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Da Redação
Publicado em 29 de outubro de 2019 às 17:00
- Atualizado há 2 anos
Muito se tem discutido sobre a incidência da nova Lei de Liberdade Econômica no Direito Ambiental, sob a ótica da suposta criação da licença ambiental tácita, na hipótese de silêncio da administração. Perda de tempo, pois isto não irá ocorrer, e porque deixa de lado outras grandes e importantes novidades do novo regime jurídico que se instaura no país, em matéria de sustentabilidade, a partir do direito individual à liberdade, art. 5° da Constituição, e do princípio da livre iniciativa da ordem econômica, art. 170 da Constituição, ora concretizados, em maior potência, pela Lei nº 13.874/2019, que instituiu a Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica.>
Dizer que houve a aprovação da licença ambiental tácita é uma teratologia. Primeiro porque a própria lei, em seu 3º, IX, deixa claro que “o silêncio da autoridade competente importará aprovação tácita para todos os efeitos, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei”, sendo que a Lei Complementar nº 140/2011, em seu art. 14, § 3°, determina que “O decurso dos prazos de licenciamento, sem a emissão da licença ambiental, não implica emissão tácita nem autoriza a prática de ato que dela dependa ou decorra, mas instaura a competência supletiva”. Ademais, a Constituição impõe, no art. 225, §1°, o dever ativo de controle e monitoramento. Desta forma, seja porque há vedação expressa à licença ambiental tácita, seja porque lei ordinária, como a da Liberdade Econômica, não pode revogar Lei Complementar e nem mesmo Norma Especial, como a LC nº 140/2011, seja também porque a Constituição e a própria Lei da Liberdade Econômica, esta no seu art. 3°, I, impedem que as atividades de baixo risco sejam exercidas sem controle e monitoramento via licenças, não há que se falar em licenças ambientais concedidas pela demora e silêncio do poder público.>
Ponto relevante, em matéria e processos de natureza jurídico-ambiental é que a nova Lei dos Direitos de Liberdade Econômica inverte uma lógica até então dominante, da interpretação e aplicação da norma e das restrições em favor da administração pública. Isto porque, a partir de agora, passa a vigorar a presunção de boa-fé em favor do empreendedor, cujos atos, agora, tal qual ao do próprio Poder Público, gozarão de presunção de legitimidade e de veracidade, cabendo ao servidor público que duvidar de sua higidez e validade provar o que alega. Some-se a isso, o fato de que o particular passa a ser considerado a parte vulnerável da relação, o que implica que as questões complexas, onerosas e os embaraços criados pela própria fiscalização ambiental precisam ser relativizados, arcados e corrigidos pela própria administração, salvo prova de que o empreendedor não é hipossuficiente no caso concreto, tudo nos termos do art. 2° da Lei nº 13.874/2019.>
Outros dois pontos de fundamental importância, tanto no processo administrativo sancionador, quanto no licenciador e no autorizativo, é a definição expressa da isonomia de tratamento, assim como da impossibilidade de criação de condicionantes impertinentes ou sem fundamento e motivação técnica, bem como apontamento da viabilidade prática, as peculiaridades do caso concreto, a necessidade e adequação socioeconômica e respectivos impactos de seus custos, na mesma linha do que já havia delimitado a última reforma à Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, Decreto-Lei nº 4.657/1942, em seus arts. 22 e 23. Ora, a teor do art. 3°, IV e XI, da Lei nº 13.874/2019, há o direito do empreendedor de “receber tratamento isonômico de órgãos e de entidades da administração pública quanto ao exercício de atos de liberação da atividade econômica, hipótese em que o ato de liberação estará vinculado aos mesmos critérios de interpretação adotados em decisões administrativas análogas anteriores, observado o disposto em regulamento”, além de “não ser exigida medida ou prestação compensatória ou mitigatória abusiva, em sede de estudos de impacto ou outras liberações de atividade econômica no direito urbanístico”.>
Pelo exposto e de uma detida análise da nova lei, verifica-se, destas e outras regulamentações, que se trata de norma que em nenhuma medida reduz a proteção ao meio ambiente, mas vai ao encontro dos direitos fundamentais de liberdade, segurança e aos princípios da ordem econômica, da administração pública, notadamente o da eficiência, como também aos da tutela do meio ambiente, especialmente no que tange a promoção da sustentabilidade, valor jurídico que somente alcança a sua máxima potência quando o desenvolvimento econômico, o progresso social e a preservação dos ecossistemas caminham de mãos dadas, como é o que se pretende com a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica, que veio tarde, mas em boa hora.>
* Georges Humbert é advogado, professor titular da Unijorge, é pós-doutor em direito pela Universidade de Coimbra, doutor e mestre em direito pela Unijorge, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade – IbradeS.>
** Texto originalmente publicado no site Direito Ambiental. Reproduzido com autorização do autor. >