Empréstimo não pago põe fim a amizades, aponta SPC Brasil

Quase 50% das pessoas que já pediram o nome emprestado não emprestariam o seu

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  • Priscila Natividade

Publicado em 28 de outubro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Ilustração: Morgana Miranda/ CORREIO

"Momento complicado, o limite do cartão estourou... Estou passando por dificuldade ou acabei caindo no cheque especial". Quem nunca ouviu um desses argumentos na hora que um amigo chega pedindo uma ajudinha financeira? E aí o coração não aguenta, quer dizer, o bolso. Segundo uma pesquisa feita recentemente  em todas as capitais do país pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) aponta que a  amizade ficou abalada em 51% dos casos em que houve falta de pagamento.  

E pra não dizer que quem avisa, amigo é, há outro dado chama ainda mais atenção: embora tenham sido beneficiados pela ajuda de outra pessoa, quase metade (49%) de quem pediu o nome emprestado não emprestariam o seu próprio nome caso alguém fizesse o mesmo pedido a ele. 

“A pessoa acaba sendo pega de surpresa. Quando este amigo vem pedir o dinheiro ou o cartão emprestado ele já pensou em como vai te abordar. E aí por conta da amizade fica aquele estado de constrangimento que acaba aceitando emprestar”, explica o educador financeiro do SPC Brasil e do Portal Meu Bolso Feliz, José Vignoli. 

O cartão de crédito é o meio de pagamento mais solicitado (74%) por quem pede o nome emprestado para fazer compras. Em seguida, aparecem crediário (13%), financiamento (10%) e empréstimo bancário (9%). “O cartão é a modalidade mais rápida e mais fácil, por isso a mais solicitada. Na maioria das vezes, a história se inverte: o amigo não cumpre o compromisso e quem emprestou é o ruim. Só que no final das contas, ele é quem fica com o nome negativado. Sem dúvida, isso estremece as relações”, completa. 

 ‘Coração mole’

O psicólogo Weslei Sales sabe bem o que é passar por esse tipo de situação. Ele   emprestou o cartão de crédito para uma amiga e estava indo tudo bem até ela atrasar a terceira parcela de uma compra dividida em dez vezes. 

“Sempre tivemos uma relação muito próxima, saíamos juntos, dormia um na casa do outro. Ela queria fazer uma compra, mas o limite do cartão dela não dava, aí pediu o meu. Eu, prontamente, cedi o meu cartão pra ela fazer a compra e ainda ajudei a escolher o produto. Me disse que antes do vencimento me pagaria já algumas parcelas adiantadas”, lembra.

A fatura venceu. E a amizade também: “Quando finalmente criei coragem e perguntei quando ela pagaria, ela me disse que estava passando por um momento complicado, mas que logo, no próximo mês, me pagaria todo o saldo, mesmo antes do prazo final. Porém, no mês que isso aconteceria ela simplesmente desapareceu”. 

Não teve jeito e então Wesley arcou com o prejuízo. “Fiquei preocupado porque precisei desembolsar um valor que não estava no meu orçamento. Ela sempre me evitando, não retornando ligações, recusando convites. Não tenho raiva dela, mas fiquei decepcionado. Esperava pelo menos uma desculpa, alguma resposta. Eu perdi uma amiga porque não soube dizer não”.

O planejador financeiro da Planejar Associação Brasileira de Planejadores Financeiros, Orlando Lincoln, dá a dica de como agir nestes casos. “Nunca fale sobre o limite do seu cartão de crédito. O diálogo é sempre o melhor caminho. Apesar de a relação estar abalada, mantenha contato com seu amigo para tentar receber a dívida”, recomenda Lincon.

Outra orientação é ter cuidado com o aspecto emocional. “Em muitas destas decisões, quem empresta acaba deixando a racionalidade de lado. Avalie sempre o que será comprado, o valor total, a forma de pagamento, a finalidade da compra e também o motivo pelo qual o amigo não consegue efetuar a compra em seu próprio nome”. 

Dá pra dizer não?

A auxiliar administrativa Patrícia Oliveira também tem uma história para contar sobre  amizade perdida por causa de dinheiro. O caso dela, no entanto, foi ainda mais grave porque ela acabou contraindo um empréstimo para um colega do trabalho na mão de um agiota. 

“Tinha acabado de ser promovida e esse colega me pediu para tomar um empréstimo na mão de um agiota. A esposa dele estava grávida, me compadeci e peguei. Achei que ele estava pagando as parcelas, mas um ano depois o agiota apareceu no meu trabalho para me cobrar. Eu chorei desesperada”.

O valor era algo em torno de R$ 800, grana que Patrícia não sabia de onde tirar. “Tive que pegar um empréstimo para poder pagar. Fora que eu atrasei até o meu aluguel”, lembra. 

Para ela, interfere muito quando você se imagina no lugar do outro. “Eu me questionava: se um dia eu precisar de ajuda também? Mas quem tem sua vida organizada não precisa pedir emprestado. Foi o que eu aprendi com isso”. 

Segundo a planejadora financeira Virgínia Prestes, ninguém precisa negar ajuda a ninguém, mas deve entender se tem mesmo condições de arcar com aquela dívida caso o amigo não consiga pagar. “Sempre será difícil dizer não a um amigo ou familiar pela relação de confiança depositada entre as partes. Dizer ‘não’ soa como se a pessoa não confiasse no amigo, por isso as pessoas evitam. Se a pessoa for fazer isto de todo modo, que tenha em mente que este é um valor dado. Assim, se houver o não pagamento, já não será uma surpresa”, aconselha. 

A educadora em finanças pessoais, Carol Stange, pondera ainda que há outras maneiras de ajudar. “Se você tem algum capital para empréstimo, isso demonstra que você é, de alguma forma, bom com as finanças. Mostre o que você faz e como você faz para ter seu dinheiro sob controle. Essa é uma grande dificuldade das pessoas em geral, todos sabem que é preciso economizar, poupar e investir”, destaca.

DICA DA SEMANA: QUEM AVISA, AMIGO É... 

Avalie A primeira pergunta a responder para si mesmo é: eu tenho condições de emprestar e cobrir a dívida caso meu amigo não me pague? Pondere o que será comprado, o valor total, a forma de pagamento e a finalidade da compra. 

Converse com seu amigo francamente  O diálogo é sempre o melhor caminho. Seja sincero quanto a suas reais condições. Uma boa maneira de ajudar sem se endividar é orientar o amigo. Primeiro é preciso ajudá-lo a entender se o que ele quer comprar realmente é necessário e se a compra precisa ser nesse momento. 

Evite dizer que ‘vai pensar’ Isso acaba criando uma situação de constrangimento, principalmente, se você não fizer o empréstimo. Quanto maior a demora na resposta maior a pressão do outro amigo e maior o risco de abalar a amizade.

Como andam as finanças do seu amigo?    Antes de tomar qualquer decisão é importante avaliar a capacidade de pagamento do amigo que te pediu algum empréstimo: se estamos falando de alguém que sofre de desorganização financeira ‘crônica’ ou de quem, de fato, está atravessando um momento de dificuldade. 

Registre  O acordo verbal  pode acabar sendo distorcido, esquecido ou ignorado.  Deixar tudo por escrito  também exerce um efeito moral de compromisso com o pagamento do empréstimo pedido. Datas, parcelas e valores devem constar desse documento.

E se não pode ajudar...   Deixe sempre claro que não possui  recursos disponíveis. Não precisa reclamar da sua vida financeira nem mostrar a fatura do seu cartão de crédito, mas evite externar para o mundo inteiro sua boa condição financeira.