Fundador do CP, Val Bandeira recebe liberdade condicional após 15 anos

Operação evitou soltura do traficante em dezembro, mas Justiça o liberou nesta terça

Publicado em 26 de junho de 2018 às 18:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução/Almiro Lopes/CORREIO

Val Bandeira estava preso na Unidade Especial Disciplinar, no Complexo da Mata Escura (Foto: Reprodução/Almiro Lopes/CORREIO) Considerado um dos maiores traficantes da Bahia, Josevaldo Bandeira, o Val Bandeira, um dos fundadores da façcão Comando da Paz (CP), foi solto após receber liberdade condicional da Justiça na manhã desta terça-feira (26). Condenado por crimes como homicídio, tráfico de drogas e associação ao tráfico, ele continuava, segundo a polícia, controlando a venda de entorpecentes na região do Nordeste de Amaralina, em Salvador, mesmo de dentro da cadeia.

Val Bandeira, que é considerado o nº 1 do CP, estava preso no Complexo Penitenciário da Mata Escura e passou por Sessão de Livramento Condicional realizada na 2ª Vara de Execuções Penais, em Sussuarana. Após a audiência, comandada pela juíza Maria Angélica Carneiro, ficou decidido que ele seria liberado com o dever de seguir algumas determinações feitas em juízo.

Para continuar cumprindo a pena em liberdade ele terá que arranjar um emprego (ocupação lícita) no prazo de 90 dias, a contar desta terça, comunicando e comprovando periodicamente à Justiça essa atividade. A juíza também determinou que ele não poderá mudar o território da Comarca do Juízo da Execução sem avisar previamente essa decisão, tampouco mudar de residência sem comunicação prévia - assim, ele deve continuar morando no bairro da Santa Cruz, endereço informado à Justiça. 

Segundo a assessoria do Ministério Público Estadual (MP-BA), a promotora Ana Vitória Gouveia, que acompanhou a audiência desta terça, contou que Bandeira estava preso há 15 anos e que cumpriu todos os requisitos para receber o benefício da liberdade condicional, não restando contestação à decisão judicial.

Sem festas e armas O prazo para cumprimento da pena vence em 14 de junho de 2022. Até lá, ele terá de abdicar da vida noturna. Na decisão, a juíza especifica que ele não poderá frequentar bares (casas de bebidas), casas de jogos ou de prostituição, nem festas de largo ou carnavalescas. Também prevê que ele deve estar em casa, todos os dias, até as 22h. Está proibido ainda de andar armado.

Nesta quarta (27), Val Bandeira terá de se apresentar à Vara de Execuções Penais para receber as orientações devidas e, a partir daí, a cada três meses, justificar as suas atividades.

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Para continuar cumprindo a pena longe da prisão, o fundador do CP também terá de “procurar viver em harmonia com a família e os vizinhos, trazendo ao conhecimento do Setor de Atendimento Psicossocial os fatos que lhe perturbem a convivência em família ou em sociedade”. 

A juíza Maria Angélica Carneiro também o orientou a cumprir recomendações feitas pelas autoridades responsáveis pelo acompanhamento do processo de seu retorno ao convívio social, durante o tempo determinado pelo Juízo de Execução.

Val Bandeira terá ainda de levar ao conhecimento da Justiça ou órgão de fiscalização todos os fatos que impeçam o cumprimento das condições impostas.

