Espero me tornar o oposto do homem que me ensinaram ser

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  • Gabriel Moura

Publicado em 15 de julho de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Certa vez, quando tinha por volta de 5 anos, eu voltava da cozinha em direção à sala, onde fui recepcionado por um tapa dado por meu pai. Sem entender a razão daquilo, olhei para a cara dele e vi que ele apontava para a minha mão. “Endireita isso daí. Você é macho, não pode desmunhecar”, disse ele.

Criança, eu não entendia exatamente o que aquela palavra grande e complicada significava. Só sei que, após o tabefe, passei a andar com as mãos mais rígidas que meu pulso infantil era capaz de aguentar.

Assim foi minha infância. Usar camisa rosa? Nem pensar. O choro precisava ser engolido e até os abraços em meu pai eram limitados. “Onde já se viu macho agarrado com macho?”, argumentava ele. Em compensação, o acesso à vasta coleção de Playboys de meu tio era liberado. “Tem que aprender desde cedo o que é bom”, apontava ele, orgulhoso, enquanto eu era apresentado a Carla Perez.

Tudo isso acontecia justamente naquela época em que seu pai é seu maior ídolo, o modelo a ser copiado. Por conta disso, e de outros fatores, eu passei muito tempo crente de que isso era ser homem e dava um jeito de reafirmar minha masculinidade e virilidade sempre que possível.

Me recusava a participar das peças de teatro e flash-mobs da escola. Afinal, dançar, cantar e atuar eram coisas de “mulherzinha”. Na quinta série tive um colega de classe com o estereótipo de homossexual e fazia questão de liderar o bullying contra ele, puxando um uníssono coro de “iiiiih, viadinho”, sempre que ele ousasse falar algo na sala de aula. Toda semana batia ponto na sala da diretora por me envolver em uma briga. E se eu voltasse machucado para casa, a exigência era de que meu rival estivesse mais ainda.

Eu era uma criança horrível, né? Eu sei. E o pior é que na época era o que parecia certo para mim. Chateação pra mim só se eu apanhasse numa briga, fosse rejeitado por uma garota ou perdesse a virgindade depois que meus colegas. Um monte de pirralho de 12, 13 anos disputando para ver quem era mais “macho” e não tinha ninguém para dizer “para que tá feio”.

Por isso que se fala tanto em desconstrução. Durante 15, 16 e talvez 17 anos da minha vida todos esses preconceitos e estereótipos de uma masculinidade utópica foram construídos em mim e demoli-los não é uma tarefa fácil de ser feita em sete anos - tenho 24 atualmente.

Eu ainda tive a sorte de cursar uma universidade pública, que me proporcionou ter contato com pessoas de classes, credos e vivências diferentes da minha. Foi lá que eu aprendi a ser quem sou. Na minha época de calouro me revoltava e não entendia quando alguém olhava para mim e me apontava como macho escroto. Hoje começo a compreender.

Compreendo, ouço, leio, estudo, ouço mais um pouco, trabalho, luto e, principalmente, ouço. Tudo para, quem sabe, um dia me tornar o oposto do homem que me ensinaram a ser.

*Gabriel Moura é repórter do Jornal Correio