Falta de medicamentos faz clínicas veterinárias suspenderem cirurgia eletiva 

Clínicas também ajustaram protocolo para diminuir uso de anestésicos em procedimentos   

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  • Marcela Vilar

Publicado em 5 de abril de 2021 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação/Petz

A falta de medicamentos e insumos não afeta só a medicina humana, mas também o mundo animal. Após vários municípios baianos – pelo menos 18, segundo o Ministério Público da Bahia (MP-BA) - sofrerem com a falta de oxigênio e remédios para o “kit intubação”, é a vez de os hospitais e clínicas veterinárias de Salvador suspenderem cirurgias eletivas pelo mesmo motivo.  

A clínica Seres, do Grupo Petz, por exemplo, não faz cirurgias que não sejam de urgência e emergência desde a última quarta-feira (31). Estão suspensas as castrações e procedimentos de profilaxia dentária, sem previsão de retorno. “Nosso objetivo é reduzir novas demandas de medicamentos, anestésicos e oxigênio, aumentando assim a disponibilidade destes insumos no mercado, frente à escassez nas redes públicas e privadas dos hospitais, causada pela pandemia”, informa a coordenadora do Hospital Seres/Petz, Gisele Almeida.  

Gisele diz que as principais dificuldades de compra são de midazolam, fentanil e propofol, utilizados na intubação. A unidade tem o suficiente em estoque só para atendimentos inadiáveis. A coordenadora reitera que não haverá prejuízo para o animal. “Como foram suspensas apenas as cirurgias eletivas, o nosso paciente não fica prejudicado, uma vez que o procedimento poderá ser agendado para um outro momento”, acrescenta.  

Já o hospital veterinário da Universidade Federal da Bahia (Ufba) suspendeu, há 15 dias, esses mesmos procedimentos, mas pela contaminação de metade da equipe de anestesistas pela covid-19. Já outros estabelecimentos precisaram contornar a situação de redução de estoque de anestésicos e analgésicos através do ajuste de protocolo, ou seja, outros remédios substitutos passaram a ser adotados. 

Clínicas adotam medidas de contingenciamento   Segundo Marcus Fróes, coordenador do Hpet, 90% do material usado na medicina veterinária é o mesmo da medicina humana. Por isso, a escassez. “A suspensão de cirurgias eletivas está sendo um problema na medicina humana e também na veterinária. Com essa questão da covid, muitas medicações estão faltando e outras estão ficando com um preço absurdo”, relata.“Ultimamente, muitos colegas já estão preocupados com a situação e solicitando a suspensão das cirurgias. Mandei um comunicado para o pessoal do plantão pedindo a eles uma alternativa técnica de mudança de protocolo sem que haja prejuízo para o paciente, para minimizar o uso desses fármacos”, explica Fróes. A medida de contingenciamento começou a ser feita na Hpet há pouco menos de duas semanas. Os principais remédios que encareceram e estão mais difíceis de encontrar são o omeprazol, usado para dar conforto gástrico nos pacientes com dor, e o propofol, para anestesia. O primeiro custava em torno de R$ 200 a caixa com 20 ampolas e agora passou para R$ 1,6 mil. Já o segundo, que custava R$ 8 o frasco de 10 ml, agora não se encontra por menos de R$ 90. Mesmo com os altos preços, as clínicas têm dificuldade na hora da compra.  

“Hoje, não estou conseguindo fazer compra grande, as distribuidoras não têm aceitado. Vai chegar a hora que isso vai impactar não só as cirurgias eletivas, mas as necessárias, de emergência, porque não tem plano B de onde comprar. Fora que isso impacta em tudo, no cirurgião que deixa de trabalhar, no anestesista que deixa de produzir e faturar”, alerta o médico.

Há ainda aqueles pacientes que não admitem ajustes de medicação, como aqueles que precisam que o medicamento seja injetado, por não conseguirem engolir, por via oral. Fora que os remédios substitutos também podem começar a faltar, a longo prazo. “A mudança vai ser viável até o momento que os substitutos também existam no estoque, mas até eles estão com problema”, acrescenta o coordenador da Hpet.  

A unidade tem estoque para, em média, dois a três meses de atendimento, a depender do fluxo. “Se levar em consideração uma média de quatro a cinco pacientes, de 10 a 15 quilos, em UTI, preciso de, pelo menos, três caixas de propofol por dia. Se eu tiver muito movimento ou se chegar paciente de 40 quilos, não sei se dura um mês, porque a dosagem depende do peso. Mas, em condições normais, tenho para dois a três meses”, esclarece Marcus Fróes.  

Em uma clínica especializada em atendimento de urgência e emergência, o racionamento dos pré-anestésicos começou a ser feito na segunda quinzena de março.“Para a anestesia, foram feitas adaptações de protocolo, mas nada que prejudique a rotina. Optamos por um protocolo diferente para já minimizar problemas futuros. Mas, a anestesia em si, não precisou ser alterada. São fármacos diferentes, mas com ação parecida e resultado semelhante. Não mudou nada o resultado final. Estamos indo bem, mas está preocupante”, relata um médico veterinário que não quis se identificar.  O encarecimento e a falta dos remédios são os principais entraves. “Todos os anestésicos e pré-anestésicos estão muito caros, em falta ou só liberados em poucas quantidades. Alguns chegam a 200% de aumento [de preço]. Tá difícil”, conta. Até agora, ele diz que o valor não for repassado para o consumidor final “por entender que está difícil para todos”. Os estoques devem durar dois a três meses. A clínica quase não realiza cirurgias eletivas, e o foco é em casos de paralisia, crises epiléticas, atropelamentos e rupturas de ligamento, enfermidades que exigem atendimento o quanto antes. 

