Lagoa dos Dinossauros faz lembrar T-Rex que dominou nosso carnaval

Bell Marques relembra trio elétrico que fez parte do auge da banda Chiclete com Banana e trouxe inovações nos anos 2000

Publicado em 10 de janeiro de 2021 às 07:00

- Atualizado há um ano

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Salvador virou 2021 regressando algumas casas nas eras geológicas da Terra. A primeira semana da nova década trouxe para a cidade uma polêmica mesozoica afiada, envolvendo identidade cultural, divertimento gratuito e lagartos gigantes.

Toda esta aleatoriedade non sense teve princípio com a inauguração da Lagoa dos Dinossauros, no bairro do Stiep. Réplicas gigantes dos animais que dominaram o planeta, entre os períodos jurássico e cretáceo, foram instaladas pela prefeitura ao redor do parque.

Nas redes sociais, incluindo o Instagram deste CORREIO, houve uma guerra de foice (quase escrevi de fóssil), dividindo dois grupos. Os “dinossaurísticos” defenderam o espaço sob o argumento de ser uma área de lazer na cidade. Já os “meteorísticos” preferiam a extinção dos ditos cujos, pontuando os custos de uma construção que, em última análise, não possui qualquer relação com a história de Salvador.

De fato, até hoje, nunca foi encontrado nenhum grande sítio arqueológico indicando a passagem dos dinos pela capital da Bahia. Ainda que tenha sido justamente por estas bandas, no atual bairro do Lobato, o local onde encontraram petróleo pela primeira vez no Brasil, em 1939. O petróleo, como se sabe, é um combustível fóssil, originado da decomposição de animais e vegetais que viveram milhares de anos antes – embora isso não garanta exatamente a presença deles por aqui, podendo tratar-se de seres de outras espécies, em outras eras.

T-Rex do Carnaval Se esta imprecisão não encerra a rivalidade, uma outra evidência pende para o incontestável. Nos início dos anos 2000, Salvador conviveu com um potente carnívoro devorador nos festejos de Carnaval: o trio elétrico Tiranossauro Rex, o ‘predador de tristezas’, puxado pela banda Chiclete com Banana. Banda Chiclete com Banana no Tiranossauro Rex no Carnaval de Salvador (Foto: Angeluci Figueiredo/Arquivo Correio) A máquina, enquanto esteve ativa, ocupou o topo da cadeia alimentar da folia. Todo preto, destacava-se como o mais moderno, com melhor sonorização e de maior pompa nos dois circuitos da festa. O T-Rex (ou Trio Rex), carinhosamente chamado, começou a ser construído pelos irmãos Marques em 1998, mas só foi inaugurado no Campo Grande em 2000.

“Foram dois anos construindo ele no galpão que a gente mantinha em Fazenda Grande II. A gente queria realmente fazer algo que provocasse impacto, com uma presença marcante", relembra Wilson Marques, 75 anos.

Em entrevista exclusiva ao CORREIO, Bell Marques contou que o nome não nasceu propriamente de um dinossauro, seguindo uma curiosa transmutação de espécie.

“Além de toda a parte da sonorização, lá dentro o próprio trio era muito confortável. Parecia um apartamento, tão luxuoso que era. A gente projetou assim porque passávamos muito tempo dentro desse caminhão... Eu sugeri o nome Rex vindo de um cão. Eu achava que o trio era tão próximo da gente que era como um animal de estimação. Mas as pessoas entenderam que era Rex por causa do Tiranossauro Rex. Aí acabou evoluindo e virou isso mesmo”, relembra, divertindo-se. 

Rugido e contratação Desde 1983, a banda Chiclete com Banana passou a comprar seus próprios trios, adaptando o maquinário da carreta ao estilo musical da banda. Com o sucesso absoluto na década de 1990, partiram para inovações mais ousadas e também mais custosas, tanto na parte estética quanto sonora.

“Fizemos algo que nunca mais será feito no Carnaval de Salvador. Eu botei o som dianteiro do Rex começando no cavalinho (que é a cabine do motorista da carreta). E isso fazia toda a diferença, porque o som era limpo e potente tanto para quem estava na frente do bloco, quanto para quem vinha atrás. Criamos ainda um sistema hidráulico que mantinha o trio sempre alinhado, ajudando na propagação do som”, detalha Wilson. Trio tinha o sistema de som no cavalinho e sistema hidráulico de correção nas curvas (Foto: Facebook Trio Tiranossauro Rex) Com o nome Tiranossauro Rex já consolidado, Wilson ainda criou uma sonoplastia especial. Antes da saída do circuito ou mesmo na reta final de chegada, o trio emitia um som, uma espécie de rugido de dinossauro.

Veja no Youtube o vídeo em que Wilson Marques explica o Tiranossauro Rex no ano da estreia, em 2000: https://www.youtube.com/watch?v=NU0BWICpvyM

“Isso tornou a máquina, não diria com vida própria, mas com uma simbologia bem interessante para os fãs e para a gente também. Tanto que os empresários que queriam contratar a banda sempre exigiam que o Rex estivesse presente. Virou parte”, diz Bell.

“Teve cidade no interior que arrancou o calçamento pra contratar a gente. O trio era tão grande que não tinha como a gente fazer a manobra na rua. O prefeito mandou tirar a pavimentação, contratou o trio e disse que depois recolocava tudo”, afirma Wilson, dizendo não lembrar o nome da localidade perdulária.

Extinção e saudosismo Em 2009, após colecionar títulos e mais títulos de melhor trio do carnaval, o T-Rex foi aposentado pela primeira vez. Voltou um ano depois, na cor prateada, com o nome Rex Skydome, durando até 2013 – um ano antes da saída de Bell da banda.

“O momento mais triste que vivemos no Rex foi quando tivemos que nos desfazer dele. As pessoas não entendiam que o trio foi criado para o Chiclete com Banana. E não serviria para ficar trocando de artista para artista. Tanto assim que ele ficava na nossa garagem e só saía para tocar com a gente”, explica Bell.

Mesmo depois de extinto, o T-Rex manteve uma legião de saudosistas. No Instagram, uma página com mais de quatro mil seguidores (@triorex) é alimentada constantemente relembrando os grandes momentos que o maquinário protagonizou na folia.

Infelizmente, a era dos dinossauros chegou ao fim. A fila andou.

[Esta coluna é dedicada ao amigo Moysés Suzart, que insistiu numa história sobre dinossauros]