Operação em vão Em 19 de dezembro do ano passado, uma operação conjunta  da Polícia Civil, MP-BA e Poder Judiciário evitou que ele fosse solto, duas horas antes de ser liberado do sistema prisional. Na ocasião, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que ele receberia livramento condicional após 14 anos de detenção, mas continuava determinando a execução de crimes fora da cadeia. Val Bandeira foi apontado como um dos mandantes de onda de ataques a módulos e viaturas policiais em 2009 (Foto: Paulo M. Azevedo/Arquivo CORREIO) A saída de Val Bandeira também estava marcada para uma terça-feira, mas o cumprimento de um novo mandado de prisão o manteve preso na Unidade Especial Disciplinar (UED), na Mata Escura. Antes, ele chegou a cumprir pena nas unidades federais de Catanduvas (PR), e Serrinha (BA), “devido ao seu elevadíssimo grau de periculosidade”."As investigações comprovam que as ordens para comparsas do Nordeste de Amaralina efetuarem os roubos partiram do sentenciado. Além destes crimes, Val Bandeira continuava exercendo o papel de líder da facção, dizendo como os negócios ilícitos deveriam ser realizados", diz a SSP em nota, divulgada em dezembro.Nesta terça, a assessoria da SSP não se posicionou sobre o assunto, e pediu para que a reportagem entrasse em contato com o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). A assessoria da Polícia Civil fez a mesma recomendação. A assessoria do TJ-BA não respondeu aos questionamentos até a publicação da reportagem. 

Em contato com o CORREIO, policiais militares, sem se identificar, relataram "insatisfação geral" da tropa com a soltura do traficante. Eles lembraram que membros da quadrilha são suspeitos de envolvimento na execução do cabo Gustavo Gonzaga da Silva, 44, no último dia 8. Antes de ser executado, o PM foi torturado por traficantes da região onde Val Bandeira ainda comandaria o tráfico. O corpo do cabo Gonzaga ainda foi mutilado.

No entanto, o Departamento de Comunicação Social (DCS) da Polícia Militar informou, em nota, que “a corporação não se manifesta em relação a decisão judicial”.

Os advogados Antônio Glorisman e Ricardo Pombal Nunes, que defendem Val Bandeira, não foram localizados pela reportagem para comentar o assunto.

Crueldade e uso de crianças Em 2009, o CORREIO mostrou como funcionava a então denominada facção Comissão da Paz (inicialmente Comando do Boqueirão). O bando era liderado pelo também traficante Cláudio Campanha - que assumiu a organização após a morte de Éberson Souza Santos, Pitty.

Naquele ano, Bandeira foi um dos suspeitos de comandar uma onda de ataques a ônibus e módulos policiais em Salvador, iniciada no dia 7 de Setembro. Segundo a polícia, a revolta dos criminosos foi causada pela transferência de Campanha para um presídio de segurança máxima em Campo Grande (MS).

Na época, segundo a polícia, Bandeira era responsável por liderar a maioria das execuções registradas no Nordeste de Amaralina e região. De acordo com o então comandante da 40ª CIPM, major Gidelmar de Almeida Gualberto, ele agia de forma cruel. “Ele ganhou fama pelo requinte de crueldade com que executa seus desafetos”, afirmou Gualberto, na ocasião, sobre Bandeira. Organograma do CP em 2009: Val Bandeira aparecia como um dos cabeças da facção Também na época, policiais da Delegacia de Tóxico e Entorpecentes (DTE) destacaram que a linha de frente do CP era formada por jovens ente 15 e 17 anos, que usavam revólveres calibre 38, pistolas ponto 40 e 45 (uso restrito das Forças Armadas), rifles, metralhadoras ponto 45, submetralhadoras 9mm, carabina (espingarda) calibre 12, bananas de dinamite e até fuzil 762. 

O crack e a cocaína eram as drogas mais vendidas na região, segundo agentes da DTE que mapeiam o tráfico da região. Segundo eles, o comércio de entorpecentes rendeu cerca de R$ 50 mil por mês aos traficantes ligados a Val Bandeira. 

Uma das estratégias da quadrilha, ainda conforme os policiais, era recrutar crianças e adolescentes. Primeiro, porque eles respeitam mais a hierarquia da comunidade, e também por ser mais difícil mantê-los detidos. Eles também eram utilizados como olheiros, avisando sobre a presença da polícia nas comunidades dominadas pela quadrilha. 

Outros eram usados para despistar policiais durante abordagens na favela. Os chamados “vapor” corriam em direção contrária, atraindo os policiais para longe das bocas de fumo.