Fé sobre quatro rodas: a nova forma de demonstrar a religiosidade dos baianos

Carreatas católicas no final de semana revelaram nova maneira de exercer a fé; maior delas foi organizada pelo Colégio Salesiano

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 16 de agosto de 2020 às 16:00

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Imagem de Dom Bosco em carro do Corpo de Bombeiros (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) Em uma das suas mais aclamadas composições, Gilberto Gil afirma que, certo ou errado, a fé vai onde quer que a gente vá: seja "a pé ou de avião", destaca Gil. Ou seja, pouco importa a forma de peregrinar, a fé não costuma faiá nem mesmo aos que não têm fé, quem dirá aos que vão atrás dela. Em Salvador, uma das capitais mais católicas do país, os devotos já arrumaram um jeito de fazer procissões e receber bençãos dos diversos santos. Neste final de semana, quatro carreatas foram realizadas em homenagem a Santo Antônio da Barra, Dom Bosco, Nossa Senhora da Assunção e Nossa Senhora da Vitória. 

Uma das maiores ocorreu neste domingo, quando 200 carros peregrinaram pela cidade atrás da imagem de Dom Bosco, santo católico italiano. O evento foi organizado pelo Colégio Salesiano. Participaram da procissão sobre quatro rodas tanto os pais, alunos e educadores do Salesiano Dom Bosco, na Paralela, quanto do Salesiano Liceu, em Nazaré, além de fiéis de diversas paróquias de Salvador. Sob chuva e buzinaço, um carro do Corpo de Bombeiros levava a imagem do santo.  Procissão atravessou a Paralela (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) "Como todo mundo, estamos nos adaptando a essa nova realidade. Uma iniciativa que reúne tanta gente em torno da fé é muito positiva. A fé pode ser vivida das mais diversas formas", acredita o padre Jonathan Loureiro, coordenador da pastoral do Salesiano Dom Bosco, depois de proferir palavras de conforto e fé na cerimônia antes da carreata, que teve concentração no estacionamento do colégio. Somente os organizadores, religiosos e a imprensa poderiam sair dos carros, que tinham a bandeirinha com o rosto de Dom Bosco. Todos estavam de branco e usavam máscara, além de seguir as regras de distanciamento da Organização Mundial de Saúde (OMS).  

Desde o início da pandemia, antes das carreatas deste final de semana, a imagem de Senhor do Bonfim saiu em procissão em carro aberto por 48 bairros de Salvador, em abril. Este mês, no domingo passado, foi a vez da imagem de Santa Dulce fazer sua peregrinação. Diante da mobilização católica para exercer a fé de diversas formas, o padre Manoel de Oliveira Filho diz que, tanto as carreatas quanto as missas e celebrações transmitidas pelos diversos canais na Internet, são um conjunto de respostas do cristianismo para o momento histórico que estamos vivendo.

“O cristianismo tem 2 mil anos. Já passamos por inúmeras mudanças, inúmeras transformações. A igreja soube dar respostas a todas elas. Na Idade Média, por exemplo, comunicávamos pelos sinos, pelos vitrais, pelos átrios das catedrais. Depois veio a Bíblia, o primeiro livro impresso. Aí vieram os meios de comunicação. E o novo nunca exclui o antigo. Sempre damos um jeito de manter nossa presença no mundo”, afirma padre Manoel, da Arquidiocese de Salvador e Coordenador Nacional da Pastoral do Turismo. “Nesse momento o grande mérito é não só aproximar as pessoas de alguma forma, mas também servir de consolo e dar ânimo aos fiéis para superar essa fase”. Concentração e cerimônia no estacionamento (Foto: Tiago Caldas/CORREIO)  A ideia da carreata partiu de educadoras do Colégio, que não queriam deixar passar em branco os 205 anos do fundador da família Salesiano, Dom Bosco, nascido no dia 16 de agosto de 1815. "Essa inspiração surgiu porque estávamos um pouco distantes dos alunos devido a pandemia. A parceria entre as famílias e a escola sempre foi muito grande. Precisamos continuar juntos nesse momemto difícil, como Dom Bosco pregava. A fé nasce no coração. Aqui a gente conseguiu juntar muitos corações para que tudo isso passe logo", disse uma das idealizadoras da carreata, Ivana Lins, orientadora pedagógica do Salesiano. 

