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Paulo Leandro
Publicado em 13 de abril de 2020 às 15:39
- Atualizado há um ano
O dinheiro ficava num saco de pão atrás da porta da casa onde moravam, em Arembepe. A prioridade de sempre era comprar um padrão na Casa Esportiva para o time aurirrubro e mais balões de couro. Os novos baianos, entre os quais, Moraes Moreira, tabelavam música e futebol, duas boas razões para viver.
Tanto era forte este elo que o terceiro álbum em estúdio da banda foi o ‘Novos Baianos Futebol Clube’. A proposta anarquista de convívio, em 1973, tinha a banda-time como protagonista. O risco era evidente, afinal, quem desagradava o regime instalado em 1964 enfrentava uma barra nada harmoniosa: havia um perigo iminente na corajosa livre expressão do frevo, baião, choro e samba, em letras criativas e desinteressadas de projetos de poder.
Pepeu era Vitória, fazendo o Ba-Vi com Moraes, afeiçoado ao tricolor, embora anos depois tivesse alterado sua rota, quando foi morar no Rio e passou a curtir mais o Flamengo, outro time popular. Levantar a galera com entusiasmo, no entanto, era privilégio do Hino do Bahia - de autoria de Adroaldo Ribeiro Costa e Agenor Gomes. Depois do ‘ouve esta voz que é teu alento’, um ‘gentemoto’ medido em escala Richter fazia subir o chão da Praça Castro Alves ao gritos libertários de Moraes & a massa: ‘Baêa! Baêa! Baêa!’.
Esta tomada da praça pelo seu devido proprietário, o povo, elege Moraes Moreira, armado de acordes e harmonias. O desencarne eleva o cantor ao trio elétrico dos imortais. Ao trocar a camisa tricolor pela vermelha e preta, pretinha, Moraes agradeceu ao ídolo Zico, em ‘Saudades do Galinho’, quando deixou o Flamengo para jogar no Udinese, da Itália, após a Copa de 1982.
Aqui, você pode curtir ‘Saudades do Galinho’: https://www.letras.mus.br/moraes-moreira/1182978/
O clube de regatas manifestou seu luto pela passagem do novo baiano: ‘E agora como é que eu fico, nas tardes de domingo, sem Zico no Maracanã, agora como é que eu me vingo de toda derrota da vida, se a cada gol do Flamengo eu me sentia um vencedor...’.
A sintonia das duas artes obrigou Moraes, levado pelas moiras fiandeiras do destino, a compor uma ode à Seleção Brasileira de 1982, a última a merecer chamar-se assim, pela experiência estética proporcionada ao mundo, na Copa da Espanha. Jogava fácil o escrete, cantava muito Moraes: ‘Tá lá, tá lá, tá lá, tá no filó, tá na filosofia, quem sabe, sabe: o craque brasileiro tem sabedoria! Mistura de fé futebol e arte que em nenhuma outra parte do mundo não há”
Antes de escalar os craques de 82, em ‘Sangue, Swing e Cintura’, Moraes abre com o camisa 10 tricampeão no México, em 1970: ‘O rei aqui é Pelé, na terra do futebol, olé! É bola no pé, redonda assim como o sol, seja no Maracanã, ou num gramado espanhol’.
Aqui, você pode ouvir ‘Sangue, Swing e Cintura’: https://www.letras.mus.br/moraes-moreira/1800897/
O som segue pela ponta direita, nas pernas tortas e enviesadas do bi 58/62, na Suécia e no Chile: ‘Escola aqui é de samba, e bola é arte do povo, sua alegria Deus manda, nasce um Garrincha de novo...’. Como se fizesse uma hierarquia dos megacraques, cita, de novo, o Galinho, presente nas copas de 78 a 86: ‘Galinho de Quintino, Flamengo menino Grito, em forma de hino - Gol!’. O próximo a ser citado é o Magrão, meia do Flamengo, referência na Democracia corinthiana: ‘Calcanhar de Sócrates, gogó de cantor! Só craque, só craque, só craque, só craque, só craque e doutor!’.
Por fim, a homenagem a quem sempre protegeu a bola dos chutões e caneladas: ‘Telê, um fio de esperança, de velho, moço e criança, unindo os corações, E assim de novo do mundo seremos, seremos os campeões!’.
O título de 1982 não veio, mas quem precisa dele? A arte de Moraes e da Seleção nos protegerá da derrota para a realidade, sempre pronta a nos entristecer, como neste 13 de abril, quando o cantor novo-baiano foi encontrado, sem pulsar: morreu dormindo e nos deixou cantando!
Paulo Leandro é jornalista e professor doutor em Sociedade e Cultura.