Elas sabem bem mais que a regra do impedimento

Por Flavia Azevedo

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Publicado em 24 de maio de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Copa vai começar! Por que você não está no clima? Não tem bandeirinhas nos carros, as crianças não estão loucas pelos álbuns de figurinhas e as empresas não vão dar folga aos funcionários nos dias de jogo da seleção brasileira. Mas, este não é o "país do futebol"? Sim, mas só quando é masculino. Taís e Clara que o digam. Loucas pelo esporte, estão no front, no assunto, imersas no futebol feminino. No jornalismo e no audiovisual, ampliam horizontes e ajudam entender: afinal, qual é o problema? Taís Bichara (jornalista, produtora, cineasta) está em fase de produção da série documental "Donas do Baba", com exibição prevista para 2020. O foco é a relação entre mulheres e futebol: jogadoras profissionais, torcedoras, jornalistas, árbitras e meninas que sonham com a carreira de jogadoras. Veja o que Taís pensa sobre a Copa e o futebol femininos:

"Todo mundo tá cansado de saber que as mulheres não são bem-vindas no universo do futebol. Isso tá mudando mas assim como outros campos (como audiovisual, inclusive) sempre foi um mundo muito masculino e muito machista. Mas meu desejo não é reclamar de novo. É, sim, produzir um conteúdo que sempre senti falta enquanto público, enquanto mulher apaixonada e consumidora de futebol: ver as mulheres, dentro desse universo, jogando, apresentando, comentando, narrando, apitando, torcendo. (...) É muito triste ver o abismo que existe entre o futebol masculino e o feminino e a Copa escancara isso. As empresas não vão dar folga nos dias de jogo da seleção brasileira, só as patrocinadoras oficiais da seleção têm campanhas publicitárias voltadas pra elas. É a primeira vez que a Copa vai ser transmitida pela maior emissora do país, que nunca deixou de transmitir uma Copa masculina. É a primeira vez que a seleção tem um uniforme desenvolvido especialmente pra elas, e não a rebarba do modelo desenvolvido pro time masculino. Tem sido um período de muitas 'primeiras vezes' para as mulheres no futebol, o que escancara muitos absurdos. Mas é também o momento de apoiar e aproveitar essa onda de interesse e esses holofotes em cima do tema, pra só andar pra frente. A gente tem que ver os jogos, divulgar as jogadoras, as pessoas que têm produzido conteúdo sobre elas, as árbitras brasileiras que vão estar na Copa... Eu ando bem monotemática, vão ter que me engolir!""É muito triste ver o abismo que existe entre o futebol masculino e o feminino e a Copa escancara isso" (Thaís Bichara, cineasta)A cineasta acrescenta:

"Futebol foi o universo que mais me fez sentir na pele o machismo e está sendo o meu caminho de falar de coisas que acredito, de coisas que venho entendendo e desenvolvendo junto com as mulheres e o feminismo. Na minha memória afetiva com o futebol, só tem homem. Meu pai, meu avô e meus colegas, com quem eu assistia e torcia. Os apresentadores e comentaristas que amei e odiei a vida toda, os jogadores que viraram meus ídolos, os presidentes, árbitros, meus professores de educação física. Meu sonho era que as novas gerações tivessem uma memória diferente dessa minha, com mulheres nesses lugares, porque elas existem e são foda! Essa série é minha forma de falar delas de um jeito que acredito, discutindo por consequência questões de gênero, desconstruindo a ideia de que existe uma caixinha em que dá pra botar dentro o que é feminino e em outra o que não é. Isso é assustadoramente atrasado, mas as mulheres que consomem e trabalham no futebol ainda são muito condenadas a essas caixinhas.""Futebol foi o universo que mais me fez sentir na pele o machismo" (Thaís Bichara) Clara Albuquerque (jornalista) trabalha como jornalista esportiva desde 2007. Começou no CORREIO, passou pela TV Bahia e, atualmente, está na Itália, como correspondente internacional. É autora dos livros A Linha da Bola – Tudo o Que as Mulheres Precisam Saber Sobre Futebol e os Homens Nunca Souberam Explicar (2007), Os Sem-Copa: Craques que Encantaram o Brasil e Nunca Participaram de um Mundial (2014) e Os Dez Mais do Bahia: (2015). Veja a opinião dela:"O menino se apaixona e sonha em jogar futebol porque ele é exposto desde pequeno à ideia de que ser o camisa 10 da seleção brasileira significa felicidade" Clara Albuquerque (jornalista de esportes)"Costumo dizer que os homens nascem com nota dez em futebol e podem perder pontos durante a vida, enquanto a mulher inicia sempre do zero e precisa provar todo dia que merece nota 10, seja num grupo de amigos ou no mercado de trabalho. Vivemos numa sociedade machista e isso obviamente também está refletido - e muitas vezes escancarado - no mundo do futebol. Até acredito que essa relação teve alguma melhora e, hoje, as meninas são expostas ao futebol de uma forma que a minha geração, por exemplo, não foi. Equilibrar o jogo, no entanto, não é algo que acontecerá de um dia pro outro. Eu penso que brasileiro se tornou esse povo que ama futebol masculino porque foi exposto ao futebol masculino e identificou ali elementos de sua cultura e de seu desejo. O menino se apaixona e sonha em jogar futebol porque ele é exposto desde pequeno à ideia de que ser o camisa 10 da seleção brasileira significa felicidade, por exemplo, e existe uma identificação com a história daquilo ali porque ele conhece essa história. Quantas meninas não seriam completamente apaixonadas pela ideia de ser uma nova Marta se a Marta tivesse recebido a mesma atenção e investimento de um Neymar? Então, eu acho que o interesse é menor, sim, mas porque o interesse depende dessa identificação e as pessoas simplesmente não foram expostas ao futebol feminino da mesma forma que ao masculino. Até porque existem diferenças entre os dois e não necessariamente a pessoa que se interessa por futebol feminino já gostava antes do masculino."