Em maus lençóis: como viver a pandemia tem nos tirado o tesão e o que fazer para reativar

Isolamento, ansiedade, medo e crise financeira tem afetado a cama de solteiros e casados

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 14 de março de 2021 às 16:07

- Atualizado há um ano

. Crédito: Imagem: Editoria de Arte/CORREIO

No meio do caminho da libido tinha a morte. Como ler que três mil pessoas vão morrer num único dia e ficar bem? Como ter cabeça para relaxar e gozar se a sua vida e da sua família estão em risco? Para muita gente, o cenário pandêmico tem sido broxante. De solteiros a casados, uma galera já nem lembra mais como é que se transa. Tem dado teia de aranha. O rastro de caos deixado pelo vírus tem feito com que falte tempo e espaço na mente para que as pessoas se lembrem de que “sexo existe e é bom”, como bem reforça a psicóloga e terapeuta sexual Laís Dourado. A pandemia tem afetado as pessoas em todas as suas dimensões e a sexualidade, sem dúvidas, é uma delas.

Jovem, saudável e antes muito sexualmente ativa, Ayala Santos*, de 28 anos, conta que o desânimo bateu à porta dela justamente por causa da necessidade de se privar do contato com outras pessoas. “Ficar em casa se torna algo monótono, é desanimador. Para mim, agora qualquer coisa que seja feita em casa me desanima, mesmo que seja sexo”, abre-se ela. “O medo de ser contaminado e de algo acontecer a alguém da família ou a mim me broxa tem dias”, confidencia outro jovem.

Se antes a vida corrida na rua fazia com que os casais não transassem tanto porque não tinham tempo, hoje os que estão em home office até têm, mas não têm tesão. Muitos deles estão sobrecarregados, sem energia, porque os filhos não estão na escola. Se antes duas mensagens por aplicativo eram suficientes para marcar uns sexos casuais, agora tem gente que não tá encontrando ninguém ou que, pelo menos, está mais seletivo, reduzindo as saídas. O cenário de isolamento tem promovido uma baixa na autoestima. Sobra uma sensação recorrente de que nada vai dar certo e isso contribui para que as pessoas não queiram fazer sexo.

Há várias razões para a alta desse "fenômeno broxa". Psicóloga clínica, Liliane Ramos explica que, antes da pandemia, o trabalho era o ambiente estressor, enquanto a casa era sinônimo de relaxamento. Com a covid-19, a casa assumiu o lugar de ambiente estressor e essa transformação atingiu diretamente as relações sexuais principalmente porque, mesmo após um ano neste regime, não é fácil se adaptar e a casa costuma ser o local de consumação do sexo. “Até as pessoas que estão trabalhando fora, quando retornam, elas também têm estresse por tudo o que estamos vivendo”, observa ela.

Em entrevista anterior ao CORREIO, a psicóloga Jaqueline Amorim, 32, que trabalha na linha de frente da covid-19 no Hospital Espanhol, relatou que muitas das profissionais que estão nessa exaustiva missão já chegaram a desabafar que preferem passar mais tempo no hospital do que na própria casa. Às vezes, não dá para relaxar nem no próprio lar. Não sobra para elas tempo e nem energia para arrumar a casa. E ninguém arruma. Não é fácil cumprir plantões de 12h assistindo o drama diário do sufocamento de pacientes e choro de famílias devastadas pela morte.

“Elas estão cansadas e o marido ainda quer que ela dê conta do sexo. Você vai lá ter cabeça para essas coisas? Todas falam sobre o sexo, que vão tentar uma relação e não aguentam”, relatou. Liliane enfatiza que não somos iguais na pandemia. Ninguém está exatamente no mesmo barco, cada um tem as suas vivências, formas de agir e reagir. Então, quem está com dificuldades de se adaptar ao cenário devido à necessidade de ficar mais recluso pode também estar encarando a rotina sexual como repetitiva, chata, e isto é mais uma coisa ruim atribuída ao momento, completa ela. Já os solteiros, por outro lado, até têm libido, mas não têm a possibilidade de se relacionar como antes. Têm a masturbação, mas não é a mesma coisa do sexo a dois, três, e quantos queiram.

Isolada desde o começo da pandemia para proteger a saúde dos pais, Joana de Jesus*, 24, diz que já se vê sem perspectivas de fazer sexo com alguém. “E isso é bem ruim. Acho que é algo como: 'Não vou pensar muito nisso porque não tenho como resolver'”, diz. Para ela, a libido mudou um pouco nesse período. Se antes dependia só da imaginação para chegar lá, agora precisa de estímulos a mais na masturbação.