"Fizemos uma divulgação grande entre os colaboradores, pais e paróquias. Esperávamos uns 150 carros, mas veio mais do que isso", comemorava Ivana. Ex-aluna do Colégio Salesiano, a professora de educação física Fernanda Ximenes, 30 anos, estava emocionada. Acompanhada da filha, Lara, de 8 anos, atual aluna da escola, Fernanda também levou os pais, Fernando e Cátia. "A família inteira sempre teve uma ligação forte com o Salesiano. Sempre tivemos essa fé católica. Poder juntar a família Salesiano aqui nesse momento é maravilhoso", disse Fernanda, que estudou no colégio durante 13 anos. Fernanda e a filha, Lara: fé sobre quatro rodas (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) A procissão seguiu pela Avenida Paralela, atravessou a Bonocô, Dique do Tororó, Vale dos Barris, Avenida Joana Angélica e terminou em Nazaré, na porta da igreja do Salesiano Liceu. Ao final, uma benção foi realizada no meio da rua pelo padre Magno de Carvalho, que erguia um ostensório para os motoristas e passageiros de cada veículo que passava. 

Enquanto ocorria a carreata em homenagem a Dom Bosco, outro momento de fé semelhante podia ser visto em outro ponto da cidade. Uma procissão nos mesmos moldes foi organizada pela Paróquia Nossa Senhora da Assunção e circulou pela região da Pituba e Caminho das Árvores. No dia anterior, no sábado, aconteceu outra carreata na cidade, dessa vez nos bairros da Barra e Graça, em homanagem a Santo Antônio da Barra. 

No domingo pela manhã fiéis saudaram Nossa Senhora da Vitória pelas suas da comunidade da Barra e Graça. A igreja convocou os religiosos a ficar na janela ou varanda com um lenço branco ou uma rosa. “A fé é a mesma, mas ela tem que se renovar e se adaptar a essa nova realidade que foi imposta pelo coronavírus e usar a tecnologia para isso. A fé fortalece, anima, encoraja. Mesmo através da tecnologia ela é fundamental. Hoje fizemos uma carreata com Nossa Senhora da Vitória pela paróquia e quando passamos, muita gente acenou de suas casas. A uma forma simples de incentivar elas a não perderem o ânimo nesse momento em que muita gente está deprimida por conta de toda esta situação da pandemia. Motivamos as pessoas a terem o contato com o sagrado. É o que precisamos”, destacou o padre Luís Simões. 

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Bonfim de carro  A Lavagem do Bonfim de 2021 deverá acontecer de uma maneira bem diferente daquela que os fiéis estão acostumados, por conta da pandemia de covid-19. Embora ainda não esteja nada definido, os organizadores da festa já pensam em alternativas ao tradicional cortejo  entre a Conceição da Praia, no Comércio, e a Colina Sagrada. O padre Edson Menezes, reitor da Basílica Santuário Senhor Bom Jesus do Bonfim, disse nesta quinta-feira, 13, durante a inauguração do Caminho da Fé, na Cidade Baixa, que pensa em realizar uma carreata com a imagem do padroeiro.

"As coisas estão incertas. Vamos ter uma resposta da prefeitura a respeito de quando nós devemos definir o que pode e o que não pode. O Carnaval praticamente já definiu. Acredito que será do mesmo modo, alterar a procissão e a lavagem. Estou pensando em uma carreata com a imagem do Senhor do Bonfim. Mas tudo tem que ser discutido para não haver aglomeração", disse o padre.

Padre Edson acrescentou que a programação já está sendo pensada, com possibilidade das atividades dentro da igreja serem transmitidas pelas redes sociais. 

"Ainda não há nada definido, mas certamente tudo acontecerá respeitando as orientações e o protocolo que o prefeito determinar", destacou. "Estou pensando em propor que durante  o período da novena as pessoas venham e façam seus pedidos, porque não posso deixar para um dia só", acrescentou.