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Alexandre Lyrio
Publicado em 24 de dezembro de 2020 às 09:39
- Atualizado há 2 anos
Noemi: música para aplacar a melancolia e a covid (Foto: Divulgação) Vão ser só ela, o piano e o aniversariante da noite. A social media Noemi Estrela, 32 anos, está prestes a passar o Natal mais melancólico da vida. Em tempos de pandemia, como se não bastasse o fato de não poder manter a tradição de reunir toda a família, ela sequer poderá ter a presença do seu núcleo familiar (pai, mãe, namorado, irmão e cunhada). Noemi contraiu o coronavírus na última semana, está sozinha em um apartamento e vai ter apenas duas companhias na sua “noite feliz”: Deus (que na figura do seu filho completa 2020 anos) e o seu piano. >
“Voltei a estudar piano nessa quarentena. Vai ser minha companhia. Amo muito o Natal. Estou triste, mas agradecida por estar viva e me recuperando“, diz Noemi. Na quinta-feira da última semana, ela teve fortes dores de cabeça. Depois perdeu o olfato e testou positivo. O período de distanciamento termina no dia 26 de dezembro, antevéspera do seu próprio aniversário, dia 28. Nesta noite de Natal, no máximo, Noemi vai fazer uma chamada de vídeo com a família na hora da ceia. “Sempre foi um aniversário meio sozinha porque antecede o Réveillon. Aí eu aproveitava para comemorar na ceia de Natal. Esse ano nem isso”, lamenta Noemi, que chegou a ir para a emergência no domingo, foi medicada e liberada, mas ainda sente alguns sintomas. >
Passar o Natal sozinho pode ser mais difícil do que se imagina. Culturalmente, o próprio período já é de reflexão. A noite do dia 24, com todos reunidos, sempre serviu para aplacar essa melancolia. Há quem diga que o tempo do Natal é o mais triste do ano. Some isso ao medo do vírus e ao clima fúnebre de uma pandemia que já causou quase 190 mil mortes no país. Agora se coloque no lugar de quem vai passar esse momento de confraternização sozinho, seja porque está com o vírus, é grupo de risco ou simplesmente está cumprindo o isolamento à risca. >
Aos que vão passar o Natal sozinhos, a psicanalista Juliana Miranda convoca que se faça um "giro lógico" capaz de fortalecê-los em meio à solidão das festas de fim do ano, normalmente vivenciadas em torno do laço com familiares e amigos. "Precisamos continuar suportando o isolamento e a distância em nome da preservação social. Façamos esse giro lógico: manter-se distante para, justamente, manter a vida de quem amamos". Juliana afirma que um Natal longe da família não é capaz de destruir laços de uma vida. "São laços construídos ao longo de um percurso, os quais têm consistência para suportar a dureza do momento", acredita.>
Riscos>
O produtor cultural Pedro Santana, 42 anos, tem diabetes. Está isolado em casa desde março. De 15 em 15 dias, tem a companhia da filha, que reveza a guarda com a mãe, também isolada. A menina, de 9 anos, também é diabética. Por ele e pela filha, Pedro não pode correr riscos. Por isso, esse ano vai dispensar qualquer reunião que sua família resolva fazer. As festas de Natal às quais Pedro sempre participou, aliás, são daquelas de muita gente, muita comida, bebida e discussões acaloradas.>
“Natal na família de minha mãe sempre foi um reggae retado! Um dos poucos momentos do ano que a família inteira se reúne. Sempre tem uma briguinha, mas o saldo é sempre positivo. É muito divertido”, ri Pedro, que não é religioso mas acaba influenciado pela onda natalina. “Na verdade estou sentindo mesmo é esse enclausuramento desde março. A não realização do Natal tá no pacote. São muitas questões que pesam nas pessoas que são grupo de risco. O Natal solitário é mais uma porrada que temos que aguentar. Vamos em frente!”. >
Confras>
A essa altura, em tempos normais, estaríamos quase todos nos esbaldando em festas da firma, bebendo em confras de grupos de amigos e nos preparando para o grande dia de reunir toda a família. A pergunta que mais se faz nesse período é: “vai passar Natal onde?”. Mas, diz a psicanalista Juliana Miranda, é preciso entender que a experiência de viver uma pandemia nos impôs a reflexão sobre a relação que temos com o tempo e com a solidão. "Estamos no tempo de entender como é possível para cada um lidar com o risco de contágio, com as perdas reais e simbólicas e, em muitos casos, com a morte". Ou seja, Natal em 2020 não é nascimento, mas sobrevivência. Natal só com a vacina.>
Natal acompanhado para os que suportaram cem dias de solidão>
Quando a quarentena completou exatos cem dias, desde que as autoridades determinaram o início das restrições pelo coronavírus em abril, o CORREIO buscou pessoas que moravam sozinhas e respeitavam à risca o isolamento. Era final de junho, precisamente dia 26, e elas ainda suportavam viver consigo mesmas. Hoje, ao procura-las novamente, todas vão passar o Natal com alguém. Henrique não aguentou o isolamento solitário (Foto: Divulgação) O geólogo Henrique Assumpção não via a mãe (e nem ninguém) desde março. Se isolou completamente em seu apartamento. Mais recentemente, teve crise de ansiedade. "Daí tive que recorrer à minha mãe e minha irmã, com quem vou passar o Natal". Natural de Recife, a assistente social Luciana Pinto, 48, montou uma operação de guerra e se mandou para a capital pernambucana. Levou até o gato, Arepinho. "Você não tem ideia de como foi essa viagem", ri Luciana. Rafaela segue isolada, mas o Natal vai ser com o pai (Foto: Divulgação) Já a psicóloga Rafaela Dominguez continua morando só e isolada, mas vai passar o Natal com o pai, respeitando todas as regras de distanciamento. "Vai ser com minha família nuclear, mas com todos os cuidados", garante. A arquiteta Janaína Lisiak, que naquela época aguentava firme os 100 dias sozinha, terá a companhia do namorado. >