Feliz ano-novo. Só que não

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  • Paulo Sales

Publicado em 16 de dezembro de 2019 às 05:01

- Atualizado há um ano

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O escritor norte-americano John Fante tem um livro chamado 1933 Foi um Ano Ruim. Eu poderia parafraseá-lo e dizer que 2019 foi um ano ruim. Sombrio, pesado, distópico. Um ano para esquecer – ou para ficar gravado como uma espécie de prenúncio de tempos ainda mais duros. Por outro lado, é muito difícil encerrar cada ano em compartimentos estanques, sem qualquer ligação com aqueles que o antecedem e sucedem. Nesse sentido, 2019 é fruto direto do ano passado, igualmente desolador. E está estreitamente ligado a 2016, que entrará para a história como o ano da nossa ruptura institucional. Já 2016 não pode ser entendido sem as históricas manifestações de 2013. E por aí vai.

Daqui a alguns dias, quando nos vestirmos de branco para beber espumante quente e desejar votos de paz e prosperidade a qualquer um que surja à nossa frente, estaremos repetindo um ritual que celebra a vinda de algo que já conhecemos intimamente: mais do mesmo, com raras exceções. Talvez por isso, não levo muito a sério essas resoluções de ano-novo, promessas inúteis que fazemos a nós mesmos e que sempre acabam na vala comum das recaídas ou da acomodação. Gostaria, no entanto, de imaginar que 2020 poderia representar um ponto de inflexão, capaz de nos desviar da rota previsível que se delineia.

Mas confesso que é apenas um breve surto de otimismo que, como costumam ser os surtos de otimismo, não encontra paralelo na realidade. Mesmo porque a realidade não está para brincadeira. Observamos atônitos e impotentes à dissolução de uma ideia humanista de sociedade, focada na redução das desigualdades e na construção de um estado moderno e inclusivo. Essa ideia foi substituída por uma arquitetura da destruição: cultural, ambiental e social. Um caos planejado, refratário ao conhecimento acumulado em milênios.

É fato que o Brasil sempre foi um arremedo do que entendemos como nação civilizada. Um país violento e desigual, que reproduz até hoje a estrutura classista da era da escravidão. E que mesmo tendo chegado perto, em dado momento da sua história, jamais conseguiu concluir o avanço que lhe permitiria escapar dessa sina. Até então, porém, havia ao menos um consenso, uma premissa geral do que significa ser uma nação civilizada e de como chegar lá. Agora, o que era avanço se converte em retrocesso. Em todas as áreas, em todos os aspectos da sociedade. Ficamos pelo caminho.

Decidimos – ou uma parte de nós, brasileiros, decidiu – que não queremos a companhia de países como Holanda, Canadá, Suécia, França, Nova Zelândia ou Portugal. Não. Nossa aspiração, nesta aberração que se tornou o Brasil desde o fatídico novembro de 2018, é estarmos ao lado do que há de mais obscuro no mundo. A derrocada civilizacional é avassaladora. Em um ano, retrocedemos um século. A boçalidade hegemônica, a torpeza moral, a estultice orgulhosa de si mesma, o fundamentalismo abjeto. Vivemos num país em queda livre na noite mais escura. E não haverá fogos de artifício para celebrar um próspero ano-novo.