Fotografia de Rogério Ferrari era marcada por preocupação com minorias

Baiano que foi ativista do PCB e fotografou a Queda do Muro de Berlim morreu nesta segunda (19)

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  • Roberto Midlej

Publicado em 19 de julho de 2021 às 22:32

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Rogério Ferrari

Rogério Ferrari era um fotógrafo de extrema sensibilidade e, para se usar uma palavra que está em alta, de muita "empatia". Compadeceu-se dos sofrimentos dos mais diversos povos, como indígenas, ciganos, curdos e palestinos e fez questão de os conhecer de perto. 

Natural de Ipiaú, no sul da Bahia, Rogério morreu nesta segunda (19) aos 56 anos no Hospital Santo Antônio, em Salvador, depois de lutar contra um câncer raro desde fevereiro deste ano. A conhecidos, ele afirmou que tinha uma mutação que ocorre em menos de 1% de todos os tipos de câncer. A cremação do corpo será nesta terça às 10h30 em Salvador, no Crematório do Cemitério Jardim da Saudade, em Brotas. Foto para o livro Ciganos Sobre os indígenas, que ele fotografou para o livro Parentes (2018), escreveu:"Todos aquelas vidas e mundos que estavam nesse território antes da chegada das caravelas foram violentados, caçados, exterminados, aldeados, para dar lugar aos  pioneiros que um dia chegaram em navios, mulas, trens, ônibus, em longas caminhadas e em aviões particulares".Os amigos são unânimes em dizer que o fotógrafo se dedicou, através de imagens, a defender os grupos mais vulneráveis, mesmo que para isso pusesse sua vida em risco. "Foi um jornalista corajoso e talentoso que saiu pelo mundo mostrando os fatos sempre pelo olhar dos mais fracos. Na Faixa de Gaza, arriscando à própria vida, conseguiu mostrar o conflito atrás das linhas dos manifestantes palestinos que reagiam com pedras aos tiros das tropas de Israel", disse o jornalista Pascoal Gomes.

O cineasta Fabrício Ramos, que dirigiu o filme Muros, sobre a obra de Rogério, disse que o fotógrafo "dedicou toda a sua energia para a luta dos povos que mais lutam, mas na presença e convivência com  as pessoas desses povos. Ele Dizia que a fotografia é uma forma de pegar pela mão e dizer 'vem ver'. E com isso, transformava o nosso olhar". Índio Kiriri O escritor e cineasta Raul Moreira já chegou a chamar o amigo de Cavaleiro da Triste Figura, em razão da expressão fechada que costumava apresentar."Na verdade, Ferrari foi uma espécie de Dom Quixote, e em vez da lança de madeira, pronta a derrubar os dragões travestidos de moinhos de vento, sua arma era uma máquina fotográfica. Com ela, correu o mundo", diz Raul.A obra do fotógrafo, que era também antropólogo, foi tema da dissertação de mestrado em cultura e sociedade da jornalista Cássia Candra, que levou o título O que eu Faria com Aquilo que Entrava pelos Meus Olhos? – Gesto e poética na fotografia de Rogério Ferrari. O texto está disponível na internet.

"Ele tinha uma obra arrojada e nos trabalhos dele, fotógrafo e antropólogo atuavam juntos, não se desassociam. E isso que me arrebatou", revela Cássia. A jornalista ressalta que Rogério passou três meses na Palestina, para mostrar, segundo ela, "o que a mídia não noticiava". A série de fotografias resultou no primeiro livro dele, Palestina - A Eloquência do Sangue, de 2004.

Rogério Ferrari começou a se interessar por fotografia de forma espontânea. Numa entrevista a Jô Soares, em 2012, disse que começou a fotografar porque desejava compartilhar as coisas que vivia. "Em torno dos 17 anos, fui a Brasília acompanhar as eleições indiretas e comecei a fotografar, com a intenção de compartilhar aquele momento com outras pessoas". Foto para o livro Parentes Muito interessado em questões políticas, foi militante do Partido Comunista Brasileiro. Foi essa militância que o levou até Berlim Oriental, onde, em 1989, pôde fotografar a Queda do Muro de Berlim."Fui contemplado com uma bolsa para estudar filosofia e história e daí, estando lá, cheguei em agosto, no momento em que as coisas estavam acontecendo. Foi muito impressionante porque as pessoas se manifestavam, mas em absoluto silêncio, como se tivesse perdido a compreensão de como era reivindicar e como era se manifestar", disse Rogério.O fotógrafo ipiauense teve trabalhos publicados em veículos nacionais como as revistas Veja e Carta Capital e internacionais, como a Revista Acción (Argentina) e Periódico El Tiempo (México), além das agências de notícias Prensa Latina (Cuba) e Reuters (Inglaterra).

Veja fotos de Rogério na exposição online Semelhantes

Leia a dissertação de Cássia Candra sobre Rogério Ferrari

Depoimentos sobre Rogério Ferrari

Pascoal Gomes, jornalista

“Rogério Ferrari foi um jornalista corajoso e talentoso que saiu pelo mundo mostrando os fatos sempre pelo olhar dos mais fracos. Na Faixa de Gaza, arriscando à própria vida, conseguiu mostrar o conflito atrás das linhas dos manifestantes palestinos que reagiam com pedras aos tiros das tropas de Israel. Roge, como os amigos mais chegados o chamavam, é um artista e suas imagens diversas estão aí para a posteridade. Na intimidade, era um afável e tinha um humor ímpar. Perdi um irmão que lutou até o fim. Vai fazer muita falta ".

Raul Moreira, escritor e cineasta

"Rogério era uma um homem sério, de expressão fechada, o que muitas vezes o fazia triste. Certa vez o chamei de Cavaleiro da Triste Figura. Aliás, na verdade, Ferrari foi uma espécie de Dom Quixote, e em vez da lança de madeira, pronta a derrubar os dragões travestidos de moinhos de vento, sua arma era uma máquina fotográfica. Com ela, correu o mundo. A usou quase sempre de forma natural, sem artifícios, sem elaborar a luz. E no momento exato, eis o clique, na busca da expressão como afirmação da existência. Dentro do seu “Resistências e Existências”, por sinal, o que chamou a atenção, naturalmente, foi o seu envolvimento com as causas. Foi assim por onde passou, da Palestina a Chiapas, do Saara, onde fotografou os saarauis), aos acampamentos ciganos na Bahia."

Fabrício Ramos, cineasta e diretor do filme Muros, sobre a obra de Rogério Ferrari

"O que podemos dizer agora, eu e Camele, é sobre um grande amigo. é que Rogério era um grande amigo. Era uma pessoa não de palavras, mas de gestos, de presença.  Dedicou toda a sua energia para a luta dos povos que mais lutam, mas na presença e convivência com  as pessoas desses povos. Ele dizia que a fotografia é uma forma de pegar pela mão e dizer vem ver. E com isso transformava o nosso olhar. Era um cara discreto e prefiro ser discreto também agora. Por isso, restrinjo-me a isso. Sobre o Muros, prefiro não falar agora. Tudo o que Rogério fez vai muito muito além."

Paquito, músico que foi fotografado por Rogério

"Ele era um idealista, uma pessoa que tinha um engajamento em tudo o que fazia. O que admiro nele é a militância: ele era militante no sentido mais profundo. Buscava algo além de simplesmente sobreviver do trabalho. Mas ele tinha um senso de humor muito sutil. Fiquei triste."