'Explicações iam de autismo a espiritismo', diz pai de criança superdotada

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  • Thais Borges

Publicado em 24 de junho de 2017 às 05:04

- Atualizado há um ano

Em Salvador, há 44 estudantes superdotados identificados na rede pública de ensino. São 20 acompanhados na rede estadual e outros 22 já diagnosticados nas escolas do município. Confira abaixo o relato do pai de uma criança considerada 'altamente' superdotada. Ele preferiu não se identificar.

"Bom de matemática e adora cócegas. Aos quatro meses de idade, o Pituco falou "água". Palavra afirmativa da mãe, descrença 'resenheira' do pai: "Vê se ele fala Bahêa então...". 

Quando começou a andar, um tapete com letras que ficava no espaço de brinquedos começou a nos contar uma história de vida diferente. "Pituco está na letra A. Agora Pituco foi para a letra B...". Ele foi gostando e reagindo com "quero mais" a essa brincadeira que a mamãe criou de pular de uma letra para outra. Com um ano e três meses, o alfabeto completo era reconhecido. Um ano e meio, lia dez palavras. O método foi aquele antiguinho mesmo, "beabá? bá!". No aniversário de dois anos, a imensa lembrança dele sentado no vaso, fazendo cocô e lendo seu livrinho de forma corrente. Todo explicadinho. Era um cocô propositalmente demorado. Havia muito a descobrir no livro. 

É muito interessante ver uma criança que aprendeu a falar e a ler ao mesmo tempo. As palavras terminadas em R, por exemplo, que o baianês nos apresenta como "Salvadô, fazê, entendê", para o Pituco já eram "Salvadorrrrrr, fazerrrrr, entenderrrr ", como se quisesse anunciar que estava confiando mais nos livros do que nessa linguagem meio maluca-preguiçosa-indisciplinada que os adultos falavam. Aquilo tudo já nos assustava muito.

Entendemos que ele era diferente. Os alertas e as explicações dos mais próximos eram sempre muito variadas. Do autismo ao espiritismo. A explicação mais afirmativa mesmo veio da escola logo que ele começou a frequentar: "É isso mesmo, pai, é isso mesmo, mãe. As crianças de hoje estão aprendendo tudo muito cedo". A frase verdadeira da escola não chegou a ser dita, mas estava lá estampada no silêncio desde a primeira conversa a leitura de que "todo pai acha que seu filho é gênio". Nem nós nem a escola estávamos preparados para um filho superdotado. A diferença é que nós decidimos nos preparar muito, a escola muito pouco. 

E desde então tomamos uma decisão íntima, pessoal, muito mais de sensibilidade materna e paterna do que fruto de pesquisas e consultas. Decidimos que, pelo menos por enquanto, o grande papel da escola seria de nos ajudar a tornar nosso Pituco uma criança de grupo, a apresentá-lo ao mundo da convivência, às regras e limites naturais de uma pequena comunidade, à divisão ou à luta por um brinquedo (sim, o Pituco adora brinquedos de crianças da idade dele!).

Se não contamos com a escola para estimular e dar respostas mais desafiadoras às perguntas do tipo "quando a lua está minguante no Brasil, está crescente no Japão?", que seja para ele relevante o aprendizado de que a lua não é só dele, que pelo menos com os coleguinhas da sala ele precisava dividir. Fizemos desde então da escola o lugar de convivência, mas não das respostas mais desafiadoras que o Pituco já nos cobrava.

Entre dois e três anos, descobriu e se encantou pelos quebra-cabeças. Chegou a um de 500 peças cheio de balões coloridos, presente de viagem trazido pelos irmãos que virou um amuletinho dele até hoje. Os de 80 peças ele já montava ao contrário, com o fundo marrom para cima. Foi quando resolvemos buscar uma ajuda mais especializada e entender de fato o tamanho do desafio que a vida apresentava ao nosso Pituquinho.

"Esse é uma notícia boa ou ruim?", perguntamos ainda meio atônitos após a explicação de que nosso Pituco de apenas três anos era uma criança altamente superdotada. Os altamente superdotados são apenas um em cada grupo de vinte superdotados. São os superdotados dos superdotados. "É uma dádiva", afirmou sorrindo a afetuosa psicóloga de um instituto especializado em Curitiba (Inodap), onde encontramos as primeiras e qualificadas respostas sobre o que nos impressionava desde muito cedo. "Mas temos muito o que aprender com ele". 

O laudo formal do instituto é um passaporte oficial para políticas de inclusão, até mesmo para a progressão de série na escola, hipótese descartada por nós desde o primeiro momento, e também pelo instituto. A "idade mental de nove anos" laudada a uma criança de três anos e dois meses era o início de um novo ciclo de dúvidas e incertezas. Algo como um alívio desafiador. Agora conhecemos melhor o desafio que temos, mas será que vamos conseguir?

- "Papai, mamãe, é 'brilha, brilha, estrelinha'". - "Estamos ouvindo, filhote. Muito lindo", respondemos com os olhos mareados e as pernas bambas ao ouvir o Pituco de três anos tocar uma música inteira em um pianinho portátil que havia recebido de presente.

Estava tirando a música de ouvido, e nós nem sabíamos que ele sabia o que seria uma nota musical. Até porque nem mesmo nós sabemos direito o que é uma nota musical. "Dorme a cidade", do Saltimbancos, veio logo na sequência.

Aos quatro anos, se encanta cada vez mais por Lego de adultos (coleciona escavadeiras, dinossauros e tem uma pasta enorme só para guardar os manuais). Adora Allione e Régis, mas não quando vai ver o Bahêa ainda  gosta mesmo é do parquinho de Tio Paulinho. Faz contas do tipo 1423 + 3228, três mais oito onze, sobe um, etc. Adora o Show da Luna e Daniel Tigre. Com os irmãos, tem aprendido a gostar de pinturas, jogar bola e brincar de bombeiros e transformers. Adora cócegas.

Os mais íntimos sabem detalhes das histórias do Pituco. Os menos íntimos podem passar horas ao lado dele sem notar nada diferente. A nós, pai e mãe, a sensação permanente, vigilante, de que estamos sempre aquém do que ele merece. De que deveríamos nos dedicar mais a ele. Mas não é assim com todos os pais e todos os filhos? E não é que todos eles merecem sempre mais mesmo? Não seria diferente com o Pituco, uma criança que, como todas as outras, será bem criada e feliz se conviver com muito afeto e uma boa dose de bom senso".