Foi no meio da pandemia que ela decidiu fazer assinatura de um serviço de áudios eróticos para poder animar o negócio. Joana também adotou estratégias como lembrar de relações sexuais que teve com pessoas antes da pandemia e até ressuscitou vídeos e fotos antigas para poder ficar mais fácil de acessar o tesão.

Laís Dourado diz que o impulso sexual está muito ligado a experiências prazerosas na vida. O sexo é quase como um caminho para o fim: se vive, se goza e se morre. Mas, agora, para muita gente, a libido tem passado como figurante da vida, deixando o papel de protagonista para o luto.

Morte e ansiedade

Especialista em morte, a psicóloga Elaine Alves, do Instituto de Psicologia da USP, adianta que o noticiário de expressivos números de óbitos pela pandemia não necessariamente tira a libido das pessoas. O que diminui o desejo é o próprio dia a dia do relacionamento e o momento em que vivem, mas a morte pode influenciar na cama se essas pessoas perderam um ente querido ao qual dedicavam muito afeto. 

“No Brasil, a gente vive a morte escancarada há muito tempo. As pessoas ficam indignadas, mas é algo que está acontecendo na televisão e não na casa delas. Neste contexto, o que interfere mesmo nas relações é o cansaço, a saúde mental, porque estamos vendo, ao mesmo tempo, uma pandemia de problemas como ansiedade e depressão”, relata.

Antes mesmo da pandemia, o Brasil já tinha sido classificado como o país de mais ansiosos e depressivos do mundo, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2019. Inclusive, alguns dos remédios usados no tratamento de doenças psíquicas provocam disfunção erétil como efeito colateral. Não bastasse isso, uma pesquisa feita por cientistas da faculdade de Medicina da Universidade George Washington, dos EUA, revelou que a covid-19 pode afetar a saúde sexual e reprodutiva, levando também à disfunção erétil e falta de libido.

Especialista em reposição hormonal, o médico Jorge Valente explica que essas alterações sexuais acontecem porque a covid-19 é uma doença que desencadeia inflamações que, por sua vez, comprometem os vasos sanguíneos. A parede interna destes vasos, inclusive os penianos, pode ser atingida e já se sabe que estas disfunções nestas camadas estão associadas à dificuldade de ereção, instrui ele. É importante que pacientes com essas alterações procurem um médico especializado para avaliação e terapia de reabilitação. Existe tratamento por meio da melhora dos níveis de testosterona e medicamentos que recuperam a função erétil. 

Muitas preocupações

Laís Dourado detalha que o desejo sexual é o que leva a pessoa a buscar por sexo. Esse desejo é alimentado por pensamentos, fantasias, estímulos e, claro, contato humano. A falta de vontade de fazer sexo tem sido uma das reclamações mais frequentes nos consultórios e ela aponta que ansiedade e depressão são dois dos fatores que mais influenciam para o surgimento de problemas sexuais. 

Segundo a psicóloga, a baixa no tesão dos pacientes tem sido atribuída a preocupações e fragilidades — sociais e econômicas —, que formam um conjunto de situações, como os preços escandalosos de produtos e serviços, as trapalhadas políticas que promovem desesperança, notícias de muitas mortes, filhos com aula online ou sem aula nenhuma, desemprego ou empregos sem estabilidade, solidão, ansiedade, vida em risco.“Imagina estar cercado de tudo isso e ainda manter o tesão? Não podemos generalizar, mas o que temos visto é que tem faltado tempo e espaço no pensamento para se lembrar que sexo existe e é bom”, analisa.Psiquiatra da clínica Holiste, Lívia Castelo Branco adianta que se alguém está desanimado ou cansado, naturalmente, essa pessoa não terá impulso para o sexo. Especialmente neste contexto de tragédia, a reação do corpo, ainda que inconsciente, é transferir a atenção para outras atividades.

Como a dinâmica em casa mudou, há mais tensões pela hiper-convivência, conflitos por falta de ajuda nas tarefas domésticas. “Tudo acontece muito por questões relacionais, financeiras. Às vezes, não tem ânimo para transar porque está pensando em como dar conta dos boletos a pagar”, diz.

Educadora sexual e empresária do ramo de produtos eróticos, Cris Arcuri observa que muitos homens têm perdido o foco no sexo devido a inseguranças econômicas que estão passando por conta da pandemia. O tal novo normal comprometeu o imaginário masculino. “Muitos não conseguem largar o celular para ter foco no relacionamento. Antes, a pessoa chegava em casa, deixava o aparelho de lado, e se entregava ao relacionamento”, repara. Para Cris, as mulheres, embora sobrecarregadas, por outro lado, passaram a questionar mais as suas vidas sexuais, se estavam sendo boas ou não, e se abriram à autossatisfação com maior uso de vibradores.

