Incêndio nos mercados

Nelson Cadena é publicitário e jornalista

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  • Nelson Cadena

Publicado em 21 de dezembro de 2018 às 05:00

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Salvador já teve grandes mercados, todos em algum momento destruídos pelo fogo. Os baianos de maior idade lembram dos sinistros de Água de Meninos e do velho Mercado Modelo, os de maior repercussão no seu tempo e os de maiores estragos. E gerações que não mais estão entre nós vivenciaram outros grandes incêndios, como o do Mercado do Ouro e o de Santa Bárbara, esse último em 1889, relatado por Xavier Marques no romance O Feiticeiro. Nenhum baiano que se preze pode deixar de ler algum dia essa obra prima de nossa cultura popular.

Os primeiros mercados de Salvador consistiram em ajuntamentos de índios e colonos que se reuniam em dia específico da semana para o escambo dos produtos da terra com os barbados da comitiva de Thomé de Souza. Essa atividade deu origem ao nome da Praça da Quitanda que hoje é Castro Alves e ficava fora dos muros da cidade. Com a queda dos muros, a feira semanal passou a ser realizada, também, na Praça Municipal.

 Na Cidade Baixa, a parir do século XVIII, todo dia era dia de feira no ir e vir dos saveiros do Recôncavo e dos canoeiros do peixe. Comprava-se frutas, legumes e pescado diretamente do saveirista; outros produtos como a farinha, aguardente de cana e o fumo deviam passar pelo celeiro público e outros estabelecimentos para o recolhimento das taxas pelo governo e a sua distribuição. A carne era vendida inicialmente na Câmara Municipal, o seu abastecimento regulado pela Feira do Capuame, origem do município de Dias D’Ávila.

 Mercado de fato só veio a existir na primeira metade do século XIX: o de São João que, dizem, também foi devorado pelo fogo. Até hoje não encontrei referência disso. Ficava à beira-mar, antes do aterro, no trecho que hoje seria da Rua Miguel Calmon, alguns metros adiante do atual Mercado Modelo. O Almanach de 1845 nos dá conta de uma feira semanal em frente à Associação Comercial, onde se vendiam “víveres de diferentes qualidades e frutas”, e ainda de um comércio de peixe nas Pedreiras, próximo à atual Bahia Marina. Cita outras feiras de carne e frutas: a de Guadalupe (em frente ao Quartel dos Bombeiros), Caminho Novo do Gravatá e São Bento.

 O segundo mercado da cidade foi o de Santa Bárbara, que ficava em frente à atual Praça da Inglaterra e resultou de um aproveitamento dos cômodos do antigo Morgado, em decadência já no século XIX. Pegou fogo em 1889, como já dito, e surgiu outro mercado com o mesmo nome e invocação à santa, na Baixa dos Sapateiros, que  também sofreu alguns sinistros ao longo de sua história. O Mercado do Ouro foi o primeiro de grande porte, propriedade do comerciante de carnes Francisco Amado da Silva Bahia, que adquiriu o imóvel em 1910. Sofreu incêndios e também o impacto de deslizamentos de terra, tão comuns nessa área do Pilar.

O Mercado Modelo, localizado no hoje espelho d’agua do II Distrito Naval, surge em 1912. Era um prédio horrível, modernoso, com fachada metálica e cobertura de zinco. Os baianos odiaram o estilo galpão. Foi reconstruído, em 1915, com fachada em estilo eclético. Pegou fogo em 1917, o primeiro de vários . Os incêndios de 1922 e 1943 foram parciais. O de 1969 destruiu tudo. O prédio foi demolido e o mercado passou a funcionar na antiga alfândega com nova proposta de serviços, voltada para o turismo. O novo Mercado Modelo também foi destruído, pegou fogo em 1984, recuperado e reinaugurado no ano seguinte.

 As tragédias aqui relatadas abalaram os baianos, inclusive a do Mercado de São Miguel, na Baixa dos Sapateiros, também incendiado, mas nenhum causou tanta tristeza e vítimas quanto o de Água de Meninos,  em 1964, provocado pela explosão de um tanque de gasolina da Esso. Mais de mil pontos de venda destruídos e seis mortos. Os boateiros de sempre que se alimentam de teorias conspiratórias atribuíram o incêndio na época à ditadura militar, do mesmo jeito que o incêndio do Mercado de Santa Bárbara de 1889 fora atribuído aos Republicanos.

Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às sextas-feiras