Hebert Conceição e a longa linhagem de boxéus baianos

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  • Gabriel Galo

Publicado em 3 de agosto de 2021 às 06:12

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Corria a alvorada da minha vida e eu marcava presença constante – quando não morando mesmo – no Buraco da Jia, apelido à Rua Professor Rômulo Almeida que se esconde do pé da Ladeira do Acupe à sua esquerda estirando-se à do Bogum, com a do HGE elevando-se à sua direita. Casa de meus avós e de boa parte de minha família.

Ali, por muitos anos, três esportes dominaram por completo a cena da zona anfíbia. O mais óbvio, claro, era o futebol. Embalados pelos dribles curtos de Dri, o craque de antanho, corríamos na base da topada de dedão e da total falta de traquejo com a bola. Tijolos e chinelos de trave, você sabe bem do que estou falando.

Os outros dois eram, de certa forma, não tradicionais naquela largada dos anos 90.

Um virou febre, especialmente depois da Olimpíada de 92, em Barcelona: o vôlei. E na rua tinha gente que gostava demais da coisa. Campeonatos eram montados, postes e rede montados na via levemente inclinada, pra sorte de quem ocupava a parte de cima no sorteio. E tinha gente boa demais. Alguns eram sabidamente favoritos, mas foram vencidos um a um no torneio por meu primo, Ricardinho, que, homônimo do levantador que ainda viria, acelerava o jogo e distribuía zebras. Baixo, branco como o leite – que lhe rendeu o apelido de Parma que carrega até hoje – era o campeão improvável. A supremacia no voleibol, portanto, é construção.

O terceiro me causou uma tremenda surpresa. Belo dia, logo na frente na casa de Pretinha, ali 50 metros pra lá da casa de minha avó, fizeram de montar um imponente ringue de boxe. E aqui, você que me lê, faço um parêntese vez outra.

A cultura de boxéu está de alguma forma impregnada no baiano. Coisa que se vê na pipoca do trio ou na mais que tradicional fala que define as disputas do jeito cavaleiro: “caia pá mão, vá”. Ora, um estado não poderia gestar um Popó ou um Reginaldo Holyfield à toa. Este último, aliás, cunhou das frases mais valiosas já vistas sobre carnaval e boxe: “No Carnaval sempre teve briga, aquela coisa gostosa de sair na mão um com o outro.”

Enfim, comentava do ringue no Buraco da Jia. Nele, não subia mininico, não. O pau torava, couro comia. Neguinho, gigante e forte como nenhum outro, era o rei do pedaço, até que tio meu, talvez na única vez em que desafiante ousou questionar o reinado de Neguinho, o venceu. Pavoneou na volta, “ele é força bruta, eu fui na técnica”, mas no fim, creio, era só papo furado, porque revanche nunca teve. O ringue depois sumiu pro mesmo buraco inexplicável de onde saíra.

Hebert Conceição, com medalha garantida em Tóquio, é, pois, a sucessão de uma linhagem histórica de boxéus baianos. Bate no peito depois da vitória que o levou à semifinal, “eu mereço pra calcário”. Nem tem como dizer que não.

O boxe brasileiro renasce na boa terra porque não tem outro lugar que caia pa mão. Não tem outro estado com treino aberto em pipoca. Em minhas andanças por aí, nunca mais vi ringue de boxe armado na rua. Hebert é consequência de um povo que leva na mão o dia-a-dia contra a violência que tanto nos reprime. Que “rume-le” a mão na cara dos adversários e volte com a medalha dourada que tanto merece.

Gabriel Galo é escritor e nunca foi de briga.