Feijoada salgada: preço do grão sobe 64,7% em Salvador

Carne é tida como vilã, mas feijão carioquinha foi o alimento que mais encareceu na capital baiana, e a tendência ainda é de alta

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  • Georgina Maynart

Publicado em 19 de janeiro de 2020 às 12:40

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Está salgada e pode ficar ainda mais. A feijoada de verão está mais cara em relação ao mesmo período do ano passado. O preço do ingrediente básico, o feijão, aumentou 64,74% em Salvador entre janeiro e dezembro de 2019 segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. O grão foi o produto da cesta básica que mais subiu nos últimos 12 meses. 

Apenas em dezembro, o produto registrou alta de 15,69% na capital baiana. Nem a carne bovina, que recentemente se transformou em outra vilã do orçamento, teve crescimento tão elevado. A proteína animal, pressionada pela intensificação das exportações, subiu 13,08% no mesmo mês, ainda de acordo com Dieese.  

O quilo do feijão está custando, em média, R$ 5,75 em Salvador. Mas já há supermercados vendendo o alimento por mais de R$ 10. Se o consumidor pode equilibrar a balança diminuindo a quantidade na panela, o mesmo não pode fazer quem comercializa o prato mais popular do Brasil. Feijão carioquinha foi o que mais subiu na Bahia. Alta chega a mais de 64% nos últimos doze meses. (Foto: Georgina Maynart) O resultado é a alta nos preços diretos ao consumidor. A empresária Veronice Sousa, dona do popular “Feijoada da Vera”, no Beco do Cirillo, na Estrada da Rainha, aumentou em R$ 2 a porção do prato. O valor subiu de R$ 13 para R$ 15 em dezembro.“Depois de quase dois anos sem reajuste não teve jeito. Tive que repassar um pouquinho a alta do feijão para os clientes. Não podia aumentar tanto para não assustar e para as vendas não caírem. Mas quando soma o feijão, a carne e o preço do gás fica difícil”, conta a cozinheira que mantem o ponto badalado há mais de 20 anos.Quem ainda não reajustou diz que a estabilidade nos preços pode não durar muito.“O feijão em si ainda não está influenciando no meu preço final, mas as carnes tiveram um aumento exorbitante. Se esta tendência não mudar, vou ter que reavaliar. Por enquanto, a feijoada vai continuar custando o mesmo valor, porque serve de chamariz para clientela, e também tenho intensificado as vendas de outros petiscos para compensar”, conta Eduardo Bonfim, que há quatro anos fornece uma das feijoadas mais populares do Bier Box, na Vila Laura. No local, a porção para uma pessoa sai por R$ 25, e para até três pessoas custa R$ 50.Tem restaurante alterando até o cardápio para se adaptar aos novos tempos. Em Jardim Placaford, Itapuã, no Bar e Restaurante Vista Pro Mar, o feijão carioquinha foi substituído pelo feijão preto, que agora está mais em conta.“Nós começamos a inverter no ano passado, quando houve aquela estiagem e os preços começaram a alcançar valores absurdos. Como muitos clientes nossos são turistas, eles se adaptaram à mudança”, conta Marcos Vinicius Santos de Jesus, dono do restaurante que funciona no bairro há mais de duas décadas.Nos últimos dois meses, a porção individual da feijoada aumentou um real e agora custa R$ 23.

“Tivemos que aumentar porque o preço da carne também subiu muito e para não deixar de fornecer a feijoada. Se continuar assim, teremos que pensar em outra solução. Do jeito que está não dá para ganhar dinheiro”, acrescenta. No Restaurante Vista Pro Mar, em Jardim Placaford, Itapuã, o feijão preto passou a substituir o carioquinha na popular feijoada. (Foto: Marcos Vinicius Santos)  ALTA É A TENDÊNCIA

O encarecimento do feijão vem ocorrendo em outras 15 capitais brasileiras, com taxas que variam de 25% a 71%. As capitais onde o feijão mais subiu são Recife, Goiânia, Belém e Belo Horizonte. O problema é que os estoques do cereal estão reduzidos no país. Em quase todas as regiões a safra do ano passado foi maior do que a de 2018, mas ainda não cresceu o suficiente para atender a demanda interna.  

O último levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento indica que os preços do feijão tendem a continuar elevados para os consumidores, pelo menos durante as próximas semanas. “Pouca resta de produção para suprir o abastecimento interno, e a entrada da próxima safra acontece em janeiro. Mas até lá, mesmo na concentração da colheita no Paraná, os preços tendem a ser compensadores aos produtores, reforçados pelo atraso da semeadura em Minas Gerais, maior estado produtor de feijão carioca, cuja colheita está prevista para começar a partir de meados de fevereiro”, afirma o relatório da Conab.BAHIA

Na Bahia, todas as regiões produtivas estão na entressafra. Nos principais polos agrícolas do estado, o aumento do preço do feijão no campo atinge variações ainda maiores e com forte tendência de alta. 

Em Euclides da Cunha, no nordeste do estado, no fim da colheita, em novembro passado, a saca de 60 kg estava em queda e chegou a ser vendida por até R$ 150. Agora, menos de três meses depois, a mesma quantidade está custando R$ 280, um aumento de 86,5%. Em 2019 os agricultores da região produziram cerca de 18 mil toneladas.“Ano passado a produção foi boa e teve um desempenho acima dos anos anteriores. Mas quase toda a safra já foi comercializada e escoada. O estoque está pequeno e muitos agricultores estão guardando o restante para replantio. É natural que os preços se mantenham firmes a partir de agora”, afirma Maria Djalma Abreu, Secretária de Agricultura de Euclides da Cunha. A próxima safra do município só vai começar a ser plantada a partir de abril e a colheita só deve ocorrer no início do segundo semestre.

Em Adustina, outra grande produtora do chamado “feijão de inverno”, a saca aumentou de R$ 180 para R$ 250 entre novembro do ano passado e janeiro deste ano, uma elevação de 39%.

Neste primeiro trimestre de 2020 tem menos feijão na praça. É que no ano passado o volume de chuva foi irregular e os agricultores do município produziram menos de 8 mil toneladas. Quatro meses depois da colheita, os estoques já estão mais baixos.

“Cerca de 60% da produção já foi escoada. Muitos agricultores armazenaram os outros 40% na esperança de melhor preço, o que geralmente ocorre em abril. Os produtores rurais enfrentaram problemas de produtividade nas lavouras no ano passado e é este feijão que agora está armazenado que vai permitir a realização da próxima safra”, explica Alex Silvio Santana, Secretário de Agricultura de Adustina. 

A região só deve voltar a colher feijão a partir do segundo semestre. Até lá o preço da saca pode alcançar mais de R$ 350, como ocorreu em anos anteriores. Próximo pés de feijão só serão semeados na Bahia daqui há alguns meses. (Foto: Sebastião José Araújo / Embrapa) No oeste da Bahia, única região onde todo o plantio de feijão carioca é irrigado e não depende da chuva, o preço também apresenta projeção de alta. Entre outubro de 2019 e janeiro de 2020, a saca passou de R$ 100 para R$ 157, uma cotação 57% maior.

“Os preços devem se manter nestes patamares devido à diminuição da área plantada em estados como o Paraná, ou até que os agricultores daqui iniciem um novo ciclo de plantio e colheita, o que só deve ocorrer entre maio e setembro, quando terá mais produto no mercado e o preço pode voltar a cair”, analisa o engenheiro agrônomo Luiz Stahlke, assessor de agronegócio da Associação de Agricultores do Oeste da Bahia (AIBA).

Os produtores da região colheram no ano passado mais de 35 mil toneladas de feijão. Não há dados de qual percentual já foi comercializado até agora.

IRECÊ

Até Irecê, que ficou conhecida como a “terra do feijão” e abastecia os mercados nesta época do ano, há muito tempo deixou de produzir o grão em escala comercial. Antigamente os agricultores de lá costumavam cultivar o feijão entre os meses de outubro e fevereiro, aproveitando as chuvas de verão.  “Com a mudança no regime de chuva tudo mudou e o agricultor substituiu o cultivo do feijão por outros mais promissores e menos arriscados, como cenoura, cebola e milho. Atualmente a produção de feijão aqui é quase zero”, afirma José Marcelino da Silva, Secretário de Agricultura de Irecê. 

A redução na área plantada de feijão na Bahia já vem sendo apontada há vários anos pelo IBGE, e vem ocorrendo emm diversos municípios.

Este ano não vai ser diferente. De acordo com o último levantamento de safra divulgado pelo órgão, o prognóstico indica que deve haver queda de 17% na primeira safra, e o volume produzido no estado deve cair para 143 mil toneladas, bem abaixo das 172 mil toneladas registradas neste mesmo  período do ano passado.

As projeções são realizadas com base em dados fornecidos pelos agricultores, secretárias municipais de agricultura e entidades que representam os produtores rurais. Eles apontam ainda que um outro motivo para a queda da produção do cereal seria a redução no rendimento médio das lavouras, que pode diminuir de 705 kg/hectare para 585 kg/hectare.