Empresa de ônibus suspende contrato de aposentados e em experiência

Suspensão será por 4 meses; plano de saúde e tíquete alimentação seguem

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 25 de março de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva

O Consórcio OT Trans, da linha verde, em Salvador, anunciou nesta terça-feira (24) a suspensão por quatro meses do contrato de trabalhadores que iniciaram no serviço em janeiro deste ano e de aposentados que ainda estão na ativa.

A medida é reflexo da baixa demanda no transporte coletivo, gerada pelo isolamento social por conta da COVID-19. Segundo a empresa, o tempo da suspensão pode ser reduzido ou adiantado, a depender da evolução da doença na sociedade.

O anúncio foi feito por um preposto da empresa, diante de cerca de 200 colaboradores. Não se sabe o número certo de quantos tiveram os contratos suspensos – só de aposentados, são ao menos 136.

O Sindicato dos Rodoviários do Estado da Bahia informou que a suspensão foi acordada com a empresa. Contudo, o sindicato orientou aos trabalhadores que não sejam novatos nem aposentados a não assinarem qualquer suspensão de contrato. Procurado, o Consórcio OT Trans não se pronunciou.

Num vídeo do anúncio, divulgado pelos próprios trabalhadores, o gerente da empresa, Sinésio Freitas, disse que “a empresa tomou a decisão para tentar amenizar um pouco o que está aí e o que pode vim a acontecer”. Segundo ele, aos trabalhadores com contrato suspenso estão garantidos o plano de saúde e tíquete alimentação (R$ 560).

“A empresa hoje tomou a decisão de fazer o seguinte: os aposentados, hoje de manhã a gente já pegou 136 pessoas aposentadas e suspendeu o contrato de trabalho provisório, a mesma coisa para os recém-contratados, de janeiro até hoje, não é demissão, vai suspender o contrato”, declarou Freitas.

O gerente da empresa disse que os trabalhadores que tiveram a suspensão do contrato serão mantidos em suas vagas quando a crise passar. Um deles é Joel Mendes de Paula, que aos 81 anos ainda quer voltar a trabalhar. Ele é do setor da área técnica de baterias e atua na assistência aos veículos da empresa.

“É uma situação que nunca vi na vida, só mesmo na música de Raul Seixas, ‘O dia que a terra parou’. Tenho certeza que eu e os demais trabalhadores serão chamados para o serviço assim que essa crise passar”, disse ele, cujo salário é de R$ 1.800, e ainda ganha aposentadoria (não revelou o valor), com a qual se manterá nesse tempo.

Morador da Ribeira, seu Joel disse que pretende ainda voltar ao trabalho porque “a empresa é muito boa, não tenho o que reclamar do meu trabalho. Só saio de lá quanto estiver de muletas”, afirmou o aposentado.

O Sindicato dos Rodoviários do Estado da Bahia alertou para o problema da falta de ônibus coletivos nas ruas da cidade para garantir o transporte de trabalhadores que atuam em serviços essenciais. O acordado, de acordo com o sindicato, era de que ao menos 30% da frota seria mantida, mas “o que está nas ruas não chega a 20%”.

O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Salvador (Setps) informou que se pronunciará sobre o assunto nos próximos dias. As outras empresas que fazem parte do Consórcio Integra, Plataforma (linha amarela) e Salvador Norte (linha azul), foram procuradas pelo CORREIO, mas não se pronunciaram.

Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Mobilidade (Semob) informou que, devido às medidas de isolamento social para combater a proliferação do coronavírus, houve significativa queda na demanda de passageiros, o que levou a um ajuste proporcional na oferta de transporte público na cidade de Salvador.

“A Semob esclarece ainda, que a avaliação da demanda é feita diariamente e que a oferta programada é flexível, acompanhando a variação da demanda”, diz a nota. O Ministério Público do Trabalho (MPT) informou que iria buscar informações junto ao Sindicato dos Rodoviários e OT Trans sobre a suspensão dos contratos, mas adiantou que se eles tiverem sido feitos por meio de acordo coletivo não há ilegalidade.

Vulnerabilidade O MPT havia criticado “equívocos” da Medida Provisória 927, baixada hoje pelo Governo Federal, que, devido a críticas, revogou o artigo 18, o qual permitia que as empresas deixassem o trabalhador ficar por quatro meses em capacitação, sem receber remuneração ou aporte assistencial.

“O Ministério Público do Trabalho reforça a sua integração ao esforço concentrado de instituições em prol do combate à pandemia e a sua ampla e irrestrita disposição para o diálogo para que as medidas trabalhistas possam surtir efeito com o devido efeito”, afirma o comunicado do MPT.

O procurador-chefe do MPT na Bahia, Luís Carneiro, disse que o MPT da Bahia está atento e sensível a esse momento de extrema vulnerabilidade social, é preciso bom senso. “A legislação trabalhista não é pronta para encarar uma pandemia, mas há alternativas viáveis, precisamos avançar com cautela. Só se pode suspender contratos de trabalhos de forma legal”, declarou. Carneiro disse ainda que “não é possível a suspensão dos contratos de trabalho, sem o pagamento da contraprestação, estará em movimento de ilegalidade. Mas é importante que as soluções sejam construídas dentro de uma negociação, muito mais do que nunca precisamos de diálogo entre patrões e trabalhadores”.