É pra cancelar pornografia ou não, afinal?

Você pode cozinhar a vida toda com tempero em tablete ou entender que aquilo acaba com qualquer prato

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 24 de abril de 2021 às 11:02

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

 Moralismo passa longe, aqui, e "papai do céu não gosta" é frase que não funciona, pra mim, talvez desde os três anos de idade. Cada um que se divirta do seu jeito, como lhe apetecer. Entre humanos adultos - capazes de decidir - e sendo consensual, não há nada (nada mesmo) que me espante na vida sexual de ninguém. Nada mesmo. Absolutamente NADA. Da suruba mais animada à abstenção total, pra mim tá tudo certo. Então, nesse âmbito, a única questão é o que escolho pra mim. 

A discussão sobre pornografia ganhou ares políticos, no entanto. Entendo completamente. Há todo um contexto na produção desse conteúdo e a militância traz a ideia central de que se excitar diante de violências (reais ou encenadas, sutis ou explícitas, presentes nos bastidores da indústria pornô ou vazadas no produto final) é algo doentio. O foco é na violência contra a mulher e aí eu entendo mais ainda. Por fim, apontam o prejuízo na performance sexual dos "viciados" e há mil estratégias de desintoxicação, de aplicativos a programas e "desafios" específicos pra isso.

Nós últimos meses, estive em um grupo virtual tipo AA, dedicado a dependentes de pornografia, justamente pra entender do que se trata. Há discordâncias sobre "o que pode e o que não pode" (o tema "masturbação" gera discórdia, por exemplo), momentos meio ridículos, mas, também, o movimento legítimo de tentativa de recuperação de pessoas que, simplesmente, não conseguem mais ter sexo real, dado o nível de intoxicação por pornografia. Maioria de homens, evidentemente. Mas também mulheres viciadíssimas.

Na oposição, há quem chame de puro moralismo, essa militância. Porque acham que ataca as putas, que desqualifica o trabalho da galera dessa indústria ou que é detalhe, diante de tantas crises. Sobre esse lado do BAxVI, não há muito o que dizer, justamente porque é o lugar que conhecemos desde sempre. Esse que passa filminhos pelo zap, que leva adolescentes aos bregas, que faz com a "da rua" aquilo que não consegue propor à "de casa". É o estabelecido que você sabe muito bem. Zero novidade.

Aos 47 anos, eu escolho militâncias e nessa disputa não entro, justamente porque outras já me tomam muito tempo. Deixo passar. Mas, macaca velha que sou, chamo a sua atenção, amiga-mulher-irmã, para o fato de que essa discussão nos ajuda sobremaneira a pensar e construir possíveis alegrias sexuais. Minha escolha pessoal, há um tempo, é não labutar mais com homem movido a pornografia. Não por nada, mas é que há muito mais chances de ser bom com alguém que não traz um pacote pronto (de falas, gestos e posições), tudo roteirizado e o papel feminino já definido só restando à gente se encaixar. Acho chato, entediante, imaturo. Sempre achei, mas pensava que era "jeito de homem" até que descobri que não, que é só um certo tipo de homem que, evidentemente, dá pra evitar. 

É pra cancelar pornografia ou não, afinal? Você que sabe, claro. Como quase tudo na vida, escolha pessoal. Eu só acho que transar com quem "aprendeu" com as profissionais (em vídeos ou pessoalmente), com homem que acha que aqueles gritos são orgasmos, com mancebo que repete posições que são favoráveis à câmera que tá filmando e não ao casal... é tédio sem fim, incontornável. Aí, é o seguinte: "choices". Você pode continuar bebendo vinho suave ou experimentar um seco. Você pode cozinhar a vida toda com tempero em tablete ou entender que aquilo acaba com qualquer prato. Você pode ficar imitando coreografia ou descobrir seu jeito de dançar. Do mesmo modo, você pode continuar sendo coadjuvante sexual de punheteiro ou experimentar fazer sexo, de fato. 

(Pessoalmente, há um tempo, passei a perguntar, como quem não quer nada: "você curte pornografia?". A partir da resposta, em 100% das vezes, já sabia se era fast ou comfort food que me esperava.)

(Seja pornografia profissional ou amadora, gravação produzida ou casual.)

(Deve ser igualmente chato transar com as mulheres viciadas em pornô, mas aí não é meu "lugar de fala".)