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Da Redação
Publicado em 18 de abril de 2020 às 05:00
- Atualizado há um ano
Inveja mesmo, eu sinto é de quem dorme no ônibus. E de pessoas distraídas que esquecem objetos em lugares inusitados. Também invejo aqueles que os encontram e emprestam alguma subjetividade a eles. Estar atento é cansativo sem o repouso do acaso – esses portais repentinos que se abrem, em lapsos e elipses, no cotidiano.
Acordar em sobressalto. Longe de casa, ainda atordoado pelo sono. Um menino toca seu ombro como se fosse um anjo. Esteve ali todo o tempo. Entregue aos olhos do desconhecido, como por encanto, segue seguro até o ponto final do coletivo. Dali retorna sonolento. Talvez adormeça de novo. Chegará ao seu destino como em sonho.
Buscar na bolsa, no bolso, o documento. Essencial para movimentar um processo estagnado, estava ali ainda há pouco. Talvez o tenha deixado em algum trecho do trajeto entre o apartamento e o cartório. A certeza das mãos ocupadas. Na entrada do prédio, o esquecimento atravessa o Saara. Se fechar os olhos, quase pode ver a caravana.
O sentimento de que a vida é inexata torna frágil a precisão do poema sobre a navegação. É preciso enfrentar outra vez o processo burocrático da perda. Molhar as plantas com cuidado, sem pressa, como se não houvesse amanhã. E não há mesmo. Água fresca nas folhas da memória, tão verdes quanto se pensa o coração.
Mas será só intuição que ainda pensasse nele? Será só coincidência que o vento tenha trazido aquela certidão de casamento justo no dia da separação? Vivia esperando que algo mágico acontecesse. Então ali, quem sabe, estivesse o sinal do que ainda existia entre eles. Pensando nisso, dobrou o documento achado no chão em quatro partes.