Empresário criou empresas fantasmas em esquema que desviou R$ 38 mi na BA

Alex Ruaro foi preso em seu apartamento no condomínio  Villaggio Panamby, no Horto Florestal

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  • Da Redação

Publicado em 22 de agosto de 2018 às 09:30

- Atualizado há um ano

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O empresário Alex Ruaro Alves de Oliveira, dono da AXMóveis, que comercializa móveis para escritório na Rua Lucaia, no Rio Vermelho, em Salvador, foi preso pela Polícia Federal, terça (21), durante uma operação de combate a desvio de verba federal destinada ao transporte escolar de seis municípios da Bahia. Ruaro foi preso em seu apartamento no condomínio Villaggio Panamby, no Horto Florestal. No local, a polícia apreendeu R$ 116 mil em espécie e, em uma casa de praia do empresário,  mais R$ 710 mil, além de uma pistola e carros de luxo.

O dinheiro, segundo a Polícia Federal, é fruto de um esquema que consistia em fraudar processos licitatórios e posterior superfaturamento de recursos destinados pelo Programa Nacional de Transporte Escolar (Pnate), do Ministério da Educação, aos municípios de Alagoinhas, Casa Nova, Conde, Ipirá, Jequié e Pilão Arcado.

Empresário é preso pela PF em condomínio de luxo no Horto

A operação, batizada de Offerus, cumpriu 19 mandados de busca e apreensão, um de prisão preventiva e dois afastamentos provisórios de prefeitos. Houve ainda a quebra de sigilo fiscal e bancário dos principais envolvidos e arresto de bens com valor acima de R$ 5 mil. 

O trabalho contou ainda com a presença de 21 auditores da Controladoria-Geral da União (CGU).

O esquema  De acordo com as investigações, os editais de licitações  eram elaborados para afastar concorrentes, mediante a inclusão de cláusulas restritivas (idênticas, mesmo que em localidades diferentes). O esquema incluía, também, a desclassificação de outras licitantes que tentavam participar dos pregões. As empresas vencedoras não possuíam estrutura para executar o objeto (não havia veículos para o transporte de alunos e sequer funcionários). Elas atuavam como meras intermediárias, repassando o serviço para os motoristas locais.

Esses prestadores é que arcavam com todos os custos e recebiam um valor muito inferior ao da licitação. O resultado era o superfaturamento, em favor das contratadas, que chegava a mais de 100% do preço definido no edital. O valor dos contratos envolvendo as empresas do esquema totaliza R$ 130 milhões.

 Apenas nos municípios de Alagoinhas e Casa Nova, o superfaturamento chega a  R$ 38 milhões, no período de 2009 a 2017 - as duas cidades fizeram parte da 4º edição do Programa de Fiscalização em Entes Federativos (FEF), realizado pela CGU no ano passado e cujos relatórios encontram-se publicados no site do órgão. O montante efetivamente desviado será devidamente apurado no decorrer do inquérito.

Dinheiro bloqueado  De acordo com as investigações, um grupo de pessoas, incluindo empresários, servidores municipais, gestores e ex-gestores atuava, desde 2009, no direcionamento de licitações de transporte escolar para empresas de fachadas, constituídas em nome de “laranjas”. Foram bloqueados pela Justiça R$ 38 milhões dos envolvidos.

Também por determinação judicial foram afastados dos cargos por 10 dias os prefeitos de Ipirá e Pilão Arcado – cada gestor, segundo a Polícia Federal, recebeu cerca de R$ 50 mil. Os vice-prefeitos vão assumir a administração durante o período de afastamento. Em Ipirá, informou a polícia, o prefeito Marcelo Brandão (DEM) recebia o valor por meio de depósitos bancários. Já em Pilão Arcado, o prefeito Afonso Mangueira (PP) recebia o montante em contato direto com o empresário, muitas vezes o dinheiro era repassado em sacolas.

A PF utilizou a quebra de sigilo telefônico, além de ter acesso às imagens de uma gravação e trocas de mensagens entre os acusados do esquema. Os outros gestores estão sendo investigados – alguns deles são ex-prefeitos e atuaram na última gestão, como é o caso de Paulo Cezar Simões, da cidade de Alagoinhas, que está sendo indiciado por superfaturamento.

Paulo Cezar Simões, inclusive, é réu em uma ação penal junto com Alex Ruaro de autoria do Ministério Público Federal, que deu entrada na Justiça em 2016. Simões não foi localizado para comentar o caso, assim como os advogados de Alex Ruaro, que aparece como contratado pela prefeitura de Cipó, em 2009, numa licitação para fornecimento de móveis para escritório em que a vencedora foi a AXMóveis. O contrato foi de R$ 5,1 mil.

Segundo a Polícia Federal, as investigações começaram quando uma empresa que perdeu a licitação no ano de 2009 decidiu denunciar ao Ministério Público da Bahia (MP-BA) a fraude no contrato do transporte escolar na cidade de Alagoinhas. A PF passou a apurar o caso, em 2011.

