Gente, carros e até cavalo: um dia no Largo do Pelourinho no verão de 1979

Cena poderia ter saído de livro de Jorge Amado, afirma pesquisador

Publicado em 12 de julho de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Largo do Pelourinho em 23 de janeiro de 1979 (Foto: Antônio Valente/Arquivo CORREIO) É o Largo do Pelourinho em 23 de janeiro de 1979, mas poderia ser uma cena de filme ou, tranquilamente, algo saído direto das páginas de algum livro de Jorge Amado. Em que momento, 41 anos depois desse registro feito pelo fotógrafo Antônio Valente, do CORREIO, se conseguiria vislumbrar um homem a cavalo - quer dizer... um muar - num dos pontos mais fotografados de Salvador?

A imagem foi feita em pleno verão soteropolitano: o shortinho e camiseta dos rapazes do lado esquerdo não enganam. Além do moço a cavalo no meio do Largo do Pelourinho, a imagem mostra mais detalhes pouco vistos hoje: carros estacionados nas ruas do Pelô - a circulação é restrita, atualmente. Mas há, também, permanências: as portas da Igreja do Rosário dos Pretos seguem abertas, como de costume. Uma placa parece indicar que o local passava por algum tipo de intervenção, embora não seja possível ler o que diz ali.

Os casarões são os mesmos, mas mais degradados do que vemos hoje nas ruas do Pelourinho -  falamos disso na coluna da semana passada, que mostrava o desfile do Dois de Julho neste mesmo ano e local, mas de outro ângulo.

O historiador Rafael Dantas, estudioso da iconografia de Salvador nos séculos XIX e XX, analisa a imagem de hoje:“Em pleno Largo do Pelourinho, com carros estacionados, temos pessoas subindo e descendo e um cavalo. É quase uma cena de Jubiabá ou de Dona Flor e seus dois maridos. Em meio à decadência, ao arruinamento de todos esses imóveis, a gente vê uma série de vida”, diz.Mesmo com a foto em preto em branco, diz o pesquisador, é possível ver 'cores' na imagem. "A gente percebe o colorido das ações dos personagens que ali estão. Ou seja, ruína e decadência, mas tudo isso com muita vida, com muitas pessoas. É um lugar vivo, com pessoas, com um sobe e desce de pessoas no seu cotidiano, arrumadas ao seu modo de ver, vestidas - ou não vestidas, com shortinho, sem camisa - e tudo isso na frente da Igreja do Rosário dos Pretos, carregada de histórias", afirma.

Neste mesmo dia, Antônio Valente fez outro registro para o CORREIO, possivelmente da Rua Maciel de Baixo, ali próximo ao Largo. No centro da imagem, um garoto caminha carregando uma sacola. No canto inferior direito, é possível que o registro mostre turistas, misturados aos 'nativos' do Pelourinho: um senhor com uma câmera fotográfica pendurada no pescoço é acompanhando de duas garotinhas usando chapéus - certamente tentando se proteger do sol da Bahia. Logo atrás, uma senhora desce a ladeira com um bebê nos braços."Salvador do século XX é uma cidade de encontros e persistências. Olhando os detalhes, a gente percebe que as velhas luminárias ainda marcam presença nessa região do Centro Histórico e a gente percebe a predominância do povo, dos moradores do Pelourinho, que parecem personagens de Jorge Amado", completa Rafael. Uma das ladeiras do Pelourinho, também em 23 de janeiro de 1979 (Foto: Antônio Valente/Arquivo CORREIO)