro da própria cabeça: e esse nojo de gente, quando é que vai passar? Dos males o menor, eu acho. Ou não. Sei lá. Porque vai ser difícil fingir normalidade na futura vida social presencial. 

(Que meu filho ainda não foi vacinado então, aqui, ainda não mudou nada.)

(Mas temos planos e projetos vários.)

(Só que:)

Por exemplo, eu não como mais um bolo de aniversário soprado nem por decreto mundial. Muito menos vou permitir gente cantando e dançando no meu cangote, eu ficando arrodeada de fumacê de saliva de desconhecidos, só pra ver uma pessoa (ou várias) em cima de um palco. Inclusive, atualmente, quando eu lembro das situações em que já me enfiei, chega me dá um frio na espinha. A última de que me lembro foi um show no Aboca, um lugar massa em Salvador, de onde, devido à lotação absurda, devo ter levado pra casa todo tipo de perdigotos, micropartículas de suor alheio e, talvez, coliformes fecais. Tão distraída, tão natural, que nem sei se tomei banho antes de dormir. Que, né, era normal. 

(E eu, porca, pelo visto.) 

A lembrança dos Carnavais traz boas memórias junto com a sensação de ter mergulhado numa piscina de agentes patogênicos. Por sorte, saí ilesa todas as mais de 30 vezes, porém não sei se esse número garante que continuará dando certo. Talvez, eu não queira arriscar. Felizmente, aos 47 anos, já posso dar por visto certo tipo de interação humana e parecer normal aos olhos da sociedade. Invento uma dor nas cadeiras, não preciso discutir assunto de infecto-contagiosas e fico em paz. Porém Carnaval é só uma vez por ano, bolo de aniversário pode ser evitado com "meu açúcar tá alto" (a idade - junto com o histórico de excessos - ajuda nisso também), mas o cotidiano não será fácil.

Comida a quilo, senhoras e senhores! Que com isso eu já era invocada, mas disfarçava pra não pagar de neurótica, porém nunca achei normal um monte de gente conversando em cima da salada que viria para o meu prato. Mini nojo eu sempre tive, agora é uma impossibilidade. Mesma coisa com drinques e sucos que chegam lá da cozinha do restaurante, sem ninguém saber se a pessoa que fez tava contando uma história por cima do espremedor de laranja, da vasilha de açúcar aberta, das frutas vermelhas sendo cortadas. Essa pandemia deu visibilidade (voz, vez e voto) aos perdigotos que, agora, gente louca como eu consegue até enxergar. A verdade é que sempre comemos comida cuspida, é bom assumir logo para melhor evolução espiritual. 

(Mesmo nos restaurante chiques, eu nunca vi chef cozinhar nem montar prato de máscara. Isso, quando não enfia a colher na boca e devolve para a panela e quem sabe é deus se a temperatura ali vai subir o suficiente pra matar os germes que acabaram de ser harmonizados.) 

Outro problema vai ser cumprimentar. Se a miopia já faz com que algumas pessoas achem que não falei porque não quis falar (quando, na verdade, não enxerguei o/a vivente), não sei se vai me sobrar algum/a conhecido/a agora que não há santo que me faça abraçar - ou sequer apertar mãos - sem que haja muita intimidade, confiança, amor e necessidade minha e da outra parte. "Pra quê?", eu penso, se um "oi" a dois metros é mais do que suficiente pra interagir com educação? As exceções são poucas, todas vacinadas, testadas e muito bem cuidadas. 

Rapaz, não tô com vontade não. Tenho sentido nojinho, inclusive, das fotos de todo mundo encangado nas redes sociais. Eu sei que isso é sintoma e até me preocupa bastante o fato de, praticamente, acabar, pelo menos em minha vida, com a instituição "sexo casual". O que é uma lástima, mas faz parte. Ou fará só até pulsão de vida voltar a significar viver e não só tentar não morrer - em muitos sentidos - nos encontros com o outro. Vai passar. Inclusive porque, enquanto o sol vai esquentando pro verão, volto a lembrar que: "num precipício de luzes, entre saudades, soluços, nos braços de quem me queira". Era assim que tava combinado, há décadas. E é assim que será.