Ilê Aiyê vai subir nova Ladeira do Curuzu; veja como vai ficar rua após obra

Prefeitura já iniciou o trabalho; investimento é de R$ 6,8 milhões

Publicado em 6 de agosto de 2019 às 17:01

- Atualizado há um ano

. Crédito: Max Haack/Secom
. por Reprodução/Secom

Vai ficar ainda mais lindo de ver o bloco afro Ilê Aiyê subindo a Ladeira do Curuzu, na Liberdade. A ordem de serviço para o início das obras de requalificação da via foi assinada nesta terça-feira (6) pelo prefeito ACM Neto, em cerimônia na localidade, perto da unidade de saúde que leva o nome de Mãe Hilda, ialorixá do terreiro Ilê Axé Jitolu, falecida em 2009, e que se tornou símbolo da luta contra o preconceito.

Com investimento de R$ 6,8 milhões e projeto elaborado pela Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF) e pela Sotero Arquitetos, com a participação da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur), as obras terão, a princípio, duração de nove meses. O tempo pode ser reduzido para sete meses, a depender das condições climáticas e do fluxo dos trabalhos. O Carnaval de um dos mais conhecidos blocos afro da cidade não será prejudicado, assegurou o vice-prefeito e secretário de Infraestrutura e Obras Públicas, Bruno Reis, presente no ato. 

Será reformado o trecho de 1,1 km, que vai desde a Avenida General San Martin à Estrada da Liberdade. “Não é a coisa mais linda de se ver? O Ilê e o Curuzu nos representa muito bem, é a tradição do nosso povo, um símbolo de luta. Essa obra vai elevar e dar um valor muito maior à comunidade”, disse o motorista e líder comunitário, Jorge Galo, 56 anos. 

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“Eu tenho certeza de que todos da comunidade recebem essa obra com muita alegria, muito entusiasmo, pelo fato de ser algo bastante desejado há muito tempo. E já posso imaginar o carnaval do ano que vem, ver o bloco saindo, com o bairro completamente requalificado, vai ser muito lindo, uma coisa de arrepiar”, completou Jorge.

O prefeito reforçou que será feita mais que uma requalificação urbanística. "Não vamos mudar uma calçada, colocar somente o piso intertravado ou implantar equipamentos infantis e de descanso. O conceito é muito mais amplo. Vamos fazer uma obra que vai transformar o Curuzu em algo muito maior. A força da nossa cultura, das nossas tradições, da nossa história, da nossa música, das nossas raízes africanas, a representatividade que tem esse bairro, eu diria que esse é o coração da negritude, da cidade mais negra das Américas”, disse Neto na solenidade. Marcos de acesso ao Curuzu: será um na Avenida General San Martin e outro na Estrada da Liberdade (Foto: Reprodução/Secom) Ele garantiu ainda que o Curuzu, em breve, se tornará um grande corredor cultural e receberá a visitação de pessoas do mundo inteiro. “Isso tudo vai ser transformado num grande corredor cultural que vai, antes de mais nada, atender as expectativas da comunidade que ajudaram a construir o projeto e vai ser um grande lugar de visitação do país e do mundo inteiro”, completou.

Reunião com moradores A arquiteta e urbanista Tânia Scofield, presidente da FMLF, destacou a participação da comunidade na elaboração do projeto. “Foi construído conjuntamente com os moradores do Curuzu. É um bairro que tem um forte apelo cultural, características muito próprias. Fizemos cerca de cinco oficinas para discutir o projeto com a comunidade. Pensamos em valorizar a cultura do bairro e o resultado foi muito bom”, disse Tânia. O objetivo da intervenção é promover melhorias urbanísticas e de mobilidade, além de valorizar a história e a cultura do Curuzu e de seus mais de 20 mil habitantes. 

A nova pavimentação do piso intertravado será nas cores amarelo, natural (cinza) e grafite, fazendo alusão às cores do Ilê e do Curuzu; o concreto lavado pigmentado de vermelho para as calçadas e granito vermelho, que será utilizado como guia de meio-fio. As tonalidades combinarão com a fachada da Senzala do Barro Preto, sede do bloco, que tornou a rua tão famosa mundialmente, e da fantasia carnavalesca do bloco nascido na primeira metade da década de 1970. 

O projeto prevê a instalação de marcos de acesso ao Curuzu, identificando e valorizando a localidade, um na Avenida General San Martin e outro na Estrada da Liberdade. Além disso, serão implantados parque infantil, espaços de convivência e novo paisagismo e mobiliário urbano. Entre os itens de mobiliário urbano que serão colocados estão lixeiras, floreiras, conjunto de mesas e bancos e área de jogos de tabuleiro. Também estão previstas rampas acessíveis nas entradas das duas avenidas, além de uma nova escadaria para a Ladeira do Curuzu e uma mureta em alvenaria com corrimão para a proteção e conforto do pedestre durante a subida. Prefeito ACM Neto ao lado do vice Bruno Reis: obra pode ser concluída em 7 meses (Foto: Max Haack/Secom) Toda a fiação das empresas de telecomunicação e parte da rede de energia da Coelba serão subterrâneas, melhorando o aspecto visual para quem trafega pela rua ou mora no local. A iluminação passará a ser em LED, mais potente e econômica, e as faixas de pedestre serão elevadas, para maior segurança. A escadaria da ladeira do Curuzu também será requalificada, com o uso de vermelho natural. Já o estacionamento ao longo da via será ordenado.

