Levaram até as hóstias: Igreja é roubada pela segunda vez em menos de uma semana

Padre e fiéis tentam desvendar como foram roubados objetos sagrados e dinheiro

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  • Fernanda Santana

Publicado em 21 de junho de 2019 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Almiro Lopes/CORREIO

Nem as hóstias ou o cálice foram poupados. Muito menos a vigília de Santo Antônio impediu que algo inédito acontecesse na Igreja da Imaculada Conceição de Maria, no bairro do Stiep. Padre, fiéis e moradores ainda tentam organizar as peças do quebra-cabeça para entender como, em uma semana, a paróquia foi invadida e roubada duas vezes. Sumiram dali cofre, ofertório, microfones e até toalhas sem nenhum sinal de arrombamento. A última ação foi percebida na última terça-feira, quando o primeiro crime ainda repercutia.

O celular do padre Raimundo de Melo tocou às 17h30 do dia 12 de junho com a notícia de que a igreja havia sido invadida. Uma das sacristãs, a única com a chave da paróquia, sentiu falta do notebook e do cofrinho com as ofertas da trezena para Santo Antônio. A pequena caixa ficava ao lado da imagem do santo, perto do altar. Como as doações seriam retiradas apenas no último dia da trezena, no dia 13 de junho, ninguém sabe quanto foi roubado. Às vésperas de um dos dias mais movimentados de igreja, viram-se de frente a um dilema. “Mas a gente achava que seria uma coisa de uma vez, que era só um episódio. Então talvez esse tenha sido nosso erro”, acredita o padre.Apenas seis dias depois, no mesmo horário, a sacristã voltou a ligar ao padre. Estava atordoada. A igreja tinha sido novamente saqueada. Dessa vez, nem elementos sagrados foram esquecidos. As hóstias e o cálice foram levados, assim como a chave do sacrário onde estavam guardados. Também sumiram toalhas, um projetor e três microfones. “Talvez ele fosse um pouquinho religioso”, brinca o padre. 

O crime foi registrado na 9ª Delegacia (Boca do Rio), mas ainda não há nenhum indício de suspeitos. A sacristã, uma das frequentadoras mais antigas da igreja, preferiu não ser entrevistada. Por isso, a reportagem não teve acesso ao interior da paróquia.

Desde então, as missas são realizadas sem microfone. Diferentemente do que deveria ocorrer nesta quinta (20), o Tapete de Corphus Christi, feito tradicional com sal e serragem, não foi montado. Não houve clima, sequer dinheiro. “O clima está péssimo. É uma igreja frequentada por senhoras. O medo é que aconteça um assalto”, diz Sidney Haack, empresário e morador do entorno. Não há nenhuma câmera ou sistema de segurança na igreja que possam ajudar na busca.“É uma comunidade carente, pobre. Não é como a Igreja da Vitória, Catedral Basílica”, lamenta Sidney. A suspeita é de que ou a invasão tenha acontecido pelo telhado ou pelas janelas laterais de vidro, vizinhas a um campo de barro. O horário mais provável é a madrugada, quando a área residencial fica completamente deserta e as portas da igreja já estão trancadas. Nenhum indício de arrombamento reforça uma ou outra suspeita. "Podem ter pegado essa chave, alguém conseguiu outra, tem gente falando isso por aí, mas não tem como saber”, comenta uma frequentadora da igreja, sob anonimato.

A Igreja da Imaculada Conceição de Maria está ali na Rua Arthur Fraga, vizinha ao final de linha do bairro, há mais de 40 anos. Chegou a ser demolida para reconstrução de uma estrutura mais moderna há seis anos. Desde então, os moradores do entorno notam o aumento da criminalidade. Mas nunca houve nada parecido no templo católico. A Arquidiocese de Salvador não comentou o caso.

Agora, o pároco e os fiéis mais assíduos já planejam colocar grades nas janelas. A segurança não poderá ficar a cargo do divino. Sem dinheiro, principalmente depois do roubo, não sabem quando será possível. Até lá, as missas serão mais analógicas, sem projeções das preces e microfones.  

Mas as grades, câmeras e alarmes já fazem parte da rotina local. Afinal, a igreja não é a única pertubada pela violência. Apenas a mais simbólica.

Insegurança

O salão de beleza de Sheila Sacramento, 41, ao lado da igreja, é cercado por grades e persianas. O ar-condicionado está cercado por uma grade, a parte interna é vigiada por câmeras. “Muita insegurança. A gente fecha assim que acaba o movimento, fica de olho em tudo”, afirma a cabelereira. No dia anterior à visita da reportagem, um carro havia sido roubado. No ponto de ônibus, à espera do ônibus, o clima é de medo.

No final do ano passado, um quiosque vizinho a igreja também foi saqueado. O criminoso entrou na venda pelo telhado. “A gente vai tentando fechar, colocar grade, mas não inibe. Agora isso da igreja... Aqui está precisando de um policiamento. A gente fica apreensivo o tempo inteiro”, comenta Eliane Conceição, 47, que há dois anos divide um ponto com o irmão.

Quando visitou a região, a reportagem foi aconselhada duas vezes a guardar o celular ou se recolher num lugar aparentemente mais seguro. Os relatos de roubos são comuns e a movimentação é quase restrita a chegada de passageiros nas cinco linhas de ônibus .“Já roubaram meu celular quase na porta de casa. Sem segurança nenhuma”, afirma a funcionária pública Camila Dias, 43.  A Polícia Militar informou que o policiamento na região é responsabilidade de 39ª Companhia Independente de Polícia Militar. As rondas são ostensivas e realizadas por viaturas, afirma a corporação. 

O empresário Sidney Haasintetiza o clima na região: "Eu não tenho segurança nem na minha casa, nem na casa do Senhor Jesus".