Famoso por áudios no zap, Kêu se tornou ‘a pessoa mais procurada de Salvador’

Há quem defenda que cartomante autor de virais seja ‘tombado como patrimônio da Bahia’; conheça e ouça as gravações

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  • Da Redação

Publicado em 21 de abril de 2019 às 12:00

- Atualizado há um ano

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A origem da expressão “rodar a baiana” ainda é discutida, e dificilmente haverá consenso sobre o assunto. Mas a versão mais famosa conta que, no Carnaval carioca, na primeira metade do século passado, as baianas, cansadas de assédio nos cortejos e desfiles, decidiram tomar uma atitude extrema. Infiltraram boys capoeiristas -- nas escolas de samba eram comuns, até os anos 50, homens vestidos de baianas --, os quais, a cada dedada ou apalpada de machos abusadores, reagiam com chutes giratórios ou navalhadas rodadas, dando origem à expressão e ao ‘não é não!’

Hoje, a gíria é sinônimo de tirar satisfação, passar alguma situação a limpo ou reagir com som e fúria a algo que cause desagrado. Tudo bem que criar confusão não é uma atitude lá muito bem vista por gente mais polida, mas na boca de Kêu Salvador, “rodar a baiana” se configura em arte do insulto.

Há duas semanas, o tema desta coluna [cheia de palavrões, como hoje] foi o pajubá na “maior briga de WhatsApp da história da Bahia”. Uma das primeiras reações ao texto/áudio, nas redes sociais, foi de alguém que marcou um dos “oponentes” naquela peleja virtual, que eu não sabia, até então, quem envolvia.

O identificado (único, por ora) era Cleiton Oliveira Salvador, 31 anos, morador do bairro da Caixa D’Água, e primeiro a aparecer na série de gravações. Relembre.

Graduado em Administração, Kêu ganha a vida hoje com o tarô e, em breve, espera tirar seu sustento do talento e da fama que vem angariando nas redes sociais há alguns meses. O reconhecimento pelos áudios o ajudou a vencer a depressão, acentuada após o falecimento de sua mãe (leia mais abaixo).

No ano passado, o virtuosismo do moço finalmente começou a ser reconhecido, ainda que quase ninguém soubesse quem ele era. “Essa onda de áudio que faz sucesso começou no dia 23 de abril de 2018, dia de São Jorge. Foi quando eu mandei um áudio sobre uma briga que me envolvi na Ladeira do Paiva no qual eu contava sobre uma mulher que queria me agredir. Eu esculhambei ela toda, acabei com a vida dela, e resolvi mandar um áudio pra meus amigos explicando o que tinha acontecido", narrou, antes de revelar o efeito colateral."Aí acharam tão engraçado, um foi compartilhando pro outro e, no mesmo dia, o áudio viralizou na cidade inteira! Todo mundo queria saber quem era o dono daquela voz e quem era essa bicha que tava fazendo esse arraso com a mulher”, relembra Kêu, que diz ter se tornado, a partir dali, “a pessoa mais procurada de Salvador”. “Todo mundo querendo saber quem era eu. E aí a coisa foi se ampliando e eu fiquei famoso. Famoso entre aspas, porque eu não me considero famoso ainda, embora eu já seja reconhecido na rua”, delimita ele, que há duas semanas engajou mais de uma centena de seguidores para pedir ao CORREIO, no Insta, um espaço para sua apresentação.

Também pintou apoio espontâneo, como o do ator Thiago Almasy, que assim se manifestou no Twitter.Isso é a minha Bahia! Kêu Salvador tem que ser tombado como patrimônio desse estado, pelo amor de Deus! https://t.co/uE3gRpxekd

— Thiago Almasy (@thiagodude) 7 de abril de 2019Concordei logo após ver alguns vídeos de Kêu e me lembrar que eu mesmo já tinha compartilhado várias vezes, no zap, os áudios dessa entidade (coloquei um desses - “Suco detox” - lá embaixo). Mas a Júnior de Mainha, citando a oitiva, perguntei o motivo da assertiva. 

“É uma figura que passeia por vários universos. Ele dialoga com o universo queer, porque ele é um cara gay, e usa esse dialeto que é próprio do universo; é um cara espiritualizado, que dá pra ver que ele tem um pé no candomblé, na umbanda, e é cartomante; e ao mesmo tempo ele é um cara da Ladeira do Paiva, que toma cerveja no fim de semana, do lado de um isopor, dançando até o chão, com um monte de gente ao redor”, explica Almasy, que é da Lapinha e, portanto, quase vizinho do nosso perfilado.

O primeiro contato com os áudios de Kêu, lembra ele, foi no ano passado. “Conheci através de uma bicha maravilhosa chamada Cleidson Santana, que colocou nos stories um vídeo dele dublando Kêu. No áudio, tem ele contando como cobrou o dinheiro da Jequiti a Ana Paula, e depois ele contando a Jaqueline como foi que Ana Paula pagou. É muito verdadeiro, engraçado, e eu mandei pra várias pessoas”, conta. Ouça essas gravações.

Admiradores famosos A fama de Kêu não se limita apenas a território baiano e já tem repercussões até na Globo. “Bruno Gagliasso já curtiu e comentou vídeo meu. Sempre que dá, ele responde meus comentários. A gente tem essa relação virtual. No ambiente do Instagram, ele é um fofo comigo”, mencionou Kêu que, imagino eu, não recusaria o convite para um surubão em Noronha.

Outra global que segue, curte e compartilha as peripécias do influenciador digital é a jornalista baiana Maíra Azevedo, Tia Má, também citada por Kêu como uma de suas admiradoras famosas. Perguntei a ela como conheceu e o que achava das resenhas do moço; assim escreveu: 

“Primeiro eu ouvi um áudio, e eu ria demais, inclusive tentava reproduzir aquela sequência de ‘baixas’ que ele dava na minha roda de amigos, para me divertir. E depois o conheci, uma figura doce e atenta. Kêu tem cara do povo de Salvador, pensamento rápido, a linguagem da periferia e a sagacidade de quem precisa dizer o que pensa e o que precisa, mas que, como diz o poeta, apesar de tanta dor, de tanta discriminação, de ser oprimido, é também quem faz a alegria da cidade”, recorda Tia Má, outra craque em dar ‘baixas’ em gente escrota, espalhando a luz do sol e espelhando a luz da lua.

Ela conheceu Kêu no mesmo dia que ele realizou o sonho de conhecer outra que sabe “rodar a baiana” quando convém: a apresentadora Rita Batista. “Eu sempre fui fã de Rita Batista e uma vez eu postei no Instagram que todos os meus sonhos estavam sendo realizados, e que só faltava conhecer ela. E aí marquei ela, todos os meus seguidores começaram a marcar, e ela me convidou para um evento”, me contou Kêu, citando o Mulher com a Palavra, em outubro passado. 

Sabendo disso, mandei um zap pra Rita também pedindo suas impressões sobre a figuraça. “Como boa parte das pessoas, conheci Kêu recebendo de amigos alguns áudios dele. Depois de um tempo, os seguidores me marcaram numa postagem que ele fez e se referiu a mim. Prontamente, pedi para minha amiga Val Benvindo levar ele para o Mulher com a Palavra, no TCA. Foi odara”, conta. Para Rita Batista, “esse humor típico, mas que junto ao texto traz uma crítica social, a defesa da liberdade religiosa, contra a homofobia e o racismo, fazendo as pessoas rirem, é genial.”Não era briga Genial também é a história por trás do único áudio que pude saber a procedência, na já famigerada “maior briga de WhatsApp da história da Bahia”. Na verdade, é bom já explicar, Kêu não se envolveu em briga alguma. 

“Alguém pegou aqueles áudios, que são de pessoas diferentes, e simulou uma briga, como se tivesse no terreiro todo mundo brigando, mas isso não aconteceu. O meu áudio não tem nada a ver com os outros. Se não me engano, os outros áudios são um pai de santo chamado Alex. Mas não conheço”. 

Nem eu, Kêu. Mas de onde você tirou aquelas maluquices todas? “Meu irmão estava conversando com uma amiga dele, através do WhatsApp, e eles estavam brigando, só que de brincadeira. Aí a menina dava uma baixa nele, ele dava uma baixa nela, e eu estava ouvindo. Aí eu falei: 'não, Alan, você não está dando uma baixa nela direito. Me dê aí o celular'. Aí ele me deu e eu mandei pra ela, com aquelas coisas todas. ‘Kilewi Kiloxê’ e aquelas coisas todas… Pronto, morreu a conversa. Só que aí, acredito que ela passou pra outra pessoa, que passou pra outra; viralizou”.

Depressão Apesar da alegria que provoca nas pessoas, Kêu viveu momentos de profunda tristeza, especialmente após a morte da mãe, em 2014. “Quando o áudio viralizou e eu fiquei ‘famoso’ em Salvador, eu já estava num processo de reconstrução interna. Eu fazia terapia com psicólogo pra me reconstruir, porque esse processo de depressão começou na minha vida quando minha mãe caiu doente e logo depois ela faleceu. Então, eu não consegui administrar internamente aquilo tudo e acabei entrando em depressão”, relembra. 

A fama repentina, no entanto, o ajudou a recuperar o ânimo e levantar a auto-estima. “Com o boom dos áudios, que comecei a contar com o apoio do público, as pessoas me encontravam na rua e diziam 'Keu, você é ótimo, maravilhoso'... Tem gente que me encontra na rua que o olho enche de lágrima, e aquilo foi me ajudando a me perceber quem sou eu no mundo. É como se eu tivesse reconstruído meu ego e o processo de depressão foi amenizando muito”, analisa.

Ascensão Os tostões da sua voz ainda não renderam a Kêu lá muitos tostões, mas já começou a ser convidado para fazer participações especiais por aí. Uma delas foi no lançamento de uma campanha da vereadora Ireuda Silva (PRB), no Carnaval, que teve como tema ‘Meu corpo não é sua fantasia’. “Eu participei, subi no trio, falei minhas considerações a respeito sobre o assédio no Carnaval”. Rodou a baiana e deu uma baixa nos assediadores.

E, de tanto rodar, as falas dele foram cair nos ouvidos de uma agenciadora de talentos lá em São Paulo. "Os áudios de Kêu já circulavam no meu grupo de família. Praticamente, as pessoas conversavam com os áudios dele. Eu achava muito engraçado, mas não tinha como saber quem era o autor, porque eles circulavam, e ninguém sabia de onde vinha. Até que um amigo me mostrou o perfil de Kêu, eu comentei que amava ele e Kêu me mandou um recadinho", explica May Biolli, jornalista soteropolitana que mora na capital paulista há 10 anos. 

Feito o primeiro contato, marcaram um encontro em Salvador e decidiram firmar uma parceria. "A gente se conheceu e foi maravilhoso. Trocamos altas ideias de trabalho. Ele falou que não tinha como investir naquele momento e eu disse: 'não, eu vou investir em você. Vou fazer sua assessoria e seu agenciamento'. E as coisas têm fluído", comenta ela, ao elogiar a dedicação do cliente para se tornar cada vez mais profissional.

E essa profissionalização já criou um primeiro produto da parceria."A gente hoje em dia já vende áudios personalizados. Temos pacotes. É um modo novo de ser influenciador, porque até aqui todo mundo é foto e vídeo e ele faz áudios", comenta a assessora, que tem na sua cartela de clientes gente um pouco mais famosa que Kêu, como Daniel Alves, Nivea Stelmann, Rafa Brites, Sidney Sampaio, Anderson Tomazini e Yudi 'Play Station'.Pra fechar a conversa, pedi a Kêu pra separar seus áudios de zap e os vídeos de Instagram que mais bombaram ou que ele mais curte. A seguir, uma seleção de momentos do rapaz rodando a baiana em sua timeline!