Estrelas da MPB cantam para Mãe Carmen

Ialorixá do Terreiro do Gantois é homenageada em álbum que será lançado nesta quarta (04)

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  • Da Redação

Publicado em 4 de setembro de 2019 às 06:11

- Atualizado há um ano

. Crédito: André Sant´Ana / Divulgação

Um sonho de mais de dez anos que finalmente será realizado. A originalidade rítmica dos arranjos e das letras em iorubá marcam as canções do álbum Obatalá: Uma Homenagem à Mãe Carmen, que será lançado hoje em evento que acontece no Terreiro do Gantois, às 19h. A homenagem,  sintetizada no  disco, reúne 18 artistas da música brasileira, que cantam 17 canções, em solos ou duetos, fazendo referência principalmente a Oxalá, orixá da ialorixá.

“O que me despertou a fazer parte desse projeto está muito ligado ao combate às intolerâncias, não só religiosa, mas a todo esse meio intolerante”, conta a produtora Flora Gil, responsável pela direção geral do projeto. Para ela, muito além de marcar a figura da mãe de santo,  o trabalho é um presente para as futuras gerações: “Essas homenagens aos orixás são registros para guiar gerações sobre a cultura africana e o candomblé. Se torna um objeto de estudo, que perpetua esse conhecimento”, completa. Margareth Menezes foi uma das escolhidas para cantar no disco (Foto: André Sant´Ana/Divulgação) Para a homenageada, presenciar um momento como esse é difícil de descrever: “O sentimento é muito suave, profundo e eterno. É de gratidão”, diz Mãe Carmen. Para a filha mais nova de Mãe Menininha (1894-1986), antiga matriarca do terreiro, o CD também se torna importante pelo acolhimento dos artistas  ao projeto. “Cantando com tanta reverência e respeitos os nossos Orikis (saudação ou louvor), que dizem muito sobre os nossos orixás, além de preservar a nossa memória e deixar um legado para todos”, lembra.

O time de  peso inclui  Gilberto Gil, Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, Margareth Menezes, Gal Costa, Jorge Ben Jor, Daniela Mercury, Alcione, Lazzo Matumbi, Marisa Monte, Matheus Aleluia, Zeca Pagodinho, Nelson Rufino, Márcia Short, Félix Ayoh Omidire, e Luciana Baraúna. O diretor musical Yomar Asogbá, que é filho do Gantois, também participa em um dos cânticos, além da própria Carmen, que solta a voz em duas faixas. “Foi uma surpresa para mim, apesar do susto, deu tudo certo!”, brinca a ialorixá. "Um projeto como Mãe Carmen merece. Com delicadeza, responsabili- dade e dedicação", comenta Flora Gil, diretora geral do projetoO processo de construção do projeto prezou pela originalidade  da escolha das canções, valorizando  o timbre  de quem interpreta. Outro cuidado foi a pronúncia impecável de cada palavra ou expressão,  trazendo muita veracidade às faixas. Para auxiliar nesta interpretação, o álbum conta com a atuação do nigeriano Félix Omidire, que combina conhecimentos de música e da língua  iorubá. Alcione canta um dos cânticos que estão no CD. Mãe Carmen solta a voz em duas faixas (Foto: André Sant´Ana / Divulgação)  Além de cantar, Félix Omidire foi o responsável por passar para os artistas os detalhes por trás das letras, como explica o produtor musical Iuri Passos: “O Gantois é marcado por formar grandes alagbês (que são os músicos que tocam nas festas e  rituais do terreiro) e por isso chamamos um professor da língua iorubá. Eu e Alê Siqueira tivemos uma grande preocupação com os arranjos, que costumo falar que são coletivos, já que muitos surgem a partir de ideias dos músicos”."Mas no fim quem formou os arranjos foram os orixás. Colocaram as repostas no lugares certo", Iuri Passos, ptodutor musical do CDAlgumas faixas contam com narrativas explicando a mitologia sobre os orixás. Em Odekomorode, dedicada à Oxòssi, por exemplo, a contadora de histórias Vovô Cici, conta a história do orixá caçador, num belo dueto com Alcione.

Referência

As nove décadas de vida e dedicação ao candomblé tornam a figura de Mãe Carmen única. Independente do grau de proximidade ou referência que se tenha da ialorixá, os adjetivos são quase  unânimes ao descrevê-la. “Ela é força, uma marca que representa essa religião”, diz Iuri Passos. “É um poço de amor, que conduz aquele espaço e aquelas pessoas com acolhimento, firmeza, amizade. Ama mesmo sem receber nada em troca”, define a cantora  Márcia Short. E, mesmo com poucas palavras para definir, Flora ainda destaca a sequência do trabalho que Mãe Carmen fez no terreiro: “Ela tem um equilíbrio no seu poder que torna tudo ainda mais respeitado”.

Para Gilberto Gil, quase 15 anos mais novo que a religiosa, estar presente de forma ativa em um momento como esse é de um “prazer enorme”, afinal a trajetória do cantor se alinha muito com o propósito do disco e também do candomblé. “É uma honra para mim ver tudo isso acontecer, é uma resposta a todo o apreço que tenho pela história do candomblé, seja pelos cânticos ou pelos grandes personagens, como a própria Mãe Carmen”, diz Gil, que está em uma faixa solo e em parcerias com Jorge Ben Jor, Marisa Monte e Gal Costa. Jorgen Ben Jor e Gil fazem dueto em uma das canções (Foto: André Sant´Ana / Divulgação)  Márcia Short, que divide sua participação  com Margareth Menezes na música Roda do Orixá Oduduwa, lembra como a figura de Mãe Carmen se tornou comum em sua vida, principalmente por sua iniciação ter acontecido há pouco mais de 20 anos. Tudo acompanhado pela irmã da homenageada, Mãe Cleusa (1924-1998), que também se tornou figura importante na sua vida.

“Cresci cantando todas essas canções (do disco). É um processo delicado de criação esse trabalho, que traduzo como se estivesse fazendo o meu dever de casa. É um jeito de lembrar de Mãe Cleusa, de Mãe Carmen e do Gantois”, afirma. "É uma oportunidade de celebrarmos todos juntos a figura de Mãe Carmen", Márcia ShortVoltar à infância também é a sensação de Iuri. Hoje como produtor, os passos que dá dentro do  terreiro são reflexos de outras quatro gerações familiares que se iniciaram no candomblé dentro do  terreiro. “Sou quem eu sou graças ao Gantois, o terreiro é minha vida”, afirma. 

O nome do disco, homônimo a Oxalá, também se prende à história de Mãe Carmen. Aquele que remete à criação  e a construção da paz é também o orixá da matriarca da casa, que nasceu e se criou dentro do terreiro, sendo iniciada aos sete anos. Depois da morte de sua mãe e da irmã, que doze anos à frente do Gantois, ela assumiu a missão de comandas a famosa casa.   "A intenção de Mãe Carmen ao propor o projeto prosseguir com essa música. Fazer com que o canto prossiga", Gilberto Gil, sobre o propósito do discoIuri lembra como a criação desse CD desencadeia não só um impacto para o futuro, mas uma reunião de homenagens para as figuras de mulheres do candomblé: “É uma homenagem que antecede Mãe Carmen. Tem a ver com as nossas ancestrais, na Bahia a no Brasil. Mulheres negras que diante de tanta coisa mantiveram o controle, resistiram a tudo para perpetuar o que temos aqui hoje”. Lazzo Matumbi também é uma das vozes da homenagem (Foto: André Sant´Ana / Divulgação)

*com orientação da editora Ana Cristina Pereira