É proibido não gostar de uma música de Chico Buarque

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  • Da Redação

Publicado em 12 de agosto de 2017 às 20:15

- Atualizado há um ano

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Nesta semana, eu fiz uma descoberta incrível e preciso dividir com vocês: é proibido não gostar de uma música de Chico Buarque. É proibido comentar, emitir opinião, dizer qualquer coisa sobre qualquer canção de Chico Buarque. A não ser que você tenha gostado, claro. Porque gostar é o óbvio e não há nada a fazer com o óbvio a não ser deixá-lo em paz.

Mas, vamos supor que o seu sentimento tenha transgredido essa lei. Pois, se decidir confessar, terá que fundamentar o seu sentimento num estudo profundo de toda a obra do autor, no seu doutorado, no fato de saber todas as letras de cor ou na sua habilidade de cruzar as canções de Chico com a obra de Shakespeare. Se você não tem esse repertório, baby, mire-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas: elas não têm gosto ou vontade, nem defeito nem qualidade, têm medo apenas.

Quem sancionou essa lei foi Chico? Obviamente, não. Porque eu sei que ele sabe: a não ser que o artista esconda a sua arte, ela vai se completar no encontro com o público. E o público não é composto apenas por especialistas. E, assim como a criação do artista é livre, a reação do seu público também não pode ser patrulhada. Enquanto não houver uma qualificação necessária para escutar Chico Buarque, também não haverá qualquer qualificação necessária para emitir opiniões sobre essa obra. E nunca me pediram títulos acadêmicos na portaria de nenhum teatro ou no guichê de pagamento de qualquer loja de discos.

Eu não gostei e falei. Falaria de novo. Fizeram um auê. Dava pra imaginar. Mas, pense num caminho desonesto. Pois foi o escolhido. Eu deixei claro, no meu texto, que falava de um personagem. E se eu sei a diferença entre eu lírico e autor, se consigo separar o personagem do seu criador, se eu sou capaz de perceber que obras de ficção não são autobiografias, por que os "especialistas" não descolaram uma coisa da outra ao ler um texto tão curto e escrito de forma tão simples?  Porque não interessou, claro. Porque foi mais útil fazer de conta que eu misturava tudo. Para qualquer uso que se fizesse do texto. Para a "defesa" de Chico, essa confusão serviria como a prova cabal de que eu não entendo nada e não posso falar nada. Ponto. Uma desqualificação prévia da minha fala, uma tentativa escrota de minar qualquer credibilidade. Tipo me botar de maluca, sabe? Clássico. Mulheres já estão acostumadas com esse tratamento.  Já para o "ataque", dizer que "o autor" é um machista datado foi só mais uma pequena arma nas mãos de quem tem problemas com Chico, o homem. Com o ser político. Com as posições dele de conteúdo social. Que feio de ambas as partes. Com momentos engraçados, claro. Não deu pra ficar séria ao escutar de uma pessoa "da defesa" que Chico não está casado. Assim, tentando me questionar: "como pode ser ele na música, hein? Te peguei!". Sério isso? Será que eles pensam que eu acho que Chico Buarque já foi mulher, por exemplo?

Parte ignorância, eu sei. Dificuldade de interpretação. Mas, também, altas doses de má fé tipo a de um portal que copiou partes do meu texto e o usou como um encorajamento às pessoas falarem mal de Chico Buarque por suas posições políticas. Sem sequer citar a fonte. Certamente para que o leitor, sem acesso ao conteúdo completo, entrasse na onda de lá eles. Este, entre outros exemplos lamentáveis. 

Não, o personagem não me tocou. E não tocou diversas mulheres com quem conversei. É um direito meu dizer isso. Não falo por todas as mulheres. Não posso nem pretendo falar. O motivo de o personagem não ter me tocado, e nem a outras mulheres, foi o fato de o discurso desse personagem ter elementos que muitas mulheres não consideram românticos, mais. "Largar filhos" é um exemplo.

Chico Buarque obviamente, tem a liberdade de criar personagens exatamente como desejar. E eu tenho, obviamente, o direito de curtir ou não esses personagens à partir das minhas referências, da minha subjetividade. E de criticar o quanto eu quiser, sem que isso seja ofensa pessoal. E a minha crítica também pode ser criticada por pessoas que amaram a música, por pessoas que acham que ele está falando para a democracia, para uma das filhas, para quem for. Isso em nada me incomoda, pelo contrário. Acho ótimas as discussões. Mas também, em nada isso muda o meu direito de dizer: pra mim, não rolou.

Apenas não confundam as coisas, não desloquem o objeto da crítica. Sobretudo, não forcem a barra para colocar pessoas em brigas nas quais elas não estão. Nem sempre adianta gritar: "Pega, Rex!". Nem todo mundo vai obedecer a ordem dos ignorantes. Nem todo mundo vai desistir de dizer exatamente o que quer dizer. Nem todo mundo vive destilando ódios. Nem todo mundo é assim. Eu não sou. E nem são assim as pessoas que amam o personagem, não acham que ele seja datado e dizem isso exercendo a nossa tão querida e ameaçada liberdade de expressão. Não confundir com discurso de ódio. Na boa, eu não sou dessa laia.  (Hoje, escrevi escutando Caetano, se vocês querem saber. Na verdade, escutando várias vezes a música que minha professora de português me dedicou, há anos. "Vaca Profana" fica linda até na minha voz. E é isso: caretas de Paris e New York, sem mágoas estamos aí).

(Ponto final)