Em outra unidade veterinária de Salvador, a situação é parecida. “Estamos restringindo as cirurgias por falta de medicações básicas e preços exorbitantes. Está ficando cada vez mais inviável pelo preço dos medicamentos. A gente tá tendo que colocar os valores mais altos, o cliente acha caro e não vai” explica o médico.  

Ele enfrenta dificuldade com todos os anestésicos, como morfina e propofol.“Está piorando. Desde o início da pandemia, temos tido dificuldade, fui comprando para estoque, mas está difícil. Tem material que você acaba não encontrando e, quando acha, acaba sendo inviável tanto para mim quando para quem está querendo fazer. Isso que está acontecendo é um colapso mesmo, é falta de medicamento porque tá se usando muito mais do que antes”, desabafa.  A estudante Evilyn Oliveira, 19, que tem um trabalho voluntário de resgate com gatos abandonados (@adocaodegatitos), conta que sempre teve esse problema, mas, com a pandemia, piorou. “Sempre existiu uma grande dificuldade, mas, com relação a castração, atualmente, é difícil de marcar e os valores absurdos. Ninguém em sã consciência numa pandemia iria pagar R$ 1.618”, reclama a estudante. Segundo ela, o procedimento costuma custar, em média, R$ 300, dependendo da clínica.

Ela desconhece clínicas que tenham suspendido as cirurgias eletivas, mas aponta que agora é só com hora marcada. “Eles estão fazendo, mas marcando com antecedência data e horário. Antes, não havia tanta dificuldade em conseguir. Se eu precisasse hoje de atendimento, poderia ligar e levar o animal lá”, relata. Segundo Evilyn, as clínicas que funcionam 24 horas continuam normais, mas o preço em emergências é muito mais caro. Ela diz ainda que até para marcar consultas tem sido mais dificultoso.  

Ao CORREIO, o Ministério da Saúde afirmou que não se responsabiliza pela falta de medicamentos de intubação para hospitais veterinários, mesmo que eles sejam os mesmos que para os hospitais da medicina humana. O MS só informou que “não encaminha medicamentos de intubação para hospitais veterinários” e não prestou mais esclarecimentos sobre de quem seria a responsabilidade.  

Hospital veterinário da Ufba tem surto de covid  No Hospital Veterinário da Ufba, a suspensão das cirurgias eletivas não é exatamente pela falta de medicamentos, e sim por um surto de covid-19 entre os trabalhadores. “Essas medidas de contingenciamento foram adotadas pelo avanço da pandemia, tivemos um aumento de casos interno e fizemos também para ter uma redução no fluxo de pessoas circulando”, declara o médico veterinário Rodrigo Bittencourt, do conselho do Hospital Veterinário da Ufba, professor da universidade e diretor do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da Bahia (CRMV/BA).  

Entre médicos, recepcionistas, pessoal do administrativo e farmácia, são 70 trabalhadores na unidade. Com o fluxo de atendimento de 2 mil a 2,5 mil por mês, a melhor opção foi restringir os procedimentos.“A gente fica próximo do ambulatório e a exposição é muito grande. Metade da equipe de anestesia está com covid e a primeira medida foi reduzir esse fluxo, só entra urgência e emergência, até porque a gente vem perdendo capacidade porque a equipe fica doente. Como não estamos imunizados, estamos mais susceptíveis e até nos tornando transmissores da doença”, avalia Bittencourt.A suspensão das cirurgias eletivas seguirá por mais 15 dias e, em seguida, a situação será reavaliada. 

Médicos veterinários pedem inclusão da categoria no plano de vacinação  Uma das críticas feitas pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da Bahia (CRMV/BA) é a falta de inclusão dos médicos veterinários no Plano Estadual de Vacinação como prioridade. A categoria se encontra na primeira fase do Plano Nacional e algumas cidades da Bahia, como Feira de Santana, Jequié, Itabuna, Itaberaba e Camaçari, já convocaram e vacinaram alguns desses profissionais. Em Salvador, no entanto, não há avanço em relação à inclusão desses médicos. Eles somam cerca de 5 mil na Bahia e 1.930 em Salvador.  

“A inclusão dos médicos veterinários no plano de vacinação é importantíssima que seja feita, até para se cumprir uma decisão de governo. No Plano Nacional, estava previsto a vacinação de todos os profissionais da saúde, são quatorze profissões e a medicina veterinária é uma delas. Desde 1998, fomos reconhecidos pelo Conselho Nacional de Saúde, pelo próprio Ministério da Saúde, como também um profissional da saúde. Por uma questão muito óbvia: o médico veterinário não apenas cuida de cão e gato, como normalmente as pessoas pensam”, argumenta o presidente do CRMV-BA, Altair Santana de Oliveira.  

De acordo com Santana, são mais de 80 áreas que este profissional pode atuar, inclusive na indústria de alimentos, garantindo a qualidade do leite, por exemplo, e evitando a proliferação de zoonoses, doenças transmitidas pelos animais para o homem, responsáveis por 75% das doenças emergentes e reemergentes no mundo.

Além disso, o presidente do CRMV-BA reforça que o atendimento do animal precisa também ter a presença do tutor. “O animal, infelizmente, não fala, então, o dono do animal que dá as primeiras informações, ou seja, já estamos nos expondo aí, quando a gente conversa com esse ser humano. Além disso, lidamos com várias pessoas que nos apoiam numa clínica ou hospital”, pondera Altair.  

Procurada, a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) não respondeu até o fechamento desta reportagem.  

*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro