'Gás vai ajudar o país a se reindustrializar'

Entrevista: José Cesário Cecchi, diretor da ANP

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Publicado em 9 de agosto de 2019 às 12:45

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Os altos preços cobrados pelo gás natural no Brasil são apontados como um dos grandes gargalos enfrentados pelo setor produtivo no país. A diferença em relação a outros países traz dificuldades para diversos setores da indústria, como o petroquímico e de fabricação de vidros, entre outros. Mas, se hoje os custos do produto representam uma dor de cabeça para o setor produtivo, este cenário vai começar a se modificar em breve, acredita o diretor da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), José Cesário Cecche. Qual será o impacto? Só o tempo dirá, responde. “Mas a preocupação em dar racionalidade ao mercado já é algo positivo”, diz, que esteve ontem em Salvador para um encontro com representantes do setor na Bahia. 

Cesário é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), possui mestrado em Engenharia Nuclear e doutorado em Engenharia de Produção pela mesma universidade. Trabalhou em diversas empresas e instituições ligadas ao setor de energia. Funcionário de carreira do Instituto Nacional de Tecnologia (INT), atua na ANP desde 1998, inicialmente como assessor de diretoria e desde 2017 é diretor da agência. 

Qual é a sua expectativa em relação ao esforço do governo para a reduzir o custo do gás natural no país?

Só o fato de ter um movimento que proporciona uma certa competição no preço do gás já bastaria na teoria econômica para os preços reduzidos. Claro que hoje os preços praticados são feitos por um único produtor, que é a Petrobras. É complicado porque faz o preço conforme as suas conveniências econômicas e financeiras, etc. Quando se promove uma competição na oferta, o entrante, para colocar o produto no mercado, vai ter que oferecer algum tipo de vantagem e normalmente esta vantagem é o preço menor que o do seu concorrente. Só este fato já sinaliza pra uma redução no preço do gás. Este é o primeiro componente. Com relação a outro componente do preço, que é a tarifa de transportes, nós vamos iniciar uma série de revisões, a exemplo do Gasbol, o Gasoduto Brasil-Bolívia. Ali já houve a amortização de boa parcela do capital investido, o capex. Já tiveram o retorno em relação a isso, então na revisão tarifária, a tarifa de transporte já sofreu uma revisão significativa. É mais um componente que acena para uma prática de preços semelhantes aos internacionais.  Agora, de quanto vai ser, é a grande pergunta. Não me arrisco a prever um número. Depende de uma série de fatores. 

Depende de um movimento de mercado...

Exato, é o mercado quem vai fixar o preço. Agora, vai se ter a possibilidade de escolher entre um produtor que ofereça um preço diferente, mais justo. Aí as forças do mercado irão funcionar. Essa é a intenção do governo federal e do novo mercado de gás que está por trás deste movimento, que foi lançado pelo presidente Bolsonaro e pelas instituições que compõem o comitê pela promoção da competição da indústria de gás natural do Brasil. 

O senhor acredita que existam condições de atratividade para a entrada desses novos investidores no mercado, para concorrer com a Petrobras?

A Petrobras tem parceiros e alguns destes parceiros têm direito a uma parcela da produção. Esse sócio da Petrobras, que é dono de 30% do gás que ela produz como operadora do campo, vai ter que se mexer. A Petrobras se compromete a não renovar os contratos de venda na boca do poço, porque se continuar, oferecendo um preço bom, os outros vão ficar confortáveis, porque o negócio deles é petróleo. Isso inclusive está no termo de cessação de conduta que a Petrobras assinou com o Cade. Agora, a Petrobras se comprometeu a não comprar este gás. Essas outras empresas vão ter que procurar um destino. E esse destino é o mercado. Então, eles vão ter que comprar espaço, ou negociar um livre acesso num gasoduto de escoamento, pagar uma tarifa de processamento e injetar na malha de transportes. É um movimento natural, tem que acontecer. Ou isso, ou essas empresas vão ter prejuízos. 

Além dessas questões que estão no início da cadeia, existem outros aspectos que encarecem o produto. Como eles serão tratados?

Você tem o elo da produção, que é manifestado no preço da molécula, depois tem outro componente que é a tarifa de transporte, que é o segundo elo da cadeia, e o terceiro é a distribuição para os consumidores finais, que é uma atribuição dos estados. O que é que eu falo? Tem que haver um equilíbrio entre os três elos, é como um efeito dominó. Sem um equilíbrio entre os três componentes de valor da cadeia de gás natural, acaba estragando a indústria. Joga um nível de ruído que impede o desenvolvimento dela. Daí a importância do equilíbrio, que vai beneficiar o consumidor final. Este é o objetivo de todo mundo, atender com preços razoáveis e competitivos. Só assim vamos passar para um processo que está sendo chamado de reindustrialização do Brasil. Isso vai impulsionar a indústria petroquímica, a indústria vidreira, a siderúrgica... É um energético para a transição de uma matriz com alto teor de carbono para outra com baixo teor.

Nós temos plantas industriais fechadas por conta do preço do gás.

Há uma distorção em nosso mercado, que funcionou por um tempo, mas que não funciona mais. O Brasil vem passando por um processo de desindustrialização e isso precisa se reverter em um processo de reindustrialização. A nossa tendência é reverter isso com um preço de gás competitivo, para as empresas poderem crescer. 

Neste cenário, qual é o futuro das distribuidoras estaduais?

O futuro passa por se fortalecerem. Essas distribuidoras já comercializam grandes volumes de gás, então levam vantagem. Tem megaestruturas de tubos instaladas. Tem a capilaridade da malha. Tudo leva a crer que o futuro passa pelo fortalecimento de empresas como a Bahiagás aqui na Bahia e das agências reguladoras, como a Agerba, que regulam este setor, que é de utilidade pública. É tudo monopólio da União. 

Quando o senhor imagina que estes benefícios vão chegar ao consumidor?

Eu acredito que um ensaio disso vai se dar agora com o gás que vem da Bolívia, com a chamada pública que a ANP iniciou. O GNL (gás natural liquefeito) está com preços extremamente reduzidos no mercado externo. Hoje o Brasil tem três terminais de regaseificação, um deles aqui na Bahia, além de mais dois sendo concebidos. Se o gás boliviano não for competitivo, por que nós iremos comprar de lá? Aí, teremos uma primeira sinalização do impacto da competição nos preços da molécula de gás.