'Estou a ver navios', diz morador que teve casa demolida em Pituaçu

Inema diz que moradores da Vila Nicuri ocupam área protegida de parque

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 18 de dezembro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

É na Rua Sítio do Pombal, bairro de Pituaçu, que fica a Vila Nicuri. Com cerca de 50 anos de existência e abrigando 33 famílias, o lugar virou alvo de disputa entre o Governo do Estado e a população. Desde o último dia 4, o Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), responsável pela gestão do Parque de Pituaçu, realiza uma ação contra imóveis irregulares na área, que é protegida.

Moradora local há mais de 10 anos, a servidora Elaine Falheiros contou ao CORREIO que duas casas já foram demolidas - uma delas nesta segunda-feira (17). Segundo Elaine, desde 2015 os moradores são informados da possível demolição pelo Inema; o órgão alega que a vila está ocupando o Parque de Pituaçu de forma irregular.

Elaine indica que as demolições tiveram uma pausa de 10 dias por conta de uma liminar que a defensora pública Betânia Ferreira, do Núcleo Fundiário da Defensoria Pública do Estado (DPE), conseguiu junto ao Tribunal de Justiça (TJ-BA). A Justiça ordenou ao Estado que parasse com a demolição por 10 dias. A liminar venceu na última sexta e, agora, as demolições foram retomadas. 

A primeira casa demolida pertencia ao aposentado Jorge de Jesus dos Santos, 52. O imóvel estava em processo de construção. Em entrevista por telefone, o proprietário contou que está morando de favor na casa de uma prima no Jardim das Margaridas enquanto finalizava a construção da casa no terreno que comprou em 2010.

Segundo o aposentado, o acerto com a prima era de colocar os telhados na casa da Vila Nicuri ainda neste ano e fazer a sonhada mudança.

“Comprei o terreno um pouco depois que a empresa onde trabalhei como metalúrgico por 22 anos fechou. Me aposentei e percebi que não tinha nada realmente meu; foi quando comprei o terreno. Fui construindo a casa aos pouquinhos e ainda não tinha terminado porque passei por um divórcio no último ano e tive que dividir todos os meus bens", comentou ele."Agora, com a demolição, eu não sei o que fazer. É muito triste porque tinha planos de me mudar e morar junto com minha filha nessa casa", conta Jorge.O aposentado conta que procurou a Conder (autarquia vinculada à Secretaria estadual da Infraestrutura) e a Secretaria da Administração do Estado (Saeb) alegando que não recebeu qualquer notificação sobre a derrubada do imóvel e querendo comprovar que possui documentos atestando a compra e alvará de construção no terreno. Apesar disso, não conseguiu nenhuma resposta dos dois órgãos.“Ainda estou a ver navios e em choque. O investimento que fiz ali foi pensando em ser meu porto seguro”, desabafa o aposentado.Nesta segunda, foi demolida mais uma casa. Além disso, o Inema informou aos moradores que irá derrubar os muros de algumas residências da vila por serem consideradas invasões de área do Parque de Pituaçu.

É o caso de Elaine Falheiros - o muro da casa dela e de outro vizinho será demolido nessa terça (18). A medida incomoda os moradores, que se sentem desprotegidos contra eventuais assaltos e invasões de bandidos, que podem se aproveitar da ausência dos muros para acessar às casas com facilidade.

Em nota, o Inema afirmou que desde o dia 4 de dezembro realiza uma ação especial para conter imóveis irregulares dentro da poligonal do Parque de Pituaçu, mais especificamente na Vila Nicuri, e que a ação é realizada pelo órgão em conjunto com a Procuradoria Geral do Estado (PGE), Saeb e Polícia Militar através da Companhia de Proteção Ambiental (Coppa).

O CORREIO questionou o Inema sobre a quantidade de imóveis que serão demolidos, além do cronograma de ação na vila e sobre a existência ou não de programas indenizatórios para os moradores, que alegam morar no local há muito tempo (em alguns casos, sem para onde ir). Apesar do pedido de informações, não obteve resposta sobre isso. Máquinas devem continuar trabalhando no local nos próximos dias (Foto: Marina Silva/CORREIO) A assessoria de comunicação informou apenas que o Inema busca a restauração da área degradada pela vila para que o local volte às suas condições naturais, em um trabalho feito em conjunto com as diretorias de Biodiversidade (Dibio) e Unidade de Conservação (Diruc). 

Além disso, o Inema afirma que realiza esse tipo de ação na área do Parque de Pituaçu “para promover a proteção ao público e ao meio ambiente, contendo os impactos ambientais diversos e as ocupações irregulares, minimizando problemas fundiários, no intuito de sensibilizar e engajar a população na preservação do Parque”.

História da Vila Segundo contam os moradores, a Vila Nicuri nasceu há 50 anos após o dono de uma antiga construtora, conhecido como Yamazaki, ou simplesmente “o japonês”, oferecer um terreno para Valdir Alvares, caseiro então com 45 anos, construir sua casa no local. Assim ele fez e junto com sua esposa, Rosa Bispo da Costa, começou a construir sua moradia.

A partir daí toda a história se fez: o casal Rosa e Valdir teve filhos, que construíram no lugar e assim foi sucessivamente: nascia a Vila Nicuri, bem próxima do Parque de Pituaçu. 

Com o passar do tempo, moradores mais antigos foram vendendo terrenos para novos moradores e assim a vila foi ocupada. Ainda assim, segundo Elaine Falheiros, o imóvel mais recente era o de Jorge Jesus, que foi demolido após o terreno ser comprado em 2011. Fora isso, “a maioria dos moradores tem pelo menos 10 anos por aqui.”

A vizinhança com o parque combina com o vilarejo, que tem registrado em seu estatuto social a preocupação com o meio ambiente. Tudo isso está devidamente protocolado e registrado no 2º Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, sob o número 47324. 

“A Vila Nicuri sempre esteve empenhada na preservação da área de proteção ambiental ao redor, por termos a plena consciência de que a mesma merece ser preservada única e exclusivamente por ser área ambiental, independentemente da titularidade de sua propriedade”, conta Elaine, que mora na comunidade com o marido e as duas filhas gêmeas.

O CORREIO procurou a Saeb, Conder e Secretaria do Meio Ambiente (Sema), que controla o Inema, para ter informações sobre a quantidade de casas demolidas, plano de indenização dos moradores e entender o porquê de fazer essa ação após cinco décadas.

Os três órgãos informaram que a ação na Vila Nicuri é de responsabilidade do Inema, que se pronunciou apenas através da nota que está, na íntegra, abaixo.

"O Governo da Bahia deu início na manhã desta terça-feira-feira (4) uma ação especial para conter os imóveis irregulares localizados dentro da poligonal do Parque de Pituaçu, mais especificamente na Vila Nicuri.

A ação é realizada pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), autarquia responsável pela administração do Parque, em conjunto com a Procuradoria Geral do Estado (PGE), Secretaria da Administração (Saeb) e Polícia Militar, por meio da Companhia de Polícia de Proteção Ambiental (COPPA).

Após a remoção dos imóveis irregulares, o Inema já articula junto com as suas diretorias de Biodiversidade (DIBIO) e Unidade de Conservação (DIRUC) a restauração da área degradada, com o intuito de devolver ao ambiente as suas características naturais.

Assim, o Governo do Estado mantém gradualmente suas ações nas áreas limítrofes do Parque de Pituaçu para promover a proteção ao público e ao meio ambiente, contendo os impactos ambientais diversos e as ocupações irregulares, minimizando os problemas fundiários, no intuito de sensibilizar e engajar a população na preservação do Parque.”