Vigilância

Também especialista em luto, a psicóloga clínica Maria Júlia Uchôa sustenta que estamos em uma busca constante por proteção e, por isso, os organismos podem ficar hiperativados. Há também uma vigilância constante que faz com que quase todo mundo tenha um receio de extravasar demais e é por essa série de fatores listados que o sexo vai ficando em segundo plano.“As pessoas estão tentando garantir a sua sobrevivência e esse movimento de garantir a sobrevivência, muitas vezes, não comporta o sexo, mesmo que essa seja uma dimensão importante de ser valorizada e vivenciada”, completa Uchôa.Ainda é cedo para mensurar como a pandemia afetou e continua afetando as pessoas. O pesadelo ainda não acabou, mas as psicólogas mencionam que já se sabe que cresceram os números de divórcios, o uso de aplicativos de relacionamento, consumo de pornografria e a compra de vibradores. Dourado diz que tanto pessoas solteiras quanto as que dividem o mesmo teto estão sofrendo, cada uma a seu modo, porque lhe foi tirado algo essencial: a liberdade de escolher quando se afastar e se aproximar de outra pessoa.

*Nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados

A pandemia te fez perder o tesão? 8 dicas para voltar a ter fogo no raboFontes: psicólogas Maria Júlia Uchôa, Liliane Ramos, Laís Dourado, Eliane Alves e Lívia Castelo Branco

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1. Comece com micro-ações O momento é tão tenso que relaxar parece demais. É como se fosse algo não autorizado. Mas você está vivo e precisa se lembrar disso! Recorde-se da sua humanidade. Ponha uma música que você goste e que faça seu corpo vibrar, faça respirações profundas, olhe bem as necessidades do seu corpo. Se ele está pedindo água, beba naquela hora, não deixe para depois. Essas pequenas ações vão te ajudar a ter mais clareza sobre o que seu corpo pede e, a partir dessas noções, você terá melhor condição de se dar o direito ao prazer.

2. Pergunte-se Por quais motivos você está ou não está fazendo sexo? Se a resposta for muito diferente da ideia de sentir prazer e ajudar com que o outro também sinta, é hora de repensar a vida sexual. Sexo é entrega, não é uma tarefa diária a ser cumprida.

3. Tente o diálogo Se o sexo está rotineiro, pare e converse. Tenha um diálogo amigável e proponha quebrar essa rotina. Leve para a cama brinquedos, ideias, experimentações que deixem vocês à vontade. Mas é importante lembrar que o sexo vem muito antes da cama. Está diretamente relacionado a como vocês se tratam, desde a forma de conversar. Se o seu parceiro ou parceira está reivindicando sexo, é bom parar para pensar: O que eu estou fazendo que a pessoa está tendo que me pedir? Será que é por que estou perdendo a minha libido? E tendo isso em vista, é essencial conversar para deixar bem transparente quais são os fatores que estão te afetando para que, juntos, vocês busquem uma solução.

Você pode iniciar a conversa falando que sentiu o parceiro ou parceira mais distante. Busque saber o que aconteceu. Fale o que você acha atraente no outro. Esclareçam suas inseguranças.

4. Busque estímulos Lembre-se das sensações que te levam ao prazer e desfoque dos pensamentos que geram tensão. Com tensão não há tesão! Se os sintomas de desprazer persistirem, talvez você precise de ajuda profissional.

5. Faça atividade física Cuidar da saúde do corpo é também cuidar da mente. Busque uma atividade física que te satisfaça, que te reconecte com o seu corpo e faça você conhecer os potenciais e os limites dele. Os exercícios físicos te darão mais vigor e ajudam a melhorar a autoestima.

6. Relaxe Meditação e ioga são atividades que ajudam no relaxamento para ter uma vida sexual mais plena. Procure exercícios que te fazem diminuir a tensão para lidar melhor com o estresse. Vai ser bom para todos os aspectos da sua vida.

7. Se olhe e se conheça Conheça o seu corpo, se olhe no espelho e pratique a sensualidade. Pode ser por meio da roupa, gestos convidativos.

8. Volte ao namoro Dê atenção, seduza. Faça joguinhos de sedução para despertar o desejo. Paquerem. Assistam filmes românticos. Se olhem com olhares de conquista. Façam atividades juntos, como cozinhar e se exercitar.