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Da Redação
Publicado em 24 de fevereiro de 2019 às 03:47
- Atualizado há 2 anos
Estudante de Direito, a baiana Eva Luana da Silva chocou o país esta semana ao expor em suas redes sociais os oitos anos de estupros, torturas físicas e abusos psicológicos cometidos contra ela pelo próprio padrasto. Aos 21 anos, Eva decidiu romper o longo e doloroso silêncio, com uma coragem incomum para quem é vítima de tamanho pesadelo real na intimidade do lar, e desabafou sobre a tristeza e os danos causados quando decidiu, pela primeira vez, buscar a polícia para tentar escapar do algoz.>
Num breve histórico sobre o caso, mãe e filha procuraram as autoridades quando Eva tinha apenas 13 anos, doze meses depois das agressões que já atormentavam a então adolescente. Segundo seus relatos feitos ao CORREIO na última quarta-feira, em vez de abrigo e justiça, ambas encontraram o desleixo e o despreparo policial para impedir a continuidade de um terror doméstico dessa magnitude. Após terem registrado queixa na delegacia de Camaçari, onde residem, ambas foram forçadas pelo acusado a retirar a denúncia.>
Os motivos que levaram a polícia a aceitar o recuo de Eva ainda são desconhecidos. No entanto, tais episódios são mais que frequentes nas delegacias da mulher e de proteção à infância e à adolescência. Em muitos casos, vítimas desistem de levar adiante as acusações por medo do que possa ocorrer após iniciarem a ofensiva para se libertar do julgo de seus agressores, sejam eles autores de violência física ou sexual.>
Mas os órgãos da Segurança Pública parecem esquecer que têm a prerrogativa de combater crimes, mesmo que as vítimas, a princípio, retrocedam no desejo de fazer valer o que manda a lei para lhes garantir a salvaguarda. Nada os impediria de investigar a fundo o que foi denunciado. Em relação à mãe de Eva, a negligência foi ainda pior, porque a Lei Maria da Penha, vigente há cerca de 13 anos, obriga a polícia a abrir ou a manter em curso um inquérito sobre a violência doméstica, mesmo diante do pedido para retirada da ocorrência, caso ela tenha sido registrada>
Mas fecharam os olhos e permitiram que Eva e sua mãe permanecessem mais sete anos sob domínio do abusador. Mais do que isso: fizeram com que as duas perdessem a fé na Justiça e a esperança de, um dia, voltar a viver como viviam antes da submissão à barbárie.>
É óbvio que hoje há avanços significativos na rede de combate à violência doméstica e contra abusos sexuais de crianças e adolescentes. Grande parte de tais conquistas é fruto da luta incansável da sociedade civil organizada, que faz chegar à imprensa e às estruturas de poder o eco de seus gritos. No caso da estudante que sonha em ser juíza, coube a um membro do Poder Judiciário auxiliá-la a encontrar o caminho para sepultar a agonia que perpetuava há quase uma década, com a ajuda de pessoas que tiveram conhecimento da triste trajetória vivida por Eva.>
Dessa vez, houve sensibilidade da polícia em agir para interromper o ciclo nefasto de torturas e agressões. Mas não existem garantias de que tantas outras vítimas tenham igual alívio, já que é ainda ineficiente o sistema de proteção para quem sofre crimes de natureza idêntica ou similar. Caberá também à Justiça cumprir de modo rápido todas as etapas do processo aberto contra o padrasto. Afinal, ela é a última trincheira legal frente a impunidade, a saber, maior responsável pela repetição de episódios como esse, que precisam ter fim o mais breve possível.>