Exercício de observação número dois

Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.

  • Foto do(a) author(a) Kátia Borges
  • Kátia Borges

Publicado em 13 de agosto de 2022 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

No condomínio classe média, moradores sonolentos adiam os seus despertadores por cinco minutos. Ao longe, marulha a canção de ninar dos lavadores de carros. Os trabalhadores entram em ação antes que o sol apareça no horizonte, com suas esponjas usadas, quase sem cerdas, a roçar a borracha dos tapetes.

Enquanto o amanhecer de cada dia não inaugura o novo mundo, tudo se resume ao barulhinho da água que escorre pelo capô, braços girando em movimentos rápidos, helicóptero humano, avançando com seus tentáculos sobre os vidros. Cada lavagem de carro instaura um pequeno Vietnã no pátio do estacionamento.

Alarmes insanos soam a cada abrir de portas – os donos dos veículos deixam as chaves nas portarias dos prédios –, quando algum dos lavadores se esquece e entra rápido em um automóvel, as mãos ansiosas em busca do botão que silencie as sirenes. Jorge vem de longe como se morasse ali perto, sempre de bermudas e boné.

Porteiros e zeladores simpáticos guardam seus apetrechos, dois baldes coloridos de plástico, alguns panos encardidos, e tubos longos feitos de PVC, prontos para serem afixados às torneiras, por onde jorra a água dos tanques gigantescos dos edifícios, encarecendo o condomínio dos apartamentos. Alguns moradores articulam um protesto, outros mais empáticos resistem na negativa ao veto.

Jorge não é o único. Cinco ou seis lavadores de carros, espalhados pela vizinhança, dividem a mesma clientela classe média. Cobram entre R$ 10 e R$ 25 por lavagem completa. Nunca mais ou menos. Na larga faixa, incluem os menos simpáticos, os que dão calote, os que desejam apenas uma limpeza externa. E pelo menos um dos lavadores pode ser visto nos bares da região, aplicando em álcool o ganho de cada dia.

O mais sério deles é Jorge. Ele é também aquele que chega mais cedo, cabelos grisalhos, camiseta vermelha, boné de propaganda virado ao contrário. Perto das 9 horas, trabalho feito, já está outra vez bem longe, sabe-se lá por onde, quem sabe em outro emprego. Alguns são porteiros, serventes em outros prédios. Acrescentam um extra ao salário. Para os donos dos automóveis, as paletas dos para-brisa levantadas funcionam como uma espécie de código, indica que a limpeza foi feita e que o trabalho deve ser pago.