Grupos culturais revivem a tradição das Marujadas e Cheganças no Recôncavo

Milhares de pessoas são esperadas no VI Encontro de Cheganças da Bahia, que acontece no próximo final de semana, em Saubara

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  • Georgina Maynart

Publicado em 2 de agosto de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Carol Garcia/Chegança Fragata Brasileira

“Eu só vejo mar,   Eu só vejo terra,   Só vejo marujo em campo de guerra”No próximo fim de semana, versos como estes ecoarão pelas ruas de Saubara, no Recôncavo Baiano, na voz de milhares de pessoas. A cidade, a 96 quilômetros de Salvador, fica cheia de marujos, calafates e mestres de navegação vindos de várias regiões da Bahia. 

São integrantes de grupos culturais que revivem a tradição das Marujadas e Cheganças de Mouros. Gente que subverte a fama de agouro do mês de agosto e enche o recôncavo de festa, cânticos, encenações e danças.“Alegre todas as flores Conosco vamos cantar Viva o nosso padroeiro Louvor viva!!”Atualmente existem na Bahia cerca de 21 grupos em atividade: 13 deles vão participar no próximo domingo do VI Encontro de Cheganças da Bahia. O evento vai reunir um elenco de 800 pessoas, integrantes de grupos de Saubara, Jacobina, Taperoá, Cairu, Andaraí, Lenções, Paratinga, Remanso e Camaçari. 

“O encontro é o momento de socializar, trocar conhecimentos, fortalecer a identidade, manter a tradição, transmitir e ensinar as novas gerações”, diz Rosildo Rosário, coordenador do evento.

O Encontro reforça ainda a força da cultura rural brasileira. “Mesmo que sediadas em zonas urbanas, a manutenção destas tradições é realizada basicamente pelas comunidades rurais. São as comunidades mais afastadas que mantem as manifestações. Além disso, é um encontro de gerações. Participam desde criança, de 3 anos, a idosos de 92 anos, como Mestre Braz de Taperoá”, acrescenta Rosário. 

Origem das manifestações

Ninguém sabe ao certo quando as Cheganças e Marujadas surgiram no Brasil e porque estas comunidades decidiram contar histórias em ritmo de marchas ou recitando versos cantados. Fato é que as tradições foram passadas de forma oral, ao longo de várias gerações, e só nas últimas décadas começaram a ser documentadas, como autos ou folguedos populares.

Os grupos possuem características em comum, como as roupas de marujos e o uso de instrumentos como pandeiros. Mas os temas das canções e encenações são diferentes. 

As Cheganças de Mouros ou Embaixadas reconstroem episódios históricos das batalhas entre mouros e cristãos na Europa, levando o público ao cenário das guerras medievais. Reis e rainhas se fazem presentes.

Já as Marujadas retratam aventuras vividas deste lado do atlântico, entre os séculos XV e XVII. Os enredos incluem fatos como a luta pela independência na Bahia, a diáspora dos negros que cruzaram o oceano, a invasão dos espanhóis na Chapada Diamantina ou até a chegada dos holandeses através do Rio São Francisco. Enredos variados que ajudam a contar a história do Brasil. “Vamos companheiro Vamos lá chegar Leva essa bandeira Lá em PirajᔓTodas estas manifestações surgem com a ideia das grandes navegações, com a vinda dos portugueses e espanhóis. Também com a diáspora africana. O que se conta, é que quando houve a batalha entre mouros e cristãos na Europa, a notícia chega aqui no Brasil e toma as ruas, como lembrança destas lutas”, diz Rosário, também integrante da Chegança de Marujos Fragata Brasileira de Saubara, uma das mais antigas da Bahia. 

Alguns grupos fazem alusão a religiosidade e reverenciam santos católicos, como São Benedito, São Sebastião e São Domingos de Gusmão.“Vamos botar o remo n´água Que nós temos que navegar Glorioso São Domingos de Gusmão Ele nos queira ajudar” Mulheres soltam as amarras e conquistas espaço

As Cheganças têm entre 30 a 50 integrantes. Cada membro exerce uma função. Desde o Mestre, responsável pela navegação, até o Calafate, que faz a limpeza das barcas. Juntam-se a eles, o comandante, o embaixador, o general, o gajeiro, os guias e os marujos, que respondem aos guias com refrãos.

As mulheres ainda são proibidas de entrar nas Marujadas. Para alterar este cenário, exclusivamente masculino, elas criaram os próprios grupos. A pioneira foi a Chegança Feminina de Arembepe, fundada há 16 anos por Elizabete Souza.

De lá para cá, a empolgação de Dona Bete contagiou várias parentes. Atualmente, além da dona de casa, outras 6 pessoas da família Souza participam das cheganças e marujadas. A filha, Rosana, também entrou na barca. “É muita emoção. Tem um significado sentimental. Nos motiva, nos emociona, nos remete ao passado. Nos faz lembrar dos entes queridos que partiram, e nos ajuda a cultuar a ancestralidade. É uma herança muito bem deixada”, diz a professora de 44 anos.

O Encontro marcado para este fim de semana, inclui alvorada de fogos e loas (uma louvação em forma de canto)  na Igreja Matriz de Saubara. Por um motivo elementar é neste município da Bahia que a tradição se renova todos os anos. Cerca de 80% dos moradores vivem da pesca ou da mariscada nas águas da Baía de Todos os Santos, ou nos mangues do Rio Paraguaçu. Razões não faltam aos moradores para relembrar as histórias de convívio no mar.

Serviço:

O que: VI Encontro de Cheganças e Marujos da BahiaQuando: 4 (sábado) e 5 (domingo) de agosto Onde: Ruas de Saubara, no Recôncavo Baiano