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Insônia e técnicas para dormir

  • Foto do(a) author(a) Kátia Borges
  • Kátia Borges

Publicado em 18 de dezembro de 2022 às 05:17

. Crédito: .

Sempre cultivei o hábito de acordar bem cedo, muito embora seja uma pessoa insone. Contradições de uma vida inteira enfrentada de virote, dias nascendo dentro de noites, mosaico de sombras e luzes, sol e lua trocando de lugares, Feitiço de Áquila às avessas, mãos que se tocam por segundos sem a beleza do romance que daria um filme, pensamentos em ziguezague na cabeça até o ponto em que os olhos desistem.

Dizem que os filósofos gregos pensavam que o sono nascia no coração e não no cérebro. Para os orientais, o coração pensa constantemente, então talvez faça sentido. E eis que driblo a insônia com um livro interessante, uma canção brasileira, o barulho de vozes aleatórias num programa de debates, atrações que se escondem no finalzinho da grade da TV aberta, com traço de audiência, hífen entre este dia e o seguinte.

A madrugada é o hiato que me pertence antes que a vida recomece. O vizinho pigarreia, um carro dispara a sirene, a enfermeira prepara seu café perto da pia da cozinha, meia parede. Escuto os giros da colher que mexe no fundo da xícara fumegante, enquanto ela anota mentalmente uma lista de tarefas. Dizem que Kafka só dormia com os braços cruzados sobre o peito, de modo que as mãos envolvessem os ombros.

Já Marilyn Monroe tomava doses cavalares de calmantes assim que anoitecia. Cada insone desenvolve sua própria técnica. Charles Dickens, por exemplo, só se deitava com a cabeça voltada para o norte. Clarice Lispector dava a noite por encerrada fosse a hora que fosse e, em lugar de soníferos, bebia litros de café. Solitária, mergulhava então nas delícias de um nada que não corria o risco de interrupção súbita.

Confesso que é interessante, de vez em quando, lembrar esses insones famosos e suas excêntricas técnicas, só pra me sentir um pouco normalzinha em relação a um problema crônico. Mas a verdade é que não há charme algum em não dormir. Quando me preparava para encarar a seleção para o mestrado e, anos depois, para o doutorado, eu costumava me levantar ainda no escuro e iniciar os estudos.

Enquanto a cidade ressonava em uníssono, aproveitava aquelas poucas horas livres para ler ao máximo, até o momento em que fosse necessário interromper as leituras e ir para o trabalho, uma jornada de oito horas. Muitas vezes, era bem aí que o sono dava as caras, visitante incômodo. E então como o personagem de O clube do Luta, eu me via diante do computador contemplando um mundo em ruínas.