Itinga lidera homicídios em Salvador e RMS nos últimos oito anos e meio

Desde 2011 até junho de 2019, bairro de Lauro de Freitas somou 350 crimes violentos letais intencionais

Publicado em 16 de julho de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/Arquivo CORREIO
.

Oito anos e seis meses. Para todos esses 3.084 dias entre 19 de janeiro de 2011 e 30 de junho de 2019, 350 mortes violentas em um único bairro: Itinga, conhecido por pertencer a Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), mas incluído entre os 163 bairros da capital baiana, em lei aprovada há dois anos, Itinga tem o maior número de assassinatos registrados de 2011 a 2019. Os dados foram coletados pelo CORREIO junto aos boletins diários de óbitos divulgados pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA).

Mais do que reunir o maior número de crimes violentos letais intencionais (CVLIs) - que, além dos homicídios, incluem os latrocínios - roubo seguido de morte - e as lesões corporais seguidas de morte, Itinga mantém, desde 2016, o posto de liderança nesse tipo de crime, mesmo se comparado a todos os bairros de Salvador, de Lauro de Freitas e das outras 11 cidades que compõem a RMS. A reportagem optou por usar números absolutos, já que os dados mais recentes de população, pelo IBGE, são de 2010.

Confira todas as matérias do especial 1.000 Vidas e baixe planilha de dados

Em Salvador, o primeiro bairro a aparecer na lista é São Cristóvão, com 335 assassinatos de 2011 a 30 de junho 2019. Só este ano, foram nove CVLIs lá. Os três bairros seguintes no ranking dos oito anos ficam localizados no Subúrbio Ferroviário de Salvador: Periperi (314), Lobato (302) e Paripe (284). 

O CORREIO procurou a Secretaria de SSP-BA para falar sobre a situação dos bairros, mas não obteve resposta em relação a isso até o fechamento desta edição. Em nota, a pasta informou apenas que “o trabalho integrado das polícias Militar, Civil e Técnica é a principal razão pela queda das mortes violentas, na Bahia. Nos últimos anos as reduções foram sucessivas, com destaque para 2018 com o maior decréscimo dos últimos seis anos”.“As ações de inteligência, preventivas e ostensivas são focadas no combate ao tráfico de drogas, pois 80% das mortes têm ligação com esta prática criminosa. A renovação das estruturas policiais, com ênfase na tecnologia, também colaborou para a redução dos índices criminais”, continua a nota.A delegada titular de Itinga, Elaine Laranjeiras, não foi encontrada para falar sobre o assunto

Mesmo se considerados somente os homicídios deste ano, Itinga segue na liderança, com 21 vítimas de assassinatos de janeiro a junho. O Lobato aparece em segundo lugar, com 22 mortes, e Periperi em terceiro, com 20. A novidade é a Boca do Rio, que já registra, este ano, 14 assassinatos, junto com a Fazenda Grande do Retiro. No ano passado foram 21 mortes na Boca do Rio ao longo do ano inteiro. Na Fazenda Grande do Retiro foram 26.

[[galeria]]

Para o professor Pablo Lira, doutor e professor do Mestrado em Segurança Pública da Universidade Vila Velha (ES) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a criminalidade não se distribui de forma homogênea no espaço geográfico. No entanto, o ambiente urbano brasileiro congrega características que potencializam o fenômeno da violência e, nos anos 1980 e 1990, as desigualdades sociais se agravaram.

“Condicionantes da criminalidade violenta costumam se conjugar em bairros menos privilegiados, a saber, elevadas taxas de evasão escolar, elevadas taxas de gravidez na adolescência, altas taxas de desemprego e problemas de infraestrutura urbana. Somam-se nesse cenário de vulnerabilidades socioeconômicas as disputas pelo domínio de territórios perpetradas pelos grupos do tráfico de drogas ilícitas. Esses grupos são constituídos, sobretudo, por homens jovens, com baixo nível de escolaridade e que utilizam as armas de fogo para impor o medo em tais comunidades”, explica.

Queda O que chama a atenção é que o bairro de Paripe – cuja população em 2010 era de 55.039 habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) –, mesmo que ainda figure entre aqueles mais violentos, em números absolutos, vem tendo queda constante de vítimas, de 2011 para cá. Se no primeiro ano da série histórica o bairro teve 47 assassinatos, esse quantitativo foi caindo nos anos seguintes até chegar a 21 mortes no ano passado. Em 2019, até 30 de junho, já foram 10 vítimas.

A reportagem procurou o delegado Maurício Rocha, da 5ª Delegacia (Periperi), que atende Paripe, mas ele pediu que falasse com o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).

Para o professor e sociólogo Luiz Cláudio Lourenço, um dos coordenadores do Laboratório de Estudos Sobre Crime e Sociedade (Lassos), da Universidade Federal da Bahia (Ufba), a queda nos números de mortes violentos em bairros periféricos, como Paripe, pode ter relação com uma questão urbana. “No subúrbio, a gente tem uma melhoria da condição urbana bastante interessante e isso pode provocar uma mudança considerável na questão da violência”, afirma.

Moradora de Fazenda Coutos I, Denise Araújo, 28 anos, faz tudo em Paripe e percebe que a violência no bairro diminuiu nos últimos anos, inclusive os homicídios.“Paripe se tornou um bairro bastante populoso, tem mercado grande, tem muita gente circulando. E o policiamento também ajuda, tem muito mais polícia, a gente vê viaturas passando, mais policiais”, afirma.Outros bairros que registraram baixa considerável no número de assassinatos foram o Bairro da Paz, a Federação e Cajazeiras II. Se considerado o percentual, a queda em cada um desses locais foi de 14 crimes em 2011 para dois crimes em 2018. Este ano, foram três vítimas de CVLIs no Bairro da Paz, outras duas na Federação e também duas em Cajazeiras II. (Infoografia: CORREIO Gráficos) Alta Por outro lado, bairros menores e menos conhecidos pelo índice de violência tiveram altas vertiginosas nos últimos anos. O Jardim das Margaridas, que tem apenas 4.592 habitantes, segundo o IBGE, teve um aumento de 800% no número de mortes de 2011 para 2018: de uma única vítima no primeiro ano, chegou a nove no último. A taxa de homicídios por 100 mil habitantes saltou de 21,7 em 2011 para 217,7 em 2018. Este ano, foram outras quatro mortes.

Moradora do bairro há 21 anos, uma professora de 24, que não quis se identificar, conta que o Jardim das Margaridas sempre foi um lugar deserto, com ruas pouco movimentadas. O temor sempre foi de andar à noite em ruas desertas. Nos últimos anos, no entanto, o lugar acabou indo parar no noticiário policial.“Aqui era um bairro que ninguém sabia onde era e agora as pessoas estão passando a conhecer mais, fazem referência por conta do que passa no jornal sobre um ônibus incendiado, assassinato, uma empresa de home care que não queria atender os moradores daqui por medo do bairro”, afirma.Ela acredita que esse tipo de violência no bairro tenha relação com o aumento populacional, com a construção de um conjunto habitacional do programa Minha Casa Minha Vida, sem que, ao mesmo tempo, tenha crescido a vigilância, a estrutura para se viver. O resultado é que, segundo ela, os moradores do condomínio acabaram recebendo uma carga de preconceito.“A população que vive nos espaços marcados pelos elevados índices de homicídios acaba, injustamente, sendo estigmatizada e sofrendo consequências como: dificuldades de encontrar emprego, de comercializar bens e de vender imóveis. Isso sem falar do risco constante de ser vítima em um tiroteio”, avalia o professor Pablo Lira.Só este ano, o Jardim das Margaridas já foi parar no noticiário ao menos três vezes. A primeira, em março, foi quando a Rondesp, da Polícia Militar, apreendeu um fuzil de fabricação russa com um casal dentro de um condomínio. Em maio, foi a vez de um motorista de Uber ser vítima de agressões e ameaça de morte por parte de um bando que, logo em seguida, promoveu uma chacina no bairro de Portão, em Lauro de Freitas.

Já no dia 12 de junho, o suspeito de integrar uma quadrilha de assalto a bancos apontou um imóvel usado pelo grupo no bairro. No local, forma encontrados armamentos pesados, como fuzis, metralhadores e um rifle, além de pistolas. O bairro do Rio Vermelho também teve alta considerável, se avaliada a variação percentual entre 2011 e 2018. Em 2011, apenas uma pessoa foi vítima de morte violenta no bairro. No ano passado, foram seis - aumento de 500%. Este ano, houve mais uma morte no bairro. Foi no mês de janeiro, quando um suspeito de assalto a ônibus foi baleado dentro do coletivo.

Os titulares da 7ª Delegacia (Rio Vermelho), Lúcia Janssen, e 12ª (Itapuã), Nilton Tormes, foram procurados, mas não atenderam às ligações.

O CORREIO procurou a Polícia Militar para falar sobre o trabalho nos bairros citados nesta reportagem. Em nota, a PM informou que “o policiamento é realizado pelas Companhias Independentes de Polícia Militar (CIPM), correspondentes às localidades, onde policiam através do radiopatrulhamento motorizado, com guarnições atuando em viaturas e motocicletas em rondas e em diversas operações preventivas, repressivas e ostensivas”.

“Além do policiamento ordinário, as unidades contam com o apoio de policiais do Pelotão de Emprego Tático Operacional (Peto), além das Companhias Independentes de Policiamento Tático (CIPT)/Rondesp em que fazem operações com abordagens e da Operação Gêmeos, do Esquadrão de Motociclistas Águia e da Operação Apolo”, completa a nota. A PM informa que a população que observar suspeitos ou ações delituosas pode ligar para o 190 ou disque denúncia (3235-0000) e registrar queixa nas delegacias da área.

