E se o período da escravidão voltasse hoje? 

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  • D
  • Da Redação

Publicado em 6 de setembro de 2019 às 10:00

- Atualizado há um ano

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Olá carx leitxr. Estou sumida, né? Vou confessar para vocês que escrever semanalmente não é algo fácil e ando pouco paciente. E nem sempre narrar as escrevivências e percepções sobre as relações raciais cotidianas é simples. Tá barril triplicado, minha gente, como dizemos no nosso bom vocabulário baianês. E tem sido muito difícil mesmo (re)existir nesse contexto de tantas perdas de direitos. Não temos mais bolsa Capes para pesquisa. A Amazônia desmatada. A naturalização da tortura e chicoteamento de um homem dentro de um supermercado...

Na minha publicação anterior, fiquei lendo os comentários nas mídias sociais. Foram muitos. Positivos e negativos. Sobre os bons, agradeço. Sobre os não tão bons, até mesmo ofensivos, me preocupam os discursos de propagação da violência. Pessoas que atribuem a violência à população negra. Coisas como “eles se matam”, dito por pessoas visivelmente negras, o que me causa tristeza, pois só constata esse não lugar e não sentimento de pertença impulsionado pelo racismo.

Cada vez mais percebo que a falta de memória da nossa história de luta (em todos os sentidos) é a grande estratégia para que o ódio racial se perpetue, nos colocando como algozes de nós mesmos sem considerar tudo que nos fragiliza e vulnerabiliza. Cito a pesquisadora Denise Ribeiro na tentativa de fazer os meus irmãos negros e minhas irmãs negras entenderem que necessitamos “de sabedoria em aprender com o passado para entender o presente e moldar o futuro”. Ou seja, precisamos valorizar nossa história e nos unir para mudar esse estigma e melhorar nossas condições de vida ocupando espaços de poder.

É como o bloco afro Ilê Aiyê nos ensina: “se o poder é bom, eu quero poder também”. Queremos poder em todos os sentidos, no poder de termos nossos direitos assegurados, como escolas de qualidade, hospitais que nos atendam com respeito e dignidade, ou o poder de ter comida na mesa. 

Só quem vive na pele as violações de direitos herdadas de uma herança colonial conseguirá entender o que estou falando. E os não-negros que possuem empatia e humanidade também. 

Quando jogaram nossos ancestrais nas ruas no dia pós-abolição e importaram mão de obra branca europeia no sentido de nos deixar a míngua, nós nos reinventamos. E sobrevivemos. Sobrevivemos aos estupros. Sobrevivemos à separação de nossas famílias. Sobrevivemos à demonização de nossas religiões de matriz africana. Sobrevivemos aos espancamentos e torturas. E seguimos sobrevivendo. São 131 anos de pós-abolição inconclusa. E ainda lutamos. E eu te pergunto: e se a escravidão voltasse hoje? Quem seria você no jogo do bicho? Sim, você mesmo. Você seria escravizado, senhor ou capitão do mato? Com licença ao Almodóvar, te pergunto: qual a pele que você habita ou habitaria? São muitas inquietações. 

No final de agosto, tive a oportunidade de assistir ao lançamento do filme Bacurau, no cineteatro Odeon, no Rio de Janeiro. Um momento bem diferente da minha realidade. Na plateia, a direção do filme, o elenco, a produção. O filme começou e não sabia o que esperar, pois não sabia nada sobre. Assisti e fiquei impactada. Não vou desenvolver muito sobre, pois brilhantemente Ivana Bentes escreveu uma crítica muito boa sobre a produção cinematográfica para Revista Cult. E, de verdade, me senti contemplada. Exceto por ela não ter analisado de forma aprofundada uma coisa: a população da cidade nordestina fictícia é em sua maioria preta. 

Certamente, se os americanos tivessem entrado no museu da cidadezinha teriam entendido que com aquela população, a revolução é disciplina que se aprende nas aulas. Seria essa então a nossa única forma de mudança? Através da barbárie revolucionária de 'cortem as cabeças no sertão'? Eu não acredito que seja a única opção. Mas, ao mesmo tempo, “eu quero ver quando Zumbi chegar”, nesses verdes anos militarizados. 

Ubuntu.