Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Paulo Leandro
Publicado em 24 de agosto de 2022 às 05:13
Vamos todos cantar de coração, a cruz de malta é o meu pendão! Quem canta, a cada aurora, antes de sair de sua casa, na Boca do Rio, é o recordista em venda de jornais impressos na Bahia, o vascaíno Valnei Ribeiro Santiago, um "cinquenteen" (adolescente cinquentão) feliz da vida.>
Sem ter lido O Ser e o Nada, A Náusea, muito menos a trilogia da liberdade (Idade da Razão, Sursis, Com a Morte na Alma), o jornaleiro campeão baiano pode-se dizer um sartreano prático, por fazer dos limões oferecidos pela vida a mais gostosa limonada.>
"Não importa o que fazem de nós, mas o que nós fazemos do que fazem de nós”, recomendava, mais ou menos assim, o nosso guia francês, conforme ensina o professor mais querido de São Lázaro.>
Pois foi bem isso: Valnei pegou desemprego da prefeitura de Valença, no Baixo Sul, na virada do século ,e decidiu retornar a Salvador, onde nasceu. Não achou serviço de nada, também não quis dar pra ladrão: resolveu aliar-se aos jornalistas, sempre na pindaíba (anzol curto, do tupi para o português), e às empresas de jornal na corda bamba.>
Desde o primeiro "gazeteiro", no século XIX, no jornal A Província de S. Paulo, depois O Estado de S. Paulo (Estadão), o jornaleiro joga com a 8, é o meia de ligação entre redações e leitores: Valnei já está na pracinha do Imbuí, bem cedinho.>
Com o dinheiro das vendas, Valnei paga o aluguel e investe em comida e camisas do Vasco. Todo dia Valnei veste uma diferente, prática virtuosa adquirida na juventude, ao apaixonar-se pelo time do Garoto Dinamite, numa vitória sobre o Flamengo. Além de Roberto, Valnei não esquece de Romário, Edmundo e do “melhor presidente”, Eurico Miranda, “vascaíno de unhas e dentes”.>
"Quando era solteiro, eu já gastava o salário todo em camisa do Vasco. Aí, quando casei, não tive como manter. Precisei me separar”, afirma Valnei, sem arrependimento.>
De fato, há quem garanta ser mais tranquilo amar a um clube em vez de se atrapalhar com relacionamentos sérios, cujo desfecho é dor e sofrimento: adaptação do “eterno enquanto duro”, afinal, das durezas desta vida, só a do bolso se mantém.>
Há 22 anos vendendo todos os jornais, Valnei curte mais o Correio porque tem 130 reais de custo e ganha 50 centavos por unidade vendida, passando da média de 100 exemplares ao dia, quando a edição está mais “quentinha”, na sua avaliação.>
Não se sabe quantos jornais Valnei já vendeu na vida, mas seguramente ele trocaria alguns deles por um bilhete para ver seu Vasco vencer o Bahia, domingo, por 2x0, dois gols de Nenê.>
No duelo aquático, para este amigo dos jornalistas e da cidadania, o Bacalhau ganha domingo, “dia de comer sardinha”, conforme a previsão do maior vascaíno e jornaleiro de toda a Bahia.>
Embora soteropolitano, aprendeu Valnei a ser Vasco em Valença, confirmando a geopolítica do “fútil” ball, pois fora de Salvador e do Recôncavo, a torcida do Almirante manda em 400 municípios.>
Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade. A opinião do colunista não reflete necessariamente a do CORREIO.>