Em comemoração aos 47 anos de bloco, Ilê retorna à Senzala do Barro Preto

Evento é o primeiro desde o início da pandemia da covid-19; próximo show do afro do Curuzu deve acontecer 9 de janeiro

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  • Da Redação

Publicado em 29 de novembro de 2021 às 06:25

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marcela Villar/CORREIO

O evento que aconteceu na noite deste domingo (28) na Senzala do Barro Preto não valeu como ensaio para o carnaval. Mas, serviu para matar a saudade de quem estava sentindo falta do Ilê Ayê. Foram quase dois anos sem que o afro do Curuzu se apresentasse na sede do bloco. Cerca de 1.500 pessoas se juntaram para celebrar não só o retorno do show ao vivo, mas os 47 anos de uma das mais importantes entidades da cultura brasileira e os 18 anos de sede. Em uma união de ancestralidade, axé e resistência, o Ilê fez todo mundo lembrar da beleza da agremiação. 

O casal Telma Amorim, 29, e Rian Santos, 30, chegou pouco depois dos portões abrirem, às 15h. Eles sempre acompanham o bloco no carnaval. “Essa volta do Ilê é muito representativa, a gente estava há quase dois anos sem ter esse contato e sou apaixonada pelo bloco, sou bailarina e estudo dança na Ufba, então o Ilê é minha profissão, minha ancestralidade, minha vida, minha forma de me expressar e existir. É o primeiro bloco afro do Brasil e é um grande símbolo da música negra, da cultura baiana e afro-brasileira”, afirmou Telma, saudosa. Telma e Rian, que namoram há cinco anos, marcaram presença no primeiro ensaio do Ilê desde março de 2020 (Foto: Marcela Villar/CORREIO) “É muito bom voltar e reforçar nossa negritude. Viemos para curtir uma festa nossa, uma festa preta. Estamos em casa, seguros”, completa Rian Santos, que é músico e administrador. E todo o show foi com segurança. Apesar da não obrigatoriedade da máscara no espaço do show, era preciso apresentar o comprovante com as duas doses da vacina contra a covid-19 na entrada. Além disso, foram vendidos apenas metade dos ingressos, para não haver lotação total na casa. 

O fundador e presidente do bloco, Vovô do Ilê estava leve, sorrindo por trás da máscara, por ver público novamente. “É um momento muito especial, porque iniciamos esse primeiro evento pré-carnavalesco em quase dois anos, estou muito emocionado, muito gratificado e vamos torcer pra dar tudo certo”, disse Vovô. Ele acredita que esses ensaios ajudam a desenvolver a economia do Curuzu. “Os restaurantes estão todos cheios, eu mesmo almocei comida da comunidade.  Nossa proposta é justamente essa, fazer com que o dinheiro circule entre a gente”, contou.  Vovô do Ilê comemora retorno do ensaio na Senzala, pois acredita que movimenta a economia do bairro (Foto: Marcela Villar/CORREIO) A alegria também contagiava o diretor do Ilê Aiyê, Edmilson Neves. “Estamos, hoje, comemorando o aniversário do Ilê, a fundação dessa sede, o 20 de novembro e o retorno do associado, que está sem ver o Ilê há três anos. O que a gente está querendo aqui fazer é trazer o nosso povo, nossa comunidade. O Ilê está vivo e junto com vocês”, celebrava Neves. A fundação do bloco foi no dia 1 de novembro de 1974. Atualmente, são 3 mil associados que desfilam no Carnaval, todos os anos. O próximo ensaio, provavelmente, será no dia 9 de janeiro.  Edmilson Neves, diretor do Ilê Aiyê, estima que o próximo ensaio seja no dia 9 de janeiro (Foto: Marcela Villar/CORREIO) A cozinheira Josélia Silva, 50, também era uma das fãs na plateia. Conhecida por ali, ela sai no Ilê há mais de 10 anos. “O Ilê conta a história do negro, ajuda o negro a se identificar, a se desenvolver, coisa que a escola não conta e não faz. Por isso que gosto tanto”, explicou Josélia. O ensaio teve a presença da banda do Ilê e dos Filhos da Bahia, com participação especial de Márcio Victor (Psirico) e Graça Onasilê (ex-vocalista do Ilê). 

Márcio Victor destacou a importância do retorno dos ensaios na Senzala. "O entretenimento está sangrando. Estamos desesperados, os produtores, os empresários, os artistas, as pessoas que se beneficiam com os eventos, o cordeiro que vem do interior, a tia que vende licor, que vende milho. Não é só a questão da pessoa se divertir. Tem toda uma cadeia que trabalha por trás disso", avaliou o cantor.

Ele contou que se convidou para cantar no Ilê: "Fico muito feliz com a retomada aqui da Senzala, pela questão histórica que esse lugar tem, que é como tesouro. Isso aqui tem que existir sempre, com todos os cuidados". 

Para a dona de casa Jaciara Mesquita, 50, o Ilê é “axé, força e beleza”:“O Ilê é tudo, minha segunda pele”. A história com essa sede trouxe ainda amizades, como a técnica administrativa Nilzete Barbosa, 58. Depois de quase dois anos, as duas retornaram à segunda casa, neste domingo, vestidas à caráter. “Sou apaixonada pelo Ilê, saio há 43 anos. É uma história de vida”, afirma Nilzete. Jaciara e Nilzete se conheceram no Ilê e foram ao ensaio juntas (Foto: Marcela Villar/CORREIO) A cantora do Ilê, Iana Marucha, 35, se deliciou com a volta aos palcos. Ela frequenta a Senzala do Barro Preto desde os 6 anos e começou a cantar na banda aos 18: “Ter primeiro momento com o público deixa a gente extremamente ansiosa. Foram muitas vidas perdidas, mas agora podemos comemorar a vida, esse momento, o novembro negro e nosso aniversário, porque é mais um ano de resistência, de luta, é mais um ano dizendo que a gente existe”. 

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A deusa do ébano de 2020, Gleice Elen, também marcou presença. O concurso da Beleza Negra não aconteceu em 2021 por conta da pandemia e não ocorrerá em 2022, segundo Vovô. “É uma emoção estar aqui e a gente sabe a responsabilidade que é, depois de dois anos sem poder frequentar”, desabafou Gleice. Ela tem uma história de afeto com o bloco, porque ajudou a mudar sua forma de enxergar-se. “O Ilê é casa, cultura, história, empoderamento, autoestima e elevação para nossas mulheres. Depois que conheci o Ilê, fui me autoafirmando como mulher, porque eu não me aceitava nem meu próprio cabelo”, enalteceu.