Eles desautorizam: como o feitiço de Bolsonaro se virou contra o feiticeiro

Recuo revolta aliados e provoca onda negativa na militância virtual do presidente

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  • Jairo Costa Jr.

Publicado em 11 de setembro de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

Allan dos Santos, blogueiro bolsonarista do Terça Livre, destaca: 'O jogo acabou' Desde que o presidente Jair Bolsonaro iniciou a escalada de ataques ao Supremo e discursos em tom de ameaça à ordem democrática, o bordão “Eu autorizo” se tornou um tipo de mantra nas alas mais extremistas do bolsonarismo. A estratégia por trás do mote era clara: mostrar que qualquer ato arbitrário em direção aos demais Poderes contava com amplo aval popular. Ele só não esperava que um gesto revertesse o sentido do slogan e fizesse o feitiço se voltar contra o feiticeiro.

A maré cheia de Bolsonaro virou vazante dois dias após os atos do Sete de Setembro, quando multidões tomaram as ruas em todos os estados do país para defender o governo e referendar a ofensiva  sobre o Supremo Tribunal Federal (STF). Instigada pelas promessas de enquadrar a Corte, repetidas pelo presidente durante discurso para o tapete humano verde e amarelo que se formou na Avenida Paulista, a tropa de choque do presidente esperava a ordem de avanço, mas  o que  ouviu do líder foi a marcha de recuo.

Surpreendido com a reação dura da cúpula do Supremo, amplificada pelo discurso do ministro Luis Roberto Barroso na quinta-feira, e consciente de que o caldo engrossou para ele no Congresso, Bolsonaro entrou em movimento de retorno. No mesmo dia, divulgou um texto construído com a ajuda do ex-presidente Michel Temer (MDB), no qual adotava retórica inversa. Algo como a releitura própria do “Lulinha paz e amor”. 

Na chamada “Declaração à Nação”, Bolsonaro se desculpou por palavras ditas “no calor do momento”, garantiu que nunca agiu com intenção de agredir quaisquer Poderes e disse não ter “direito de esticar a corda a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia”. Àquela altura, já havia apelado para que os caminhoneiros alinhados à linha explosiva do bolsonarismo liberassem as estradas e alertou que o movimento era prejudicial a ele próprio. A quinta-feira ainda estava longe de acabar quando começou o levante dentro das bases mais sólidas  do presidente.

Guinada gera reação negativa de líderes da tropa bolsonarista nas redes  As chamas de revolta se espalharam inicialmente nas redes. Influenciadores digitais idolatrados pelos militantes de Bolsonaro não esconderam o descontentamento com o que foi apelidado de “arrego” nas bolhas virtuais. Personalidade incensada pelos eleitores da direita conservadora, o escritor Rodrigo Constantino derramou o pote cheio de decepção em postagem no Twitter: “Depois da demonstração de força do povo, o presidente demonstra fraqueza. Situação bem complicada para os patriotas. Bolsonaro pode ter assinado sua derrota hoje...”. Líder da direita conservadora, o escritor Rodrigo Constantino resume a decepção com a versão 'Bolsonaro paz e amor' Outras celebridades do bolsonarismo, como o empresário Leandro Ruschel e o blogueiro Allan dos Santos, fundador do site Terça Livre, também evidenciaram a frustração com o recuo do presidente.  A onda contrária arrastou até aliados de primeira linha, como o líder evangélico Silas Malafaia. No exército de anônimos, as postagens, parte delas carregada de adjetivos nada elegantes, classificavam Bolsonaro como “frouxo e traidor” e o recuo como “vergonha e decepção (veja prints ao lado).

No alto escalão do Planalto, a declaração foi recebida com surpresa e críticas. Sobretudo, por demonstrar fraqueza, falta de personalidade e baixa confiabilidade. Até a noite de sexta, a ressaca  ainda alimentava memes criados para ironizá-lo, a maioria baseada no paradigma do valentão que, no fim, não passa de covarde. 

No mesmo dia, a militância  de Bolsonaro deflagrou uma operação para estancar a sangria. Em suma, disseminar o lema “Eu confio no presidente” nas redes e dizer que, na verdade, o recuo faz parte de uma tática de guerra pensada para  ludibriar o inimigo.