‘Eu não vou embora’: Da ressaca às lágrimas, foliões se despedem do Carnaval

Órfãos, os entusiastas da folia beberam em dobro para superar o término

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  • Gabriel Moura

Publicado em 26 de fevereiro de 2020 às 03:07

- Atualizado há um ano

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Quando o calendário já indicava que era madrugada da quarta-feira de cinzas e o Arrastão da Madrugada, liderado por Carlinhos Brown, chegava às Gordinhas, era decretado o fim (meramente oficioso) do Carnaval de 2020. Apesar do último acorde já ter sido tocado, o público achou por bem puxar mais um refrão. “Eu não vou embora, eu não vou embora”, clamavam efusivamente - e, de fato, indo embora no mesmo segundo que as vozes se calaram. 

A aparente falta de palavra era justificada. Órfãos, os foliões viam-se sem rumo. O clima de fim de festa era visível em toda a paisagem. As calçadas começaram a ser divididas entre pessoas que ainda tinham condições de “chamar Raúl” e aquelas que encontravam-se desoladas, sem condições nem de realizar o ritual do “PT”.

Dentre os adeptos da segunda categoria estava um senhor que ficou desacordado nas imediações do Shopping Barra com a mão na cabeça e 'o trio elétrico' fora da casinha. Preocupada com a situação do sujeito, uma ambulante resolveu ressuscitá-lo pingando água gelada na área exposta. Foi tiro e queda. O exibido levantou-se, guardou a sua intimidade e colocou para fora uma pequena porção do álcool que havia ingerido.

Mas nem tudo eram má notícias para o folião que tinha um sofrimento duplo causado pelo fim do Carnaval e a bebedeira exagerada. Alguns vendedores decididos a zerar o estoque começaram a fazer promoções. Quem precisava retornar à sobriedade podia se hidratar pagando apenas R$ 1 na garrafinha de água. Já os mais empolgados que acreditam, sem nenhuma base empírica, que ressaca se cura colocando mais álcool pra dentro, poderia deleitar-se pagando "3 por 5" na cerveja "piriguete" - nos dias de carnaval a mesma quantidade da "lôra" era vendida por R$ 10.“Mas não quero vender tudo, se não acaba sobrando nada para mim”, alerta o ambulante Heverson Santos, 29, já imaginando o seu pós-Carnaval.Dói, mas é gostoso São 4,5 quilômetros que separam o Farol da Barra das Gordinhas (circuito Dodô). Isso significa que um ser-humano corajoso que se dispor a enfrentar os seis dias de Carnaval, sem contar o pré e pós, irá andar espantosos 54km caso realize apenas uma ida e volta. Para efeito de comparação, uma maratona tradicional é realizada em 42,2 km. 

A grande diferença é que, ao que consta, nenhum maratonista realiza a prova metendo dança na totalidade do percurso. Talvez a semelhança desportiva mais verossímil seja a Fórmula 1, já que os atletas honorários realizam diversos pit-stops, seja para ‘reabastecer’ no isopor mais próximo, seja para dar aquele saque no crush.

Mas engana-se quem acha não há uma preparação digna de Olimpíada para esses guerreiros. A estudante Bianca Luz, 20, por exemplo, além de ter calçado um pisante adequado, colocou algumas fitas que aliviam a dor nos lugares do corpo que a incomodavam. “E amanhã ainda vou para o Arrastão de Léo Santana. Se eu acordar sentindo dor no corpo todo, coloco a fita no corpo todo. É bom que já vira uma fantasia e eu vou de múmia”, projeta ela, comparando o Carnaval com sexo anal: “dói, mas é gostoso”.

E não eram apenas anônimos que se encontravam entre as calçadas e muros da lamentação. O ator Danilo Mesquita saiu nos seis dias e já está programando o próximo ano. “Carnaval é isso, ir para a rua, pular, curtir, encontrar as pessoas. Eu espero o ano todo por isso”, conta ele que desfilou nos Filhos de Gandhy, Cortejo Afro, Camarote Expresso 2222 e, claro, na pipoca.

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier

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