Inferninho e luz vermelha: conheça ABOCA, espaço que ferve às quartas-feiras

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  • Ronaldo Jacobina

Publicado em 18 de janeiro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Betto Jr./CORREIO

Dona Maria de Lourdes, a senhora minha mãe, do alto dos seus quase 82 anos, quando quer ressaltar um fato – e ela gosta de ressaltar muito –, repete enfaticamente: “Pense numa coisa interessante! Pense!”. E reforça esse 'Pense', cada vez mais energicamente, durante toda a narração do fato a que se refere. Embora isso me irrite muito, hoje vou me valer afetivamente dessa frase dela para “ressaltar” a minha experiência em ABOCA, espaço que funciona no Santo Antônio Além do Carmo, numa noite de quarta-feira, quando acontece uma das festas mais irreverentes da cidade.

Pense num lugar diferente, divertido e autêntico! Pense! ABOCA é a sigla da Associação Baiana e Observatório de Cultura e Arte, criada pelo fotógrafo profissional e pesquisador Vinicius Passarinho. O casarão, que abriga o seu acervo de pesquisa e sua produtora de conteúdo, funciona todos os dias das 18h às 2h, mas ferve mesmo é nas quartas-feiras, quando acontece por lá uma festa comandada pelos artistas performistas Portella Açúcar e Veko Araujo, no melhor estilo underground de cidades como Berlim e Nova York.

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Na entrada, nada de ingresso impresso. O acesso, que custa R$10, é mediante a assinatura num livro de presença. Tão logo escalei os quatro degraus que dão acesso à casa, já me senti no mais irreverente dos lugares que já passei. Cruzei com artistas famosos como Vik Muniz, que me contou que estava se sentindo em Nova York, o estilista de Caetano Veloso, o paulista Felipe Veloso, jornalista de moda, médico, catador de lata e uma diversidade que não cabe no papel.

Antes de cruzar o pequeno salão, onde músicos afinavam o som para o show da noite, e seguir em direção ao quintal onde funciona um micro bar, que usa um método antigo de venda de bebidas com botões plásticos coloridos, cruzo com Liza Araújo, que só depois fui saber que se tratava da mulher e sócia de Vinicius, responsável pela gestão da casa que, por sinal, foi invadida por eles há cerca de 10 anos. “A primeira bem sucedida”, ressalta ele.

Enquanto a noitada (que vai das 19h às 22h) não começa, aproveito para reconhecer a área, até então calma, e conversar com o casal que conta que o espaço dá oportunidade a artistas desconhecidos a gravarem seu trabalho e jogar na internet.“Aqui fazemos de tudo, até propaganda de cigarro”, diz.Liza não revela o estado de onde veio. “Estou fugida da família”, ri. Apesar de parecer muito doida, é ela quem comanda o negócio. Com mão firme! Vende bebida no bar, supervisiona a pizzaria (por sinal uma das melhores pizzas que já comi), filma a festa e faz rompantes em meio ao público que se espreme no salão apertadinho e escuro à espera do inicio da noitada. “Happy new year! Para quem não fala inglês, Feliz ano novo”, grita Veko Araújo, anunciando que a primeira edição do ano está começando.

Depois de soltar diversas pérolas, vai atiçando o público que, a essa altura, está distribuído entre a pista e em pé sobre os bancos e cadeiras improvisados. Veko anuncia a estrela da noite. “Com vocês, Portella Açúcar”. Aí é entregar a Deus, ou ao Diabo, e se jogar no clima embalado pelo repertório certeiro da diva-mor, que é acompanhado por um coro entusiasmado que, a esta altura, já se rendeu totalmente à proposta do lugar.

Daí é só driblar o calor, o espreme-espreme, a cerveja nem sempre gelada, ao pega-pega, e claro, se jogar. A experiência é única e deve ser repetida muitas vezes, que é o que farei. Afinal, Pense num inferninho alto-astral! Pense!