As intervenções serão de responsabilidade da empresa Construtora Baiana de Saneamento (CBS), que venceu a licitação, e contará com o acompanhamento da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras Públicas (Seinfra).

Por fim, a obra terá também o assentamento de tubulação em Polietileno de Alta Densidade (PEAD), a instalação de caixas de passagem e de poços de visita. Em todo o trecho requalificado o paisagismo será feito com o plantio de espécies de pequeno e grande porte.

Homenagem O projeto traz ainda a implantação de um busto, próximo à Unidade de Emergência (UE) Mãe Hilda, em homenagem a Apolônio de Jesus, um dos fundadores do bloco Ilê Aiyê. Apolônio faleceu em 1992, aos 40 anos, após problemas de saúde. Além de fundar o Ilê e mais outras duas agremiações afro, Apolônio era técnico em manutenção, formado pela Escola Técnica da Bahia (Eteba), além de ter sido um entusiasta da cultura e do turismo, dono de bar e promotor de excursões para as praias de Salvador.

O busto foi um pedido feito pela comunidade do Curuzu, nas reuniões com as entidades, para homenagear o ex-morador ilustre do bairro.

De acordo com a irmã de Apolônio, a aposentada Marinalva Souza de Jesus, 63, a homenagem é justa por tudo o que o irmão fez pela comunidade em vida. Segundo Marinalva, a ideia de criar o bloco surgiu quando o irmão teve o pedido rejeitado para entrar num antigo bloco de Carnaval, que na época era destinado apenas para brancos. A partir daí, o Ilê Aiyê foi fundado.  Marinalva e Jandira, familiares de Apolônio, que terá um busto em sua homenagem (Foto: Eduardo Dias/CORREIO) “Acho uma lembrança justa, algo impactante mesmo. Estou satisfeita por lembrarem do meu irmão. Pois quando ele decidiu criar o bloco, que mudou a cara e a história do Curuzu, foi aqui nesse beco que tudo começou, onde ele chamou Vovô e disse: 'vamos criar um bloco para nós negros'”, contou.

Também da família, a aposentada e prima de Apolônio, Jandira Maria Lopes, 70, moradora do Curuzu há 58 anos, contou sobre a relação dela com a comunidade e o impacto que a requalificação trará para a região.

“É um projeto grandioso que vai ser muito importante para a Liberdade toda. Temos uma identificação muito forte com a comunidade, moramos aqui desde crianças. Meu primo lutou muito por esse reconhecimento do Curuzu como um local de extrema importância para Salvador. Ele ajudava muitas pessoas, não é à toa que está recebendo essa homenagem”, disse.

Ilê Aiyê Antônio Carlos dos Santos, o Vovô do Ilê, acredita que com a intervenção na Rua do Curuzu, tanto o bloco afro quanto a comunidade num todo será beneficiada. Vovô lembrou também da sua relação de amizade com Apolônio, com quem fundou o Ilê.  

“Os benefícios serão tanto para o Ilê quanto para todos os moradores. A colocação do busto em homenagem a Apolônio será um grande feito, uma lembrança justa. Ele (Apolônio) era uma figura muito querida pela comunidade, tínhamos uma relação muito boa e essa homenagem é mais do que justa, um orgulho para todos nós. Não tem como falar no Ilê e não falar dele. Nós tivemos várias reuniões com as equipes da prefeitura para chegar a um consenso sobre esse projeto, que agradou a todos”, garantiu.

O Curuzu De acordo com o historiador do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), Jaime Nascimento, a comunidade do Curuzu consiste num aglomerado de casas que ligam a Avenida San Martin à Estrada da Liberdade. Ao longo dos anos, a Rua do Curuzu passou por um processo de transformação em bairro, mas ainda não foi constituído pela prefeitura. O desenvolvimento principal da localidade, destaca ele, está ligado à criação do bloco Ilê Aiyê.

“Tanto o Curuzu quanto o Ilê se desenvolveram um ao lado do outo. Ambos tiveram projeção de crescimento desde os primeiros anos de fundação do bloco, a partir de 1975. Logo após essa criação, a rua começou a ser notada e as pessoas começaram a sobreviver em função disso. Passaram a surgir pessoas que trabalham com a cultura negra, com trança de cabelos, turbantes e roupas ligadas a questão religiosa. A Liberdade tem a negritude em sua história, e isso se deu de 100 anos para cá”, contou.

Ao falar da sua relação de identificação com Curuzu e com a Liberdade, a pedagoga Valdiria Lopes afirmou que todos os moradores deveriam se sentir líderes comunitários, seja direta ou indiretamente e ajudarem nas

“Todo morador é líder do lugar que ele mora e deveriam fazer a diferença sempre. A sua identidade vai além do seu corpo, temos que lembrar sempre disso. A Liberdade é um dos bairros mais negros fora da África, que possui muita referência da cultura negra. Essa homenagem ao Apolônio é nossa, foi um pedido nosso, ele merecia muito essa lembrança. Pois o Ilê nos lembra ele, que e sempre será uma referência”, disse.

 Já a servidora pública aposentada, Valmiria dos Anjos, 66, que mora desde a infância na Rua do Curuzu, acredita que a requalificação trará uma mudança para a comunidade.

“Eu espero mesmo que como estão anunciando hoje, eles entreguem a obra no prazo e acabem com o transtorno aqui, para elevar a autoestima do bairro. Achei justa a homenagem, o Apolônio ajudava muita gente, ele merece essa lembrança”, contou.

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier