Independência ou morte

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  • Gabriel Galo

Publicado em 7 de setembro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Os esforços de reescritura da história brasileira, com ápice na pintura de Pedro Américo, heroicizando um incontinente grito da independência – ah, as agruras de tempos idos num burrico na subida da serra nos tempos de antanho... – reverberam até na construção da mística de um povo heróico, segundo me contou a Secom, pouco antes de o órgão arrumar entrevero com humoristas, estes perigosos contraventores da glória patriótica, e acobertando moções de censura e outras cositas más. Na essência, está a mensagem subliminar de se interligar eventos de bravura, pondo-se os tais do poder como os representantes da glória em armas.

Há, decerto, heroísmo na vida brasileira. Há heroísmo em quem tem que se virar com o sustento da família com auxílio emergencial. Há heroísmo em quem se sacode em transportes públicos de baixa qualidade e depois ainda ter que exibir, ao gosto do patrão, figura sem suor e sorriso de quem crê em meritocracia. Há heroísmo em toda uma parcela que insiste em dar as caras nas ruas, apesar das ameaças de trabucos e racismo fingido. Casos mais se acumulam a cada segundo, mas não são notícia nos balanços e alertas da vida. Sabe como é: se não tiver mesa de delegacia cheia, não vale a manchete.

Pode-se, também, debater-se heroísmo em eventos não tão nobres, existentes apenas com aspas em licenças poéticas. Quem há de negar heroísmo a quem se embaralha em tabelinhas com Jonathan Bocão e Gerson Magrão? Ou como um gol no apagar das luzes de um jogador desacreditado e enfaticamente questionado, como Clayson, num Beira-Rio de tão boas lembranças ao Bahia, podendo, no choro da comemoração, significar o recomeço?

Heroísmo é ato de resistência contra uma forma de poder que oprime, ameaça e rebaixa.

Mas, como boa narrativa brasileira, mistura-se uma salada de conceitos que podem ou não caminhar juntos. Heroísmo não necessariamente está envolvido em declarações de independência. E independência não necessariamente tem a democracia como princípio. Num entendimento particular, independência é livramento, enquanto garante direitos humanos fundamentais. Olha-se, no entanto, apenas para a primeira metade da equação, justamente por ser a recorrente questão premente. Só que sem a segunda, a estrutura de poder concentrado permanece e faz da independência mero oportunismo.

Quando embasada em preceitos da democracia, a independência provê recursos de luta contra aventureiros e projetos de tiranos. Acontece que estes descobriram que o autoritarismo sobrevive melhor quando longe das tomadas violentas. De heroísmo, apenas o enaltecimento de memórias que convenientemente excluem o que não convém. E, uma vez por dentro, minam as estruturas de contrapeso, corroendo as ferramentas institucionais oferecidas pela democracia. Governam olhando para trás, apelando a memórias afetivas para ocultar a incompetência e o apetite por destruição, reescritos à la Pedro Américo, enquanto lançam mão da opressão, da ameaça e do rebaixamento como armas de sua luta pretensamente heroica.

Se for pra falar de heroísmo, melhor seria lembrar da Independência Baiana. Esse caso, por sua vez, não coincide em data ou protagonistas desejados.

E o que faz este artigo numa seção de esportes? Esta mesma construção narrativa se encaixa aos clubes de futebol no Brasil. Infelizmente. E muitos, chancelados, perderam a vergonha de mostrar sua face mais obscura.

Gabriel Galo é escritor