Durante as investigações, foi possível verificar que havia, além de uma fraude, um superfaturamento nos contratos. “O contrato de Alagoinhas começou em 2009 e, no mesmo ano, já tinha registro de pagamento de propina para servidores públicos envolvidos e pessoas muito próximas ao prefeito”, disse a delegada Luciana Matutino. Ela informou  que a esposa do ex-secretário de Saúde da cidade foi responsável por receber R$ 586 mil. A partir das informações do CGU, a PF instaurou um novo inquérito em 2017, constatando fraudes também em outras cidades. 

Empresa aberta há 18 anos O CORREIO apurou que a maioria dos contratos feitos com as prefeituras de Alagoinhas, Ipirá, Conde e Casa Nova era com a empresa WS Locação de Veículos e Comércio de Móveis Ltda, que está em nome de Vanuza de Cássia Dias Costa e foi aberta em 2000 com capital social de R$ 2,2 milhões.

No contrato de renovação para 2018 com a prefeitura do Conde, no entanto, quem aparece como representante da empresa é Alex Ruaro – o valor do contrato não é informado na publicação do Diário Oficial do Município. Já no contrato entre a empresa e a prefeitura de Ipirá, quem assina é Vanuza. 

A AXMóveis é uma empresa lícita, mas, segundo a Polícia Federal, foi utilizada para abrir mais três empresas, todas fantasmas. “Ele usou os seus empregados (da AX Móveis) para servirem de laranjas em outras três empresas de transporte escolar. Com isso, venciam as licitações e distribuíam propinas”, afirmou a delegada Luciana Matutino.

Terça pela manhã, duas viaturas da Polícia Federal estiveram na AXMóveis. Os agentes chegaram ao local às 6h e só deixaram o prédio por volta das 9h30. Do segundo andar da loja, a Polícia Federal saiu levando malotes, documentos e um computador.

Um funcionário foi levado para sede da PF para prestar depoimento – ele é um dos “laranjas”. O depoimento durou cerca de duas horas e, ao deixar o prédio, o funcionário se recusou a dar entrevistas à imprensa.

Por telefone, um homem que se apresentou como contador terceirizado da WS Locação informou que “a denúncia da PF não tem cabimento” e que “Vanuza é esposa do dono da empresa, não é uma laranja”. “Vamos provar nossa inocência na Justiça, depois vamos divulgar uma nota”, afirmou. 

Aplicativo Com um celular à mão, o cidadão comum pode ter um grande papel no combate a desvios de verba pública, sobretudo no que se refere a obras da educação, como escolas e creches.

Lançado em agosto de 2017 pelo Transparência Brasil, uma ONG que atua no combate à corrupção e ao desvio de recursos públicos no Brasil, o aplicativo “Tá de Pé” permite que o cidadão envie para a ONG fotos do andamento das obras.

“A partir dessas imagens, damos início a uma investigação sobre se o que está sendo feito está dentro do previsto, e cobramos respostas aos órgãos competentes”, disse a diretora de operações da Transparência Brasil, Juliana Sakai.

Prefeituras dão suas versões Apesar do afastamento por dez dias do prefeito Marcelo Brandão (DEM),   a prefeitura de Ipirá  diz que não tem nada a temer. “A PF esteve aqui, nós colaboramos, demos toda a documentação pertinente, em todos os locais em que essa empresa (a WS Locação de Veículos) trabalhou, nós não temos nada a esconder”, disse o chefe de Gabinete, Edson Costa.

Segundo ele, a empresa estava prestando o serviço há oito meses e foi dispensada há dois meses porque estava querendo diminuir o lucro dos motoristas de ônibus”. E “se terceirizava ou não, não é do conhecimento da prefeitura”,diz  Costa.

O contrato da prefeitura com a empresa diz que “é admissível a fusão, cisão ou incorporação da contratada com/em outra pessoa jurídica, desde que sejam observados pela nova pessoa jurídica todos os requisitos de habilitação exigidos na licitação original”.

A prefeitura de Casa Nova informou que “os arquivos alvo das buscas da PF são referentes ao  governo anterior, vinculados à área de transporte escolar” e que “o atual governo reitera que nenhum ato praticado durante a atual gestão está sob investigação”.

Em Alagoinhas, a gestão atual declarou que não fez contrato com a WS Locação de Veículos, tendo o mesmo se restringido à gestão passada. 

“Toda a equipe da Secretaria Municipal de Educação colaborou com a ação da PF, fornecendo documentos necessários para a investigação, backups de arquivos e prestando esclarecimentos acerca de ex-gestores da pasta, conforme solicitado pelos agentes”, diz a nota da prefeitura.

A prefeitura de Jequié declarou que realizou uma licitação para o transporte escolar em junho de 2017 e que se deu por fracassada, porque os concorrentes não preencheram os requisitos. No mês seguinte, o MP-BA abriu inquérito para “apurar a existência de supostas irregularidades no Processo de Licitação nº 053/2017, destinado à contratação de transporte escolar, ante as notícias de suposto direcionamento em favor da empresa WS Locação de Veículos, com possível participação da empresa Consulte Licitação”.

Mas a gestão, “posteriormente, firmou Termo de Compromisso com o Ministério Publico da Bahia e o cumpriu na sua integralidade”, afirma a nota.  O CORREIO não conseguiu contato com as prefeituras do Conde e de Pilão Arcado.

*Sob a supervisão do chefe de reportagem Jorge Gautiher