Instituto Cigano do Brasil leva caso de tortura à PGJ

Órgão também apresentou pedido de investigação imparcial sobre as mortes dos 8 familiares

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  • Luana Lisboa

Publicado em 5 de agosto de 2021 às 00:43

- Atualizado há um ano

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Uma reunião que uniu procuradoria-geral de justiça da Bahia e o Instituto Cigano do Brasil (ICB) discutiu as investigações dos fatos que resultaram na morte de oito ciganos nos municípios de Vitória da Conquista, Anagé e Itiruçu - todos filhos do cigano Rodrigo Silva Matos, preso como um dos autores dos disparos que mataram os PMs. Além dessas mortes, a de um empresário e um jovem de 15 anos, por terem nomes parecidos com o de ciganos, pelos policiais militares. Realizada na terça-feira (3), a reunião foi solicitada pelo ICB e a articulação, feita pelo promotor Edvaldo Vivas.

Na oportunidade, o presidente do Instituto Cigano do Brasil, Rogério Ribeiro, da etnia Calon, ainda levou à Procuradoria uma denúncia de tortura. De acordo com Rogério, no dia 13 de julho, mesmo dia das três primeiras mortes dos ciganos pelos policiais, quatro pessoas sofreram práticas de tortura pelos agentes públicos, das quais três são adolescentes e uma, idosa de 82 anos. "Retiramos eles de lá com vida, mas estavam muito machucados, foram maltratados das 14h à meia-noite. Eles estão em outra cidade, sendo cuidados e agora precisamos identificar os policiais que fizeram essa tortura", conta Rogério.

De acordo com o presidente, um relatório foi encaminhado ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil, à Comissão de Direitos Humanos, à Defensoria Pública da União e à Procuradoria Geral da República. Os torturados teriam recebido para beber água sanitária ao invés de água mineral, e teriam sofrido agressões físicas e verbais.

Na reunião ainda foram apresentados pedidos de investigação imparcial sobre as 10 mortes por confronto, uma perícia nos locais do supostos confrontos e o acompanhamento para as vítimas de torturamento. "O Instituto não compactua com essa situação e também não compactuamos com a fuga de ciganos. Os que participaram devem ser presos, mas os inocentes não. Queremos uma investigação com muita transparência, é isso que nós estamos cobrando e vamos acompanhar o inquérito. Acredito que a missão da polícia não é tortura, essa época já passou", disse.

Além dos mortos e torturados, uma família de ciganos de Vitória da Conquista, Sudoeste da Bahia, está sendo acompanhada pela Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA) após a instituição receber denúncias de perseguição de policias militares à comunidade cigana após o assassinato de dois PMs na região. Cinco mulheres e sete crianças da família foram deslocadas para o município de Jequié e a Defensoria busca a inserção delas em um programa de proteção a testemunhas.

"Essas mulheres me ligaram segunda-feira de uma rodoviária. Elas estavam sem dinheiro, passando fome com as sete crianças. A ICB se mobilizou, colocamos elas numa pousada e, ontem, conseguimos levar elas para um outro estado, em um espaço do Instituto, sãs e salvas", relata Rogério. Sobre os outros dois últimos filhos vivos de Rodrigo Silva Matos, ambos estão foragidos. Nem mesmo a mãe mantém contato com eles.

A reunião contou com a participação da procuradora-geral de Justiça, Norma Cavalcanti, do coordenador do Centro de Apoio Operacional de Segurança Pública e Defesa Social (CEOSP), Luís Alberto Vasconcelos; da coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Criança e do Adolescente (CAOCA), Márcia Rabelo; do coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal (CAOCRIM), André Lavigne; do coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAODH), Edvaldo Vivas; e dos promotores de Justiça de Vitória da Conquista, Beneval Mutim, José Junseira e Guiomar Miranda.

Através de nota, o Ministério Público afirmou que vem dialogando com o presidente do Instituto do Cigano do Brasil, Rogério Ribeiro, por meio dos coordenadores dos Centros de Apoio Operacional de Direitos Humanos e de Segurança Pública e Defesa Social, respectivamente promotores de Justiça Edvaldo Vivas e Luís Alberto Pereira. Sobre a morte dos dois policiais, o inquérito policial foi concluído e o MP ofereceu, no dia 26 de julho, denúncia contra Rodrigo da Silva Matos, Solon da Silva Matos, Diogo da Silva Matos e Marlon da Silva Matos. Eles foram denunciados por crime de homicídio qualificado por motivo fútil contra autoridade no exercício da função, sem deixar possibilidade de defesa às vítimas.

"O Ministério Público estadual tem acompanhado de perto as investigações dos fatos que resultaram na morte de oito ciganos nos municípios de Vitória da Conquista, Anagé e Itiruçu, neste mês. No último dia 28, o MP designou seis promotores de Justiça para atuar no procedimento aberto pela Promotoria de Justiça de Controle Externo da Atividade Policial em Vitória da Conquista, que apura as circunstâncias da morte de Ramon da Silva Matos, ocorrida no dia 13 de julho no distrito de Lagoa das Flores, e também de um suposto cigano morto na última quarta-feira, dia 28, no município de Anagé", diz o pronunciamento. 

Posicionamento da Defensoria Pública da União (DPU)

Através de ofício, o Defensor Público Federal, Vladimir Ferreira Correia, respondeu aos apelos de Rogério Ribeiro afirmando que o órgão oficiou a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) para recomendar a adoção de medidas para salvaguardar a comunidade cigana, orientando a celeridade e a rigidez na apuração da autoria dos atentados, tendo em vista a fundada suspeita de envolvimento de agentes estatais. "Além disso, por tratar-se de questão afeta aos órgãos estaduais, a DPU encaminhou a demanda à Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE) para fins de acompanhamento. Em resposta, a SSP firmou o compromisso de apurar rigorosamente os fatos e combater permanente eventuais desvios e excessos funcionais".

De acordo com o documento, assinado na segunda-feira (2), considerando as mortes mais recentes dos ciganos da região, a DPU está se articulando com a DPE para definir outras estratégias de atuação. Entretanto, o defensor ressaltou que aos órgãos não cabe a atribuição para investigar infrações penais, sendo tal tarefa incumbida à Polícia Judiciária e ao Ministério Público.

"Cabe à Defensoria acompanhar tais apurações para garantir, no âmbito das suas funções institucionais, a responsabilização administrativa e penal dos infratores, assim como a responsabilização civil do Estado, atuando, de igual modo, para fazer cessar o referido histórico de violações".