Imóveis de indígenas são derrubados na orla de Porto Seguro; grupo protesta

Prefeitura alega que ação foi conduzida pelo MPF, mas órgão nega envolvimento; Secretaria de Justiça do Estado cobra esclarecimentos

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  • Da Redação

Publicado em 31 de agosto de 2021 às 20:55

- Atualizado há um ano

. Crédito: Reprodução/Redes Sociais

Tratores avançaram contra casas, cabanas e barracas de praia pertencentes a indígenas na orla de Porto Seguro, no sul do estado, na manhã desta terça-feira (31). As demolições ocorreram em Ponta Grande, nas imediações da BR-367, entre Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália, e, de acordo com a prefeitura do município, foi uma ação conduzida pelo Ministério Público Federal (MPF), com acompanhamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). 

Em nota, a prefeitura de Porto Seguro afirmou que o objetivo da operação era regularizar as áreas que foram ocupadas de maneira irregular. “Cerca de 30 barracas em construção, precárias na maioria, foram erguidas em áreas da União e os ocupantes não atenderam às notificações anteriores, o que levou à ação de demolição no dia de hoje”, informou. A prefeitura ainda esclareceu que não foi a responsável pelo ato e que só acompanhou o processo. “A Prefeitura de Porto Seguro foi apenas convidada para dar apoio logístico à operação, com prepostos da Guarda Civil Municipal, Fiscalização do Meio Ambiente, Secretaria de Obras e Secretaria de Serviços Públicos.”

O MPF, no entanto, negou qualquer “relação ou participação” com a operação. A instituição afirmou que apenas conduz um procedimento, em fase inicial de instrução, para apurar infrações cometidas pelo avanço de construções irregulares em áreas tombadas da União, na Praia do Mutá. As infrações, segundo o MPF, foram denunciadas em nota técnica enviada pelo IPHAN, e apuradas pela sua unidade em Eunápolis. “Caso confirmados, os fatos constituiriam crime previsto no art. 63, da Lei nº 9,605/98”, informou em nota.

O documento ainda informa que uma nova operação foi agendada na manhã desta terça, a ser realizada pela Polícia Federal, com o apoio da Polícia Militar da Bahia, para identificar os responsáveis pelas construções, “que impactariam a composição paisagística tombada da Orla Norte do Município de Porto Seguro.” Contudo, o MPF afirma que essa operação consistirá somente no levantamento de informações para a investigação, não se relacionando com qualquer ação de demolição ou similar.

Protestos

As construções demolidas em Ponta Grande, litoral de Porto Seguro, estavam ligadas ao povo Pataxó, que protestou contra a operação fechando o trecho da BR-367, usando rochas, madeiras e chamas.

Segundo Thyara Pataxó, representante dos comerciantes no local, a rodovia permaneceu interditada, nos dois sentidos, até às 16h40 desta terça-feira (31), contou ao G1. Ela ainda disse que cerca de 250 pessoas estavam no local.  Após demolição, grupo protestou na BR-367 (Foto: Divulgação/Thyara Pataxó) Thyara também denunciou agressões e racismo por parte dos Policiais Militares que estavam presentes no local. “É uma ação de racismo com os povos indígenas. Porque existem ao lado barracas de não indígenas e elas não foram sequer tocadas pelos policiais. O alvo foi somente os povos indígenas. Chegaram aqui com truculência, agrediram um cacique e um jovem da nossa comunidade”, revelou.

Em resposta, a PM informou apenas que os policiais do 8° Batalhão de Polícia Militar (BPM) foram acionados para acompanhar o protesto e a mediação da Fundação Nacional do Índio (Funai) para a desobstrução da pista pelos manifestantes.

A Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS) também se posicionou contra os atos de demolição e se solidarizou ao “ataque” sofrido pelo povo Pataxó. O órgão caracterizou o ato como “arbitrário e ilegal”, realizado sem determinação judicial, ferindo os direitos dos povos tradicionais e a Constituição Federal.

"Uma violência sem tamanho, agressão e depreciação dos povos indígenas. Não é admissível que uma coisa dessa aconteça, não é normal que o Povo Pataxó sofra uma violação desse porte. As propriedades derrubadas representam anos e anos de luta, suor e trabalho”, declarou Carlos Martins, titular da SJDHDS.

O secretário esteve em reunião com Ricardo Mandarino, responsável pela Secretaria Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), ainda nesta terça, para solicitar uma apuração sobre as possíveis violações cometidas durante a ação.

Carlos Martins ainda ressaltou que as demolições ocorrem em meio a luta de povos indígenas de todo o país contra o marco temporal. “Indígenas estão acampados em Brasília resistindo contra o marco temporal, que dificulta ainda mais a questão da demarcação de terras indígenas. É uma verdadeira batalha por um direito garantido a eles por Lei", concluiu. A SJDHDS informou que continuará acompanhando a apuração do caso.