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Gabriel Amorim
Publicado em 13 de setembro de 2019 às 18:18
- Atualizado há 2 anos
O relógio aponta 12h, e são muitos os que passam pelas catracas da sede da Petrobras, no bairro do Itaigara. Animados, os funcionários conversam sobre seus projetos no trabalho e especulam sobre quando será a mudança para o novo prédio, ainda em construção, no mesmo terreno. Não há tempo para ir em casa e os petroleiros se dividem pelos restaurantes e praças de alimentação nas proximidades da empresa. Esse era o cenário em 2010.>
Nove anos depois. Hora do almoço, e as portas do prédio imponente de 22 andares começam a se abrir. Em alguns anos, tudo mudou. Em pequenos grupos os funcionários da estatal saem para o horário de almoço e não é difícil perceber o clima pesado que toma conta de quem trabalha por ali. As conversas entre eles têm assunto certo: o encerramento das operações da empresa em solo baiano e o consequente esvaziamento da agora conhecida Torre Pituba.>
Abordados pela reportagem do CORREIO, a maioria dos funcionários retiram os crachás, para não serem identificados. O medo de que qualquer reclamação possa piorar uma situação que já não está boa é recorrente. Com as identidades protegidas, no entanto, o discurso é unanime.“A situação está muito ruim, a Petrobras está destruindo famílias. A gente não sabe o que vai fazer agora”, diz um servidor. “Voltei de férias sem saber muito das coisas, mas o clima péssimo é visível. A gente só fica sabendo das coisas pela rádio peão. Tudo muito incerto”, completa outra funcionária. Os boatos que correm os corredores dão conta de que a Petrobras decidiu transferir seus funcionários concursados para outros estados. Quem atualmente trabalha em Salvador provavelmente será deslocado para os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo. Já os terceirizados, sem a garantia do concurso público, já começam a buscar outros caminhos.“Trabalho em uma sala só de terceirizados. Apesar de ninguém falar nada, porque não temos nenhuma informação oficial da empresa, a gente já está buscando outras coisas. Não dá para ficar desempregado da noite para o dia”, reclama uma funcionária.Todos os cerca de 2,5 mil terceirizados que trabalham no prédio da Pituba devem ser demitidos, segundo informações do Sindicato dos Petroleiros da Bahia (Sindipetro-BA).>
Procurada pelo CORREIO a Petrobras desmentiu boatos de demissão em massa e afirmou que o fechamento da Torre Pituba faz parte de uma estratégia econômica. “Atualmente o imóvel possui taxa de ocupação de 20% e elevados custos de aluguel e manutenção. Dentro de uma estratégia de redução de custos em todos os seus processos e atividades, inclusive a ocupação predial, a Petrobras está realizando estudo para adequar a ocupação dos espaços à estratégia de negócio da companhia”, disse por meio de nota.>
A empresa afirmou ainda que as áreas afetadas estão realizando estudos para melhor alocar suas equipes e atividades, e que essa migração não significa, necessariamente, transferência de estado. >
“Também estão sendo realizados estudos para readequação de contratos de prestação de serviços conforme necessidades da companhia no estado. Não é verdadeira a informação sobre demissão em massa de prestadores de serviços. Esse movimento de adequação para redução de custos de ocupação predial não é pontual em uma região específica. Esse ano já foi desocupado o Edisp, em São Paulo, contratadas novas instalações e realocadas algumas equipes, gerando uma economia anual de cerca de R$ 20 milhões para a companhia. Com o mesmo intuito, estão sendo desocupados o Edifício Ventura, no Centro do Rio de Janeiro, e o Edifício Novo Cavaleiros, em Macaé”, completa ao comunicado. (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Transferência De acordo com o diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e do Sindipetro-BA, Deyvid Bacelar, os trabalhadores que vão ser transferidos já receberam prazos para sair do estado. O limite para a maioria das gerências começa em novembro e vai até março de 2020, mas há uma com prazo em setembro do ano que vem.>
Ao todo, cerca de 1,5 mil servidores se enquadram nessa situação e podem ser deslocados para São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Esta semana, segundo ele, as entidades foram informadas de que mesmo os servidores concursados podem ser demitidos após a transferência.>
“Algumas pessoas serão demitidas porque não haverá local de trabalho para todas. Naquele prédio (da Pituba), você tem áreas de contabilidade, aquisição de bens e serviços, finanças, tributário e gestão de pessoas. Quando essas áreas forem centralizadas no Rio, cada uma delas terá um limite de pessoas para trabalhar”, explica.>
Uma vez que esse limite for atingido, o restante dos profissionais deve ser demitido. O percentual, porém, não foi informado. “Essa orientação (da demissão) já foi dada a todos os gerentes executivos. Observa o transtorno: a pessoa está na Bahia, vai ser transferida e ainda corre o risco de ser demitida, às vezes levando família, vendendo casa”, afirma Bacelar.>
De acordo com o diretor, as demissões de concursados já começaram a acontecer. Em 2019, houve quatro casos de desligamentos sem justa causa na Bahia. Esses casos estão sendo acompanhados pela assessoria jurídica do Sindipetro-BA.>
A soma das possíveis demissões dos concursados e de todos os terceirizados lotados no prédio representa, para Barcelar, um prejuízo econômico alto para aquela região da cidade e para Salvador.>
“Vai aumentar o índice de desemprego em Salvador e na Bahia, e você deixa de ter uma massa salarial que consome naquela região da cidade. O impacto é significativo para as redes de alimentação, transportes e comércio”, explica.>
No entanto, ele explica que as entidades que representam os petroleiros têm se movimentado para evitar essa situação. A primeira ação foi na via judicial: todo o processo já está na Justiça do Trabalho. Segundo ele, como os trâmites de retirada da Petrobras do estado envolvem uma série de aspectos – a retirada da sede, a venda da refinaria, o fechamento da Fafen, e o fato de campos terrestres, terminais e termoelétricas terem sido colocados à venda –, o sindicato tem impetrado ações judiciais.>
Nas escuras Entre os funcionários, que ainda não sabem exatamente o que acontecerá, a maior queixa é a do silêncio por parte da Petrobras. “A gente faz nosso trabalho porque é nossa obrigação. Mas a empresa precisa se posicionar oficialmente para a gente saber o que fazer. Tem gente com filho pequeno, com pais idosos, com marido e esposa que tem trabalho aqui, como vamos fazer para simplesmente nos transferirmos?”, questiona um servidor.>
A falta de clareza no processo por parte da Petrobras é criticada também pelo presidente da Associação Comercial da Bahia (ACB), Mário Carvalho. Para ele, a estatal precisa explicar o que está acontecendo – inclusive, dizer por quais motivos não precisaria mais dos servidores que trabalham na Bahia.“A gente entende que é uma empresa de economia mista, que tem responsabilidade com os acionistas. Mas, como qualquer empresa, tem responsabilidade social, ainda mais porque seu controlador é a União. Ela tem que vir a público para explicar e se existe espaço para estado, municípios, ACB ou mesmo empresas privadas fazerem algo para impedir (a saída)”, afirmou.Segundo ele, a própria ACB tem tentado contatar a Petrobras para ter mais informações, mas não tem obtido sucesso. “É muito ruim, sem dúvida, principalmente pela forma como está sendo feito, sem diálogo com as entidades privadas e os poderes estadual e municipal. A Petrobras não é obrigada a ter prejuízo por ser da União, mas não pode fazer isso desse jeito. O que a Petrobras tem a esconder? Por que não explica? Por que não se comunica?", questiona. >
A ACB não é a única buscando diálogo. Nesta segunda-feira (16), todos os sindicatos de petroleiros do Nordeste, além da FUP, serão recebidos na reunião do Consórcio do Nordeste, de acordo com o diretor do Sindipetro-BA e da FUP Deyvid Bacelar. Na ocasião, os governadores da região, que compõem o consórcio, vão se reunir em Natal (RN). A ideia é apresentar os impactos da situação aos governadores, para que eles também se movimentem pela permanência da estatal na região.>
No dia 23 de setembro, na Bahia, será lançada uma Frente Parlamentar e Popular Mista em Defesa da Petrobras no estado. Composto por diferentes partidos políticos e pela sociedade civil, o grupo será lançado na Assembleia Legislativa do Estado (Alba). Em Brasília, o Congresso já lançou uma frente com o mesmo objetivo. Uma greve nacional dos petroleiros contra o que chamam de "destruição da Petrobras" também está sendo desenhada, ainda sem data.“Não tem argumento econômico que justifique isso. Essa (saída da Bahia e do Nordeste) é uma decisão política. Resumir a Petrobras a apenas três estados é ir de encontro ao que qualquer grande petrolífera faz hoje, que é integrar exploração, produção, refino, petroquímica e comercialização desses produtos. Parece até uma reação ou vingança contra o Nordeste”, diz Bacelar.Outros lados Em nota enviada ao CORREIO, o presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), Ricardo Alban, afirmou que o fechamento de unidades da Petrobras, apesar do impacto imediato que pode ter sobre o comércio e serviços, pode trazer mais dinamismo para a indústria e para a Bahia. Para ele, isso aconteceria com a atração de novos investimentos do setor privado nas atividades de refino.“É importante lembrar que a estratégia da Petrobras vem sendo focada na exploração de petróleo e numa descontinuidade progressiva dos investimentos nas atividades de refino”, disse. “Com a privatização da RLAM e do eventual arrendamento da Fafen, a atração de novas indústrias de capital privado pode conferir mais eficiência e dinamismo ao segmento produtivo, com efeitos que se estenderão a toda a cadeia produtiva da petroquímica baiana”.>
Outro ponto, para Alban, é que a exploração de campos maduros por outros agentes também é um fator positivo para a economia. “Segundo a PIA 2017 (IBGE) o setor de refino contribui com 25,2% do VTI (Valor da Transformação Industrial) e 1,4% do POT (Pessoal Ocupado Total) da Indústria de Transformação da Bahia. Outro dado importante sobre o setor/Petrobras é que respondeu por 25% da arrecadação de ICMS do estado, em 2018. Estes números mostram que há oportunidades para o setor privado no estado”, completou.>
* Com supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro>