Fiquei pasmo com a pragmática das mulheres

Senta que lá vem...

  • D
  • Da Redação

Publicado em 30 de abril de 2019 às 12:40

- Atualizado há um ano

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Hoje encontrei próximo ao metrô de Brotas, uma querida vizinha de bairro que me contou, com uma naturalidade desconcertante e para todo mundo ouvir, que uma sua amiga tem um "amante para manutenção": só vem em datas aprazadas com exclusivo objetivo sexual. “Depois cada qual pega o seu rumo e a vida continua”, concluiu me olhando dentro dos olhos. Fiquei pasmo com a pragmática da mulher.

Pondero: também uma mulher arranjar um segundo casamento depois dos quarenta é quase como ganhar na loteria. Ou coisa para Ana Maria Braga. E dei tratos à bola enquanto ouvia a vizinha: o machismo e a chatice da vida a dois padronizada, faz muita mulher desistir de homem definitivamente. A minha amiga, serelepe e sorridente era um exemplo cabal dessa escolha. Logo que ficou viúva (e isso é um fato recente), reformou a casa e trocou a cama de casal por uma de solteiro (repara no simbolismo).

“Não quero mais nem me lembrar que passei trinta e cinco anos da minha vida dormindo com aquele traste – que deus o tenha. Se muito prestou foram os três, quatro primeiros anos. Mas não tô morta não. Agora é que eu vou curtir a vida. Só não quero mais é homem, sexo. Ai que gastura, perdi a paciência.” Fico abobado com a objetividade das considerações para questões tão subjetivas. Para o meu espanto, ela sabia muito bem onde colocar o desejo. E continua: “não é porque eu tenho 70 anos não. A coisa coça do mesmo jeito e eu sempre fui chegada. E hoje já tem uns garotões muito educados que fazem programa só para a terceira idade. Passa até no cartão; mas até isso eu tô dispensando. Sexo é bom. O problema é que ele traz sempre um homem a contrapeso. Não tenho mais paciência para criar menino de rola grande não. Você sabe que homem não cresce, né? E não é uma coisa do outro mundo ficar sem sexo. É como largar de fumar. Vai indo e a gente esquece. Só tem que ser perseverante e pesar os prós e os contras, distrai a mente, viajar. Eu mesma quero conhecer muito lugar bonito que eu sempre sonhei e que o mala sem alça do finado sempre botava porém. Tem horas que eu penso que essa viuvez foi uma bênção. Adoro pegar a minha bolsa, fechar a casa e chispar pra rua, sem me preocupar em fazer comida pra ninguém. Homem é um bicho tão defeituoso que não lava nem as cuecas que veste. E depois de velha, quem diria, eu posso curtir a minha liberdade”. Fiquei mais perplexo ainda com tamanha lucidez jogada assim na minha cara sem chove-não-molha. E ela para me desembaraçar mudou de papo. “Recita um poema aí pra mim. Adoro quando você fala poemas”.

Nesse momento caiu a minha ficha. “Vou te falar um poema da Ana Cristina César - ‘A cartilha da cura: as mulheres e as crianças são as primeiras que desistem de afundar navios’”. Ela refletiu um pouco, sentindo a perplexidade poética e muito rápida soltou uma sonora gargalhada descendo a ladeira dos Galés.

Texto originalmente publicado no Facebook e replicado com autorização do autor