'Feliz de saber que vou voltar', diz velejador baiano após 18 meses preso em Cabo Verde

Três brasileiros deixaram presídio nesta quinta-feira (7)

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  • Tailane Muniz

Publicado em 9 de fevereiro de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Instagram/Reprodução

É como o conforto de acordar de um pesadelo, no meio da noite, e ter de esperar, acordada, o dia clarear. A angústia de quem acabou de despertar de um sonho ruim pela espera do amanhecer, pode, aqui, ajudar a mensurar a ansiedade da professora Aniete Dantas, 56 anos, pelo retorno do filho.

Ela é mãe do velejador baiano Rodrigo Dantas, 26, um dos três brasileiros que passaram 18 meses presos em Cabo Verde, acusados de tráfico de drogas. Além de Rodrigo, o também baiano Daniel Dantas, 44, o gaúcho Daniel Guerra, 36, e o capitão francês Oliver Thomas, ganharam, nesta quinta-feira (7), o direito de responder ao processo em liberdade e vão poder voltar pra casa. 

Eles estão sob as condições do Termo de Identidade e Residência (TIR), que possibilita que todos respondam ao processo em convívio familiar. Por meio de um áudio enviado à família, em Salvador, ao qual o CORREIO teve acesso, Rodrigo afirma, em meio a risos, que se sentiu surpreso com a liberação. "Estou muito feliz com a novidade. De sair, e, principalmente, de saber que nós vamos voltar", comemorou o jovem, que está em Cabo Verde acompanhado do pai.    Aniete Dantas chegou a se mudar pra Cabo Verde para poder visitar filho no presídio (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) À reportagem, Aniete explicou que os brasileiros devem retornar na próxima semana. "Ter a consciência de que meu filho é inocente, e acompanhar ele em um lugar insalubre, foi muito duro, muito difícil. É incrível saber que ele está bem, e vai voltar", afirmou a professora, que chegou a se mudar para o local e, duas vezes por semana, tinha direito de visitar o filho no período da prisão.

Há dois meses de volta a Salvador, ela afirmou que as famílias brasileiras se uniram e viraram uma ainda maior. A mãe e uma a irmã de Daniel também se mudaram para a ilha africana há mais de um ano e aguardam, lá, o desenrolar das documentações para voltar à capital. 

Irmã de Daniel, a comerciária Cláudia Dantas, 48, disse que perdeu a conta de quantas vezes acreditou que "o pesadelo fosse acabar". "Ninguém esperava, porque o próprio juiz quem condenou, liberou os meninos. Chorei muito, porque tantas vezes a gente achou que eles fossem sair. Eu fiquei parecendo louca", contou ela, que aguarda em Salvador.

Cláudia afirmou que os dois baianos se conheceram no curso em que fizeram juntos em Ilhabela, no litoral paulista."Meu irmão é uma pessoa do mar, imaginar uma pessoa assim presa, é algo horrível. É muita alegria, acho que mais feliz que nós, só eles", comentou ela, acrescentando que Daniel tem uma filha de 18 anos que mora nos Estados Unidos com a mãe. Brasileiros foram soltos nesta quinta-feira (7) (Foto: Acervo Pessoal) Aventura e prisão Contratados por um velejador inglês para entregar um barco no município de Mindelo, na Ilha de São Vicente, em Cabo Verde, em agosto de 2017, os três brasileiros e o francês, saíram de Salvador, onde já estava o barco, e seguiram, mar adentro, em aventura que deveria durar cerca de um mês.  

Eles nada ganhariam pelo delivery, prática comum entre os velejadores, além de experiência e milhas náuticas - que, posteriormente, são utilizadas para obtenção do título de capitão dos mares. Não imaginavam é que, além de sonhos, também levaram à África mais de uma tonelada de cocaína, encontrada escondida dentro do barco. 

No momento em que encontrou a droga, a polícia africana prendeu em flagrante o capitão francês e Daniel Guerra, que estavam dentro do barco. Daniel Dantas e Rodrigo já haviam se desvinculado da embarcação, mas ainda estavam em solo africano, apenas aguardando voo para retornar ao Brasil.  Os quatro, porém, foram presos sob a mesma justificativa: tráfico internacional de drogas. A princípio, Daniel e Rodrigo Dantas não ficaram em uma prisão. Após quatro meses, no entanto, o Ministério Público decidiu que os baianos poderiam fugir e prenderam os dois na penitenciária, onde já estavam Guerra e Oliver Thomas. 

Sete meses depois, em março de 2018, os quatro foram condenados a dez anos de prisão pelo juiz Antero Tavares. A sentença foi acompanhada por Aniete Dantas, que afirma que a decisão foi embasada "por uma série de erros".   Velejadores baianos ficaram 18 meses presos em Cabo Verde (Foto: Reprodução) Sentença   "O juiz simplesmente disse: 'É, como isso é muito comum entre estrangeiros velejadores, eu acho que vocês são mesmo os responsáveis pelas drogas', e os condenou. A Justiça sequer convocou o proprietário da embarcação, o Fox, para depor", relatou a professora.

Ela comentou, ainda, que a Justiça de Cabo Verde sequer considera o dono do barco, George Eduard Soul, conhecido como Fox, um suspeito. Já para a Polícia Federal brasileira, que incluiu o nome do suspeito na lista da Interpol, o homem é foragido.

Desde o início, os brasileiros alegaram inocência.  A Justiça cabo-verdiana desconsiderou testemunhas brasileiras e um inquérito feito pela Polícia Federal brasileira, que indicou fragilidades na acusação contra os velejadores. 

Como e em que momento a cocaína foi parar na embarcação, ainda é um mistério. O que se sabe até aqui, é que nada foi encontrado nas fiscalizações feitas pela Polícia Federal em Salvador e Natal. O inquérito da PF diz, segundo familiares, que a possibilidade é que a droga tenha sido plantada na parada que fez em Vitória, no Espírito Santo. Pais, irmãos e amigos de baianos viraram 'grande família' (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Liberdade Segundo a mãe, Rodrigo, que tinha habilitação para navegar por toda costa brasileira, já havia feito delivery para o Rio de Janeiro, São Paulo, Fernando de Noronha e outras regiões do país, mas precisava realizar a primeira viagem internacional para conseguir as milhas náuticas para realizar o sonho de virar capitão."Sou professora de Educação Física, natação, então temos todos uma relação forte com a água, o mar. Ele passou a velejar ainda muito novo, sempre foi uma paixão. Para o delivery, basta ter as habilitações, falar inglês e se candidatar. Ele mandou o currículo e foi aprovado. Contou a favor o fato de que já estava em Salvador, de onde o barco ia sair", explicou.Aniete Dantas acredita que após o período em que os familiares se dedicaram a explicitar o caso em todo o mundo, por meio de campanhas virtuais e apoio de outros velejadores, a Justiça de Cabo Verde considerou a inocência dos então presos, embora ainda não os tenha absolvido. 

"Quando o juiz recebeu o caso, julgou como se fosse mais um, das tantas situações de tráfico de drogas vistas. Mas aí eles viram que não paramos de lutar, mesmo depois da condenação, porque nunca conseguiram provar nada", comentou ela, acrescentando que três ingleses que também transitaram com o barco estão presos.

Ainda não há, segundo os parentes, data para um novo julgamento. As autoridades de Cabo Verde já adiantaram, no entanto, que existe uma agenda com previsão de envio de cartas para testemunhas no Brasil. As famílias dos brasileiros se agarram a uma única certeza: seja contra ou a favor do vento, o barco não pode parar.