Escolas criam protocolos afetivos para receber alunos no volta às aulas na BA

Especialistas dizem que pandemia deve provocar mudanças definitivas no ensino

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  • Gil Santos

Publicado em 1 de fevereiro de 2021 às 06:10

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Martha Lopes e sua filha Marcella: retomada afetiva em casa (Foto: Acervo Pessoal)

Enquanto a população aguarda ansiosa pelo momento em que o novo coronavírus será apenas um episódio da memória, educadores afirmam que a pandemia está provocando mudanças que serão inevitáveis para a educação. Do currículo escolar à infraestrutura dos colégios, especialistas afirmam que a escola brasileira não será mais a mesma.

A data de retorno presencial às aulas ainda não foi definida pelas autoridades na Bahia, mas algumas escolas privadas estão retomando as atividades de forma virtual focando em um retorno mais afetivo. Esse é o caso do Colégio Villa Global Education onde os cerca de mil estudantes da instituição retornam às aulas on-line nesta segunda-feira (1º).

Retomar o ensino apenas de forma virtual já é uma mudança em relação ao tradicional, mas não apenas isso. A CEO da instituição e educadora, Viviane Brito, contou que o Protocolo Afetivo da instituição tem dois pilares, o Referencial de Conduta e Convivência e o programa de Acolhimento. Ele já exista antes da pandemia, mas precisou ser revisto.

“Depois de mais de dez meses de isolamento, e a gente ainda não sabe quando vai retornar [presencialmente], são diversas as consequências nessas crianças e jovens como a falta do sono, de atenção, distúrbios ansiedade, alteração de humor e tudo isso pode refletir na escola. Precisamos estar preparado para lidar com essas questões”, disse. Viviane Brito - Foto: Divulgação Quando as aulas presenciais retornarem, além da necessidade do uso de máscara e higienização das mãos, outras mudanças serão incorporadas à rotina. A individualização do material escolar, que já exista, será reforçada; os brinquedos de uso comum serão abolidos, e serão permitidos apenas objetos pessoais; e a adoção de atividades de cunho socioeducativo e de acolhimento vão se tornar mais frequentes.

A interação entre turmas também deve diminuir, ao menos nesse primeiro momento, para evitar aglomerações; a higienização das mãos acontecerá a cada 30 minutos; haverá aferição de temperatura na entrada da escola; e todos os dias será realizada uma pesquisa sobre o estado de saúde dos alunos. Além disso, questões ligadas à pandemia e as consequências dela serão incorporadas ao dia a dia das crianças.

Todas as mudanças serão explicadas aos pais em palestras com especialistas antes do retorno presencial. Na rede pública de Salvador as aulas virtuais também serão retomadas em fevereiro, mas a data ainda não foi divulgada. Já os encontros presenciais dependem do cenário da pandemia e da parceria com o Governo do Estado.

Desafio Para os especialistas algumas das mudanças provocadas pela pandemia já deviam ter acontecido antes mesmo da quarentena. O pesquisador e professor da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Nelson Pretto destacou os problemas de infraestrutura das escolas, principalmente das unidades públicas, como um ponto que já devia ter sido revisto.

“Estou me referindo a arquitetura das escolas de uma maneira geral. Os prédios precisam ter mais ventilação, arborização, acesso a internet etc. E o mais importante: é preciso pensar a escola como um local que vai além do conteúdo, pensar na formação completa do estudante, e na construção da visão crítica”, afirmou.

A ideia de repensar o currículo escolar como mais uma mudança inevitável é apontada por outra pesquisadora, a doutora e professora da Faced Telma Brito Rocha. Ela estuda Didática, Formação de Professores e Avaliação na Educação Online, e acredita que será preciso rever as práticas pedagógicas, o papel da educação científica, sobretudo as questões ligadas ao meio ambiente, e o enfrentamento às notícias falsas.

“As escolas não vão retomar a normalidade como a gente quer, nem as instituições privadas vão consegui esse nível de normalidade, embora esteja à frente da rede pública. No caso da rede pública as desigualdades são maiores, e a pandemia vai aumentá-las ainda mais. Além disso, falta diálogo entre as instâncias de poder e os professores para discutir e pensar soluções para essas questões”, afirmou.

O profissional de educação também terá que passar por uma capacitação mais ampla voltada tanto para o domínio das tecnologias como para mudanças na prática pedagógica. Para a estudiosa, a pandemia evidenciou um antigo problema: tratar o aluno apenas como receptor de mensagens não funciona, seja no modelo presencial ou virtual. “É preciso repensar a comunicação, um desafio a mais na formação desse professor”, disse.

Experiência A administradora de empresas Martha Lopes, 52 anos, tem três filhas em idade escolar e contou que a substituição dos encontros presenciais pelas aulas virtuais provocaram alterações na rotina. As meninas ficaram mais sonolentas e passaram a dedicar mais tempo ao celular.

“Foi preciso adequar a velocidade da minha internet. Eu sou de uma época em que informática não era prioridade, não sou expert nesse assunto, então também precisei de ajuda, mas elas se adaptaram rapidamente. No início, a grande dificuldade foi acordar cedo, elas estavam dormindo tarde por conta de não estar saindo, ficar conversando, vendo filme, no celular etc, então foi um desafio”, contou.

Apesar das mudanças repentinas e das dificuldades nas primeiras semanas, Marcella Pinheiro, 11 anos, foi considerada a melhor aluna da classe e disse que aprovou o novo modelo de aula virtual.

“No início tive dificuldades, mas depois me adaptei. Passei a ter mais tempo para me dedicar ao que eu gosto de estudar. Os professores também ficaram mais disponíveis para esclarecer as dúvidas. Eu adorei. O ruim foi perder a interação presencial com meus colegas, isso desmotiva um pouco, mas eu gostei da experiência”, contou.

Para resolver o problema do distanciamento, os estudantes criaram grupos de interação na internet, mas afirmam que não é a mesma coisa de estar presencialmente com os amigos.

Volta às aulas Na semana passada, a Prefeitura de Salvador informou que está trabalhando para retomar as aulas presenciais em março, mas que isso vai depender do cenário da pandemia e que deve acontecer em conjunto com o Governo do Estado. Uma reunião entre representantes das duas instâncias ocorrerá nos próximos dias para discutir o assunto.

Em nota, a Secretaria Estadual da Educação (SEC) disse que as aulas presenciais nas escolas públicas e particulares de toda a Bahia permanecem suspensas até o dia 7 de fevereiro de 2021.

“A prorrogação do decreto governamental nº 19.529/2020  foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) deste sábado (30). A expectativa é de retorno assim que as taxas de contaminação da Covid-19 diminuírem. Qualquer decisão de retorno das atividades presenciais será válida para todas as  redes de Educação, públicas e privadas.”, diz a nota. 

Mudanças inevitáveis na educação a partir da pandemia:

1. Repensar a arquitetura das escolas, com espaços mais amplos e salas mais arejadas;

2. Revisar o currículo escolar com maior estímulo ao senso crítico e a formação ampla;

3. Corrigir falhas na comunicação e nas práticas pedagógicas;

4. Capacitar os educadores para lidar com tecnologia e fake news;

5. Incorporar de forma mais veemente a tecnologia aos processos de aprendizagem;