'É melhor mudar hábitos do que acabar com eles', diz autor de O Poder do Hábito

Em entrevista ao CORREIO, Charles Duhigg fala sobre os novos comportamentos na pandemia e se eles devem persistir

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  • Thais Borges

Publicado em 19 de julho de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

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Fazer ioga diariamente, assar bolos toda semana, ter aulas online de um idioma que, até então, não conseguia encontrar tempo para praticar. Acordar mais tarde, trabalhar vestindo pijama ou tomar uma taça de vinho todas as noites. 

Todas essas situações se tornaram comuns para muita gente, na quarentena. Mas será que isso significa que esses novos hábitos vão continuar após a pandemia? De acordo com o escritor Charles Duhigg, autor do livro best-seller O Poder do Hábito, todos esses comportamentos podem persistir, se as pessoas quiserem que isso aconteça. 

Um exemplo é justamente o das pessoas que começaram a praticar exercícios físicos. “Você vai precisar perguntar: qual é o gatilho que faz com que eu me exercite? Qual é o prêmio que faz com que eu queira me exercitar? Como posso replicar esse gatilho e essa recompensa em um mundo em que eu não vou estar mais confinado ou confinada?”, diz ele, que foi repórter do The New York Times e já venceu o Prêmio Pulitzer, um dos mais importantes do mundo. 

Em entrevista ao CORREIO, Duhigg falou sobre os hábitos durante a pandemia e também sobre como mudar aqueles comportamentos que não são saudáveis. 

O que são os hábitos e como eles são criados? Um hábito é uma decisão que nós tomamos, em algum momento. E nós acabamos parando de tomar essa decisão, mas continuamos fazendo. Então, é um padrão dentro de nosso cérebro, atuando como um piloto automático. E uma coisa para entender é que, em cada hábito, existem três componentes: o primeiro é como um gatilho para um comportamento começar. Existe, ainda, uma rotina, que é o comportamento por si. E, por fim, existe uma recompensa. A recompensa é como o seu cérebro lembra daquele padrão no futuro. Como resultado, isso se torna mais e mais automático. Isso é importante porque algo em torno de 40% a 45% de tudo que fazemos diariamente é um hábito. Mas nós não necessariamente os vemos como hábito. Então, quanto mais nós entendemos nossos próprios hábitos, mais nós temos controle de nossas próprias vidas. 

Quantos dias são necessários para criar um novo hábito? Agora que os brasileiros têm estado em quarentena por mais que 100 dias, é possível dizer que novos hábitos são criados?

Não existe uma regra sobre quanto tempo leva para criar um novo hábito. Alguns, se é um que envolve chocolate, por exemplo, provavelmente pode ser criado em dez minutos. Por outro lado, se é um hábito de exercícios físicos, talvez leve uma ou duas semanas. 

Mas o ponto é que nós criamos hábitos o tempo inteiro e, certamente, o fato de brasileiros estarem em quarentena há tanto tempo, por mais de três meses, significa que muitos deles têm criado novos hábitos. Com frequência, algumas pessoas criam hábitos sobre comer diferente ou sobre como têm passado seu tempo. 

Podemos esperar que o uso de máscara, que se tornou uma das armas contra a pandemia, deve se tornar um hábito no Ocidente, como já é em muitos países asiáticos?

Com certeza absoluta que sim. É muito, muito provável que a gente passe a ver esse hábito das máscaras por aí. Pelo menos, enquanto o covid-19 e o coronavírus continuarem existindo e é muito provável que mesmo depois. 

Se tornou aceitável que as pessoas usem máscaras em muitas partes da Ásia por questões como a qualidade do ar e pelo medo de doenças infecciosas. Acredito que nós vamos ver isso. 

Acredito que agora que as pessoas estão usando máscaras como parte de sua rotina diária nos Estados Unidos, no Brasil e em tantos outros lugares, nós vamos perceber que muita gente vai continuar fazendo isso. 

Como é possível identificar se os hábitos iniciados na quarentena - por exemplo, mudar horário de dormir ou trabalhar de pijama - podem não ser saudáveis para alguém? Como podemos nos livrar de hábitos que nos tornam menos produtivos?

Na verdade, não existe isso de hábito bom ou hábito ruim. Os hábitos são apenas algo criados pelo nosso cérebro. Na verdade, existe uma parte do nosso cérebro que funciona exclusivamente para criar hábitos. O seu cérebro não pensa, ‘oh, esse é um hábito bom’ ou ‘esse é um hábito ruim’. É você, no final de tudo, que vai ter que decidir: ‘esse é um hábito que eu quero encorajar ou esse é um hábito que eu não gosto, que quero mudar?’. Uma das coisas que sabemos é que existe uma regra de ouro sobre como hábitos podem ser mudados. Às vezes, as pessoas falam em “quebrar” um mau hábito. Mas essa é uma maneira errada de pensar sobre isso. Se você tentar extinguir um hábito ruim, com sua própria força, você pode, ao menos por um período. Você pode se obrigar a não comer aquele donut que come todo dia ou sair para uma corrida, ainda que você odeie. Mas é muito melhor pensar em mudar hábitos, ao invés de acabar com eles. Porque quando você muda um hábito, você identifica os gatilhos, as rotinas e as recompensas que têm moldado esse comportamento. Então você pode dizer: ‘ok, eu preciso de um comportamento diferente. Vou encontrar algum comportamento novo que seja mais saudável e que consiga atender aquele velho gatilho’. 

Posso garantir que vou me recompensar depois de todo o processo. Assim, ao invés de comer um donut todo dia de manhã, vou comer uma maçã todo dia. Não estou interrompendo o meu hábito do donut, mas estou transformando-o em um hábito de comer maçãs. E é o mesmo gatilho: ainda vou comer diariamente, sempre às 8h da manhã, e é a mesma recompensa que eu teria com o donut, porque é a maçã é gostosa e doce. Estou comendo a maçã porque ela é doce e muito gostosa, sem quebrar o hábito dos donuts. 

Em vez de criar um vácuo no comportamento, posso transformá-lo em algo mais saudável. 

Como encarar os ‘maus hábitos’ relacionados à pandemia? (Por exemplo, frequentar aglomerações ou não lavar suas mãos)

Basicamente, funciona da mesma forma. Como nós mudamos os hábitos para sermos mais saudáveis, a exemplo de lavar mais as mãos? Uma das coisas que nós sabemos é que, se queremos encorajar as pessoas a lavar as mãos, é preciso que exista uma recompensa pela lavagem das mãos. Talvez você tenha que elogiá-los por fazer isso ou perceber que o sabonete tem um cheiro muito bom, então, quando as pessoas lavam as mãos, elas vão ficar mais cheirosas depois. 

Você não pode apenas dizer para as pessoas fazerem algo e esperar que isso se torne um hábito. Tem que existir alguma recompensa nesse ciclo - o ciclo do hábito. É  preciso existir uma recompensa que torne esse comportamento cada vez mais fácil de ser reproduzido. 

Com academias fechadas há alguns meses e sabendo da importância de fazer exercícios físicos, o que você diria a alguém que quer se exercitar em casa e fazer disso um hábito?

Eu diria a mesma coisa que diria com relação aos outros hábitos. Ou seja, que se você quer construir um hábito de fazer exercícios físicos, você precisa fazer e pensar sobre os gatilhos e a recompensa. É possível tentar começar o exercício sempre no mesmo horário, todos os dias. Ou você pode tentar se exercitar com o mesmo grupo de amigos ou com o mesmo instrutor através de chamadas de vídeo. E também dá para tentar criar um ritual em torno do gatilho: você acorda às 3h da manhã, ali no seu quarto, veste as suas roupas de academia, e vai até onde vai praticar - sua garagem, por exemplo. Assim, temos a parte mais importante: quando você terminar os exercícios, dê uma recompensa a si mesmo. Algumas opções são se presentear com um banho relaxante, beber um smoothie gostoso ou até mesmo se permitir ficar 15 minutos no Facebook ou no Instagram. Dê um prêmio a si mesmo por fazer aquele hábito, porque é daquele prêmio que o seu cérebro vai lembrar e vai se tornar mais fácil repetir aquilo no futuro. A covid-19 mudou o estilo de vida das pessoas em poucos dias. Você acredita que esses novos hábitos podem ser incorporados ou é mais provável que, ao final da pandemia, as pessoas passem a enfrentar uma indisciplina ainda maior?

A questão é que os hábitos existem quando um ambiente é estável. Quando as coisas mudam de uma forma muito rápida, como acontece quando você está numa pandemia, de repente, muitos dos nossos hábitos são afetados. Virão novos gatilhos e novas recompensas. As coisas que a gente costumava confiar, os padrões sobre os quais éramos acostumados a nos apoiar, de repente, não estão mais lá. Porque nós não estamos mais indo para o trabalho. 

Então, a pergunta é: será que esses hábitos vão persistir? Bom, se as pessoas quiserem que isso aconteça, então sim. Se você começou a praticar exercícios na pandemia, quando a quarentena acabar, você pode continuar se exercitando. Você vai precisar perguntar a si mesmo: qual é o gatilho que faz com que eu me exercite? Qual é o prêmio que faz com que eu queira me exercitar? Como posso replicar esse gatilho e essa recompensa em um mundo em que eu não vou estar mais confinado ou confinada?

É possível que ‘ganhar dinheiro’ se torne um hábito? Não, isso não faz sentido.Você pode transformar um hábito em um comportamento, como comer um donut, mas ganhar dinheiro requer que alguém te pague. Essa é uma escolha que as pessoas fazem.