Camaçari lidera homicídios na Região Metropolitana Embora Itinga seja o bairro dentre todas as 13 cidades da Região Metropolitana de Salvador (RMS), incluindo a capital, com o maior número de crimes violentos letais intencionais (CVLIs) registrados de 2011 a 2019, Lauro de Freitas ocupa apenas a quarta posição no ranking de homicídios, em números absolutos, dentro da mesma série histórica. De 2011 para cá, foram 908 pessoas assassinadas.

A liderança na Região Metropolitana, em números absolutos, é de Camaçari, que também é a segunda maior cidade no grupo das 13. Com 1.661 vítimas da violência de 19 de janeiro de 2011 até 17 de junho de 2019, a cidade conhecida pelo Polo Petroquímico, mas também pela faixa de litoral frequentada por turistas do país inteiro, só fica atrás de Salvador. No mesmo período, foram 10.960 mortes violentas na capital baiana, de acordo com os dados dos boletins diários divulgados pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA).

Depois de Camaçari aparece Simões Filho, Lauro de Freitas e Candeias. Embora tenham sido registrados homicídios em todos os municípios, Madre de Deus foi aquele com menos mortes contabilizadas – 53 no total de oito anos e seis meses. A SSP-BA foi procurada, mas não comentou os números Camaçari. A pasta não considera que os dados divulgados pelo boletim sejam estatísticas. O Calabar recebeu a primeira Base Comunitária de Segurança da Bahia, em abril de 2011 (Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO) Calabar não tem CVLIs desde 2012 Dentre todos os bairros de Salvador, 84 não registraram nenhum homicídio no ano passado. Mas, um deles chama mais atenção que os demais. Localizado entre Barra e Ondina, o Calabar, que em 2010 tinha população de menos de 6,5 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não registra nenhum crime violento letal intencional (CVLI) desde 2012. Os dados foram coletados pelo CORREIO a partir dos boletins de óbitos divulgados pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) e não incluem mortes decorrentes da atividade policial.

O Calabar foi o primeiro bairro de Salvador a receber uma Base Comunitária de Segurança Pública. Ela foi inaugurada no dia 27 de abril de 2011. Primeiro, foi ocupada por policiais do Batalhão de Choque. Depois, recebeu 30 PMs lotados exclusivamente na unidade. A Base foi inspirada nas Unidades de Polícia Pacificadora do Rio de Janeiro (UPP).

De todos os locais com bases na Bahia (17), apenas o Calabar não vem registrando novos homicídios. O último foi um homem de identidade ignorada, morto no dia 7 de fevereiro de 2012. As outras duas mortes registradas no local, no período entre 19 de janeiro e 17 de junho de 2019, ocorreram em 2011, antes da implantação da Base: uma em janeiro e outra em fevereiro. Todas as vítimas foram homens.“Eu sou suspeita para falar da Base, porque eu vivo a comunidade. Eu acredito que melhorando a qualidade de vida das pessoas, o crime diminui. Hoje a gente tem adultos que eram adolescentes quando a base foi inaugurada, há oito anos, e jovens que eram crianças e que participaram dos projetos da base. Uma liderança estava falando que a base transformou o presente dele”, afirma a capitã Aline Muniz, que comanda a Base Comunitária do Calabar desde 2017.Para ela, a participação da comunidade nos projetos sociais – são 14 atualmente – é fundamental. Com o tempo, foi criada uma relação de confiança entre moradores e policiais. “A comunidade toda tem meu telefone, para cada projeto, a gente tem um grupo no WhatsApp. Hoje são mais de 20”, conta. A redução das mortes, segundo ela, também tem uma relação com uma unificação dos grupos de tráfico – hoje, apenas um grupo atua no local, o que torna mais raros os confrontos. Base do Calabar desenvolve 14 projetos sociais; no sábado (13), o Meraki Models completou um ano (Foto: PM-BA/Divulgação) Mesmo assim, para ela, os criminosos são minoria.“Eu digo que a grande maioria dos moradores da comunidade são pessoas de bem, diria que mais de 95%. O pessoal vem muito na minha sala e eu digo sempre: não deixem que uma minoria manche a imagem do bairro de vocês”, conta.Segundo dados da Polícia Militar da Bahia, existem hoje no estado 17 Bases Comunitárias de Segurança, que ficam em Salvador, Lauro de Freitas, Camaçari, Feira de Santana, Vitória da Conquista, Itabuna e Porto Seguro. Só Salvador são nove bases, distribuídas nos bairros do Calabar, Chapada do Rio Vermelho, Santa Cruz, Nordeste de Amaralina, Uruguai, Rio Sena, Fazenda Coutos, Águas Claras e Bairro da Paz, além do Departamento de Polícia Comunitária e Direitos Humanos, no Centro Administrativo da Bahia. Existe, também, uma base em Itinga, Lauro de Freitas.