Histórias curiosas e muito mais: confira o que rolou na Lavagem de Itapuã

Evento encerra o calendário de festas populares antes do Carnaval

  • Foto do(a) author(a) Vinicius Nascimento
  • Vinicius Nascimento

Publicado em 21 de fevereiro de 2019 às 17:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO
. por Marina Silva/CORREIO

Começou como algo local, ganhou proporções que parecia ser feriado no bairro e agora a Lavagem de Itapuã, que acontece nesta quinta-feira (21), voltou a ser como no começo: uma reunião anual de amigos e apreciadores da festa em torno da lavagem das escadarias da Igreja Nossa Senhora da Conceição de Itapuã. Segundo frequentadores mais antigos, a festa resiste porque há uma relação de pertencimento muito forte da comunidade com ela. 

Apesar de seu caráter bairrista, também atrai gente de outros cantos de Salvador. É o caso do vigilante Claudino Pereira, 55, que aproveitou seu dia de folga e saiu do bairro da Liberdade para acompanhar a Lavagem de Itapuã. Ele conta que há cinco anos aproveita a festa e não se arrepende.  “Essa Lavagem tomou um lugar especial no coração”, explicou o vigilante enquanto curtia um samba de roda.

Uma coisa que não muda, segundo Raimundo Oliveira, ou Raimundo ‘Bujão’, é esse pertencimento da comunidade. Aos 55 anos, ele é um dos organizadores do evento e faz parte da associação de moradores de Itapuã.“Mudanças são inevitáveis, até pelo tempo. Também tiveram alguns picos de público entre 2007 e 2009 e muita gente de fora começou a frequentar. Só que também aumentou muito a violência e houve um esvaziamento. De uns quatro anos pra cá tem retomado”, explicou Bujão.Já para a professora aposentada Lucília Menezes, 79, outro ponto incomoda mais. “A festa é para se divertir, mas eu fico um pouco triste que o lado religioso seja tão jogado de lado. É uma festa tão bonita, olha só que coisa linda”, contou enquanto apontava para o cortejo de baianas que ia em direção à Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Itapuã.

[[galeria]]

Desde que se aposentou, há anos, ela mora no bairro, dedica a vida ao ofício de baiana, e sempre colabora com as festas populares. Porto de Sauípe e Cachoeira fazem parte do roteiro anual de Lucília, que também coloca seu traje nos dias do Bonfim e de Iemanjá. Mas a favorita é a Lavagem de Itapuã.

A Lavagem de Itapuã acontece sempre na última quinta-feira antes do Carnaval. Apesar de os organizadores garantirem que ela acontece há 114 edições, há quem discorde.

O jornalista, publicitário e pesquisador Nelson Cadena, por exemplo, garante que há registros da festa desde 1898, ou seja, há mais de 120 anos.  Ainda segundo ele, os festejos sofreram muitas alterações ao longo dos anos, a começar pelo acesso. 

Cadena relata que, nos seus primórdios, só era possível chegar ao bairro pelo mar. Só nas primeiras décadas do século 20 é que o acesso pela terra passou a existir, devido às construções de pistas que possibilitaram a chegada de carros e ônibus na região.

Com o acesso terrestre, também veio a popularização da Lavagem de Itapuã, que atraiu mais baianos e turistas. Cadena afirma que, mesmo com essa expansão, a festa sempre manteve o seu caráter bairrista - no bom sentido da palavra. Ou seja: sempre preservou as suas próprias tradições.

Uma marca dessa resistência é o Bando Anunciador, que existe desde o início da festa e se mantém até os dias atuais. No começo, funcionava como o principal veículo de divulgação do festejo e percorria as ruas de Itapuã com até uma semana de antecedência. Hoje, sai na madrugada do evento fazendo o anúncio. “É uma marca muito bonita. Há muitos jovens participando do bando e eles percorrem todo o bairro em uma grande maratona. O interessante é que mães saem com crianças no braço, sai gente de pijama… tudo para ver o Bando Anunciador passar”, explica Nelson Cadena.A festa

Basicamente, a Lavagem do Bonfim funciona da seguinte forma: um grupo de baianas sai na frente de um cortejo, que anda cerca de 2 km de Piatã até a Igreja da Nossa Senhora de Itapuã. Lá, elas se juntam a capoeiristas e cantam músicas do candomblé em frente à igreja, enquanto lavam as escadarias.

Nesta edição, além das baianas, outros 30 blocos desfilaram na avenida Octávio Mangabeira. Entre eles, um mini-trio da Escola de Samba Unidos de Itapuã e o bloco-afro Malê Debalê.

Um fato curioso é que acontecem duas lavagens. A primeira é logo cedo, às 5h da manhã, que é a Lavagem das Nativas, realizada há mais de 30 anos por moradoras da região. Em seguida, acontece uma missa às 7h, que é encerrada com samba de roda e um café comunitário - essa é uma lavagem extraoficial, mas que já faz parte da tradição da festa. 

A segunda lavagem é a oficial, conhecida popularmente com as baianas, cortejos e tudo mais. Ao todo, são cinco dias de festa. Isso mesmo, os festejos em Itapuã só acabam na próxima segunda-feira (25). Nesta sexta (22), atrações locais ainda se apresentam pelo bairro. 

A programação continua no sábado (23), com atividades náuticas esportivas, além do Terno de Reis, manifestação cultural histórica feita por moradores.

As celebrações chegam ao fim na segunda-feira quando os moradores entregam uma oferenda a Iemanjá, a partir das 15h. Para encerrar, uma peixada nativa será servida às 18h, na sede da Associação dos Moradores de Itapuã.

Segundo Raimundo Bujão, toda a festa foi orçada em R$ 108 mil reais, mas não houve qualquer tipo de financiamento. A solução foi apelar para vaquinhas, contribuições individuais, doações e parcerias para que o evento acontecesse.

“É muito complicado. Estamos dentro do circuito de festas populares, mas, infelizmente, não temos o apoio necessário. A festa só acontece porque somos resistência”, apontou Bujão.

Boi de Itapuã Após uma aventura quase folclórica, ele foi protagonista de diversas matérias por todo o Brasil: o boi de Itapuã. O animal, que fugiu da Fenagro e vagou por dias até chegar no mar, onde encerrou sua vida ao morrer afogado.

A história ficou famosa e ganhou até homenagem na Lavagem de Itapuã. Batizado de Boipuã, o bloco idealizado pelo artista plástico Ives Quaglia, 59, já existe desde 1995 e resolveu fazer um nobre tributo ao recente personagem do folclore soteropolitano.“Aquele boi lutou por liberdade. A história dele é linda. Um colega sugeriu em uma reunião da nossa associação de moradores e decidimos comprar a ideia”, apontou Ives.Morador de Itapuã desde que nasceu, o artista plástico criou uma estrutura de boi com as próprias mãos e investimento. De longe, parece um boi de rodeio, mas, de perto, é possível ver manchetes de jornais espalhadas pela escultura.

Só para o boi sair na rua, Ives investiu R$ 2 mil de recursos próprios. Um valor alto e suado, mas que lhe trouxe muito orgulho.

“Não temos apoio de poder público para fazer essa festa, é algo que nasceu da comunidade e segue existindo por conta da comunidade de Itapuã. Nunca vou me arrepender de qualquer esforço que fizer por isso aqui”, apontou o artista.

Ives se define como "cidadão ‘itapuãzeiro’, antes mesmo de soteropolitano”. Há mais de 40 anos ele participa da Lavagem, praticamente sem ausências. Certamente, lutar por Itapuã é como buscar por sua liberdade. Assim como fez o boi há algum tempo atrás.